Formatura inclusiva deixa bolsistas de fora

Um movimento de estudantes formandos em Direito na PUC-SP, formado por bolsistas do curso, tem reivindicado um processo mais transparente e inclusivo para as negociações com a comissão encarregada de organizar a formatura dos alunos de 2018.

Após a formatura da turma de 2017, que ganhou repercussão nacional por conta do discurso da aluna Michele Alves, a questão do espaço dos bolsistas no curso e na formatura gerou discussões nas turmas de Direito na universidade. Questão colocada em pauta por diversos coletivos da própria PUC-SP como o coletivo Da Ponte Pra Cá – Frente Organizada de Bolsistas da Puc-SP e o Coletivo NegraSô, a dificuldade e preconceito enfrentados pelos bolsistas ao longo da vida acadêmica na universidade tem, normalmente, pouco espaço de discussão se não é levantada pelos próprios alunos bolsistas. A formatura de 2017 também disponibilizou três convites para cada estudante bolsista, possibilitando sua participação e a de mais dois convidados.

A comissão de 2018, formada desde o segundo ano de faculdade dos alunos formandos (2015), para a formatura do Direito apresentou propostas para tornar, como chamou a própria comissão, o evento “a formatura mais inclusiva do brasil”: abrir um espaço específico entre os oradores, professores e alunos, para um aluno bolsista e o desconto nos ingressos para bolsistas.

A ação foi vista como importante, mas ainda insuficiente por alunos que resolveram se incorporar ao movimento para reivindicar alguns pontos, entre os quais: 1) a mudança no processo de eleição para o orador representante dos bolsistas 2) adesão garantida para 14 estudantes bolsistas e 3) uma prestação de conta mais transparente sobre os custos do evento. Formado majoritariamente por estudantes bolsistas o movimento, que surgiu em outubro deste ano, também conta com apoio e participação de alunos não bolsistas. No entender dos bolsistas a votação para o orador que os representa deveria ser exclusiva dos estudantes bolsistas e não geral, para todos os alunos do curso de Direitos formandos em 2018. Já no quesito a inclusão dos 14 seria possível, visto o orçamento da festa a gratuidade, e para que se pudesse discutir a questão uma abertura das contas para todos os formandos. O movimento defende que seus pontos são a manutenção de conquistas garantidas na formatura de 2017, buscando evitar retrocesso de espaço de fala e representatividade.

Para se comunicar com a comissão o movimento passou a repassar informes, redigidos coletivamente pelos seus membros, nos grupos de WhatsApp das salas. Por vezes foi necessário que um aluno de outro grupo fosse adicionado para transmitir as notas, por desconforto ou medo de represália. Também criou uma página no Facebook, chamada “Diário da #MaiorFormaturaInclusiva“, para manter atualização pública de suas notas, descrever as ações e contatos com a comissão e disponibilizar relatos.

Após a criação do movimento a comissão se posicionou em uma nota em que dizia estar aberta ao diálogo e que vinha adotando algumas ações como adotar para “Todos os Prounistas e Fundasp 100% (“bolsistas”) contam com o desconto de 15% na adesão, desde o princípio.” e “A C18 lançou um pacote especial para os bolsistas no valor de R$150,00, com ampla possibilidade de parcelamento (o pacote “normal”, somente a colação, para formandos custa, em geral, R$1.200,00).” além de criar “um fundo solidário para apoiar a causa dos bolsistas, permitindo doações de valores através de aplicativo, e também de convites.”.

Luiz Alberto Castro de Miranda Portásio, aluno de Direito do décimo semestre da PUC-SP, explica como entende a situação

“Eu fico profundamente chateado com essa postura excludente por parte da comissão de formatura. Ter que fazer essas reivindicações, um ano após o discurso da Michele (na formatura de Direito da PUC 2017), e ter todas elas sumariamente negadas pela comissão, nos faz sentir estar vivendo um retrocesso. A única coisa que ameniza essa frustração é poder contar com o apoio dos colegas não-bolsistas, se manifestando solidariamente a nossa causa, assim como ver que as próximas comissões estão acompanhando nossa luta de perto e criando, desde já, mecanismos para impedir que essa situação se repita. Espero que nos próximos anos os bolsistas não se sintam desamparados nesse momento, afinal a gente sabe como é difícil nossa vida aqui dentro da Universidade ao longo desses 5 anos. Como a comissão pretende estabelecer essa ponte com os bolsistas, se a primeira coisa que eles falam para a gente, tanto seus membros individualmente quanto como o grupo, é que a formatura é daqueles que pagam por ela? Como isso pode ser visto como uma atitude inclusiva, lidando com alunos com comprovada carência financeira? Acontece que para nós bolsistas isso não é novidade. Sou ProUnista e escutei desde o primeiro ano do curso que a faculdade era de quem “pagava” por ela. Não será agora, 5 anos depois, que eu irei engolir esse discurso.”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A formatura de 2018 está orçada em 4,5 milhões de reais, de acordo com um dos alunos do movimento. Cada adesão custa, no pacote completo, R$ 6.099,00 para não bolsistas e R$ 5.185,00 para bolsistas. O pacote mínimo, somente a colação, é de R$ 150,00 para bolsistas e R$ 1.200,00 para não bolsistas.

Valores dos pacotes de adesão
Foto: Dilvulgação

Embora não esteja distante do valor rotineiro para esse tipo de evento, em universidades privadas no Brasil, a proposta da comissão de realizar um evento inclusivo não alcançou a possibilidade financeira de alguns alunos. A adesão dos 14 bolsistas, calculada com base no último valor dado pela comissão (R$ 5.185,00), teria como custo total R$ 72.590,00, representado assim 1,6% do custo total da festa.

O evento será realizado no dia 23 de fevereiro no salão de eventos São Paulo Expo, que cedia grande ventos internacionais como a Comic Con Experience e o Salão do Automóvel. Com ingressos avulsos, sem a possibilidade de convidados e demais práticas cerimoniais, de no mínimo R$ 460,00. As grandes atrações da noite são o cantor Wesley Safadão, um dos maiores cachês musicais do Brasil, e a banda Eva.

Após a criação do movimento foram tentadas algumas reuniões com a comissão, sendo que só foi possível um encontro acontecido no dia 13 de novembro, no qual o movimento apresentou suas demandas para alguns integrantes da comissão. Após a reunião o movimento soltou a seguinte nota de esclarecimento:

“No dia 13 de novembro de 2018, às 21 horas, na PUC, foi realizada uma reunião entre o Movimento de Formandos Bolsistas e a comissão de formatura C18, com participação do Centro Acadêmico 22 de Agosto. Discutimos os tópicos a seguir: 

VOTAÇÃO DO DISCURSO:  Tendo em vista o desrespeito ao lugar de fala dos bolsistas no sistema utilizado pela C18, defendemos a realização de uma nova votação, com participação apenas de bolsistas. Apesar de somente os aderidos poderem concorrer a orador, solicitamos que os bolsistas não aderidos pudessem votar, uma vez que esse discurso busca dar visibilidade à vivência de uma minoria, existente na PUC, que se vê impedida de participar da formatura por um obstáculo financeiro. INCLUSÃO NOS EVENTOS:  Solicitamos que a comissão se comprometesse em utilizar o caixa principal da formatura para incluir todos os bolsistas não aderidos que se manifestaram pelo formulário que divulgamos. Até o momento, contamos com 14 (quatorze) bolsistas não aderidos que gostariam de participar dos eventos. Sabemos que novos interessados poderão surgir nos próximos dias, entretanto, a projeção não se distancia muito do número atual. Considerando o universo de mais 400 (quatrocentos) aderidos, o grupo que buscamos incluir é uma pequeníssima minoria numérica. Reconhecemos que os mecanismos criados para a inclusão (como rifa, vaquinha etc) são válidos, entretanto, insuficientes – como é possível perceber pelo baixo valor arrecadado até agora no fundo geral dos bolsistas. Dessa forma, destacamos que seria inviável assegurar a inclusão se possuirmos apenas esses mecanismos, que não dão a segurança de um retorno satisfatório. Por fim, enfatizamos que, caso a C18 garanta a inclusão desses bolsistas utilizando o caixa principal, nós, do Movimento de Formandos Bolsistas, nos comprometemos a trabalhar junto com a comissão, colaborando nos eventos e buscando ampliar a arrecadação desses mecanismos acessórios.  TRANSPARÊNCIA: Ressaltamos a necessidade de haver mais transparência nas ações da comissão e pedimos esclarecimentos sobre Bota-fora, Fundo Solidário, doação de convites e rifa. Também solicitamos uma nova prestação de contas, tendo em vista as novas contratações e eventos realizados nos últimos meses.  O QUE FICOU DECIDIDO? Os representantes da comissão que participaram da reunião se comprometeram em levar as nossas demandas a votação com os demais da C18. Ficou agendada nova reunião para o dia 22 de novembro, às 21h, na PUC, onde serão apresentadas respostas às nossas solicitações.”

A comissão já tinha algumas alternativas como valores com descontos para os alunos bolsistas, a doação de convites, rifas com a venda de um Iphone, 5% do valor arrecadado com festas organizadas pela comissão desde o 3º ano de faculdade e a soma de R$ 1167,00, arrecadado por meio de convites vendidos na plataforma “Blacktag” referente a festa universitária denominada “Bota-Fora: Tropucália”, ocorrida em 1/12 . Mas o valor garantido por essas ações, até a publicação desta matéria, não somou o suficiente para cobrir a adesão de um bolsista (uma adesão de um aluno bolsista representa hoje o valor de R$ 5.185,00). Para isso a reunião marcada teria a resposta da comissão sobre as pautas apresentadas e a se daria continuação ao diálogo.

Com relação aos valores somados pelas festas a comissão afirmou para o movimento que “Não informaremos os valores de cada evento, mas sim o que possuímos. A decisão interna da C18 após a primeira festa foi de não divulgar os lucros de nenhuma festa. Razão pela qual não iremos divulgar. Lembro vocês que esse dinheiro do caixa da c18 não tem ligação alguma ao caixa de adesão. Sendo assim, lucro do trabalho de 3 anos da comissão”.

A reunião marcada para o dia 22 foi desmarcada e remarcada para o dia 25 de novembro. A reunião remarcada também não ocorreu, sendo desmarcada no dia anterior, motivando o movimento a convocar um ato no Campi da Monte Alegre, o principal da universidade e que cedia o curso de direito, no dia 27 do mesmo mês. Realizado na prainha, espaço comum do Campi, o ato foi uma forma de chamar a atenção de outros estudantes para a questão.

Ato realizado pelo movimento no Campi Monte Alegre
Foto: Juntos PUC-SP

No dia 25 a comissão lançou uma nota em que dizia

“A C18 discorda do Coletivo quando este alega o desrespeito ao lugar de fala dos bolsistas, vez que todos aqueles que concorreram ao pleito são bolsistas. Ficou estabelecido e foi amplamente divulgado que a C18 não interferirá no conteúdo do discurso, vez que esta preza pela liberdade de expressão, e o orador terá a liberdade para alterá-lo se assim julgar pertinente. Adicionalmente, não concordamos com o Coletivo quando este se posiciona contra o voto de não bolsistas, como foi o caso, sob a alegação de que estes não estão aptos a decidir sobre um discurso que fala sobre uma realidade a qual não vivem. Desta forma, entendemos por justa e legítima a votação realizada. Até o presente momento, nestes 3 anos que se passaram, apenas a C18 trabalhou pela inclusão dos Bolsistas nos eventos. Talvez, os mecanismos criados não sejam suficientes para uma inclusão tão ampla como buscamos – mas são um começo, e não um fim – e continuamos batalhando por todas elas, e pelas novas que surgirão. Nos causa espanto o Coletivo se comprometer em nos ajudar no desenvolvimento de medidas inclusivas apenas e tão somente se suas demandas forem atendidas, quando o contrário faria mais sentido, que é o apoio e a colaboração no alcance das metas e inclusões. Aguardamos, mas ainda não recebemos, propostas efetivas por parte do Coletivo, que promovam a inclusão dos demais bolsistas nos eventos, vez que a luta pela inclusão dos bolsistas tem sido uma pauta solitária da C18. Não há que se falar em comprometimento da C18 com a utilização do caixa principal da formatura para promover a inclusão, o caminho precisa ser construído com o envolvimento de todos, e não forçado aos aderidos, como proposto pelo Coletivo.”

Até o presente momento não houve outra reunião, por mais que o movimento continue tentando dialogar com a comissão e a empresa contratada apara a execução da festa, a AGF 360, e continuamente seja ignorado. Com o fim do semestre a possibilidade de outra mobilização ou atos públicos se esgotou, mas o movimento continua mobilizado e atuado por meio de redes sociais.

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