Faz escuro, mas eu canto

“Consumidos pela escravidão”, por Albari Rosa, Jornal Gazeta do Povo, Curitiba/PR

Faz escuro mas eu canto,
porque a manhã vai chegar.
Vem ver comigo, companheiro,
a cor do mundo mudar.
Thiago de Mello

Alegria entrelaçada com aflição e fé. Assim foi a cerimônia do 40o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos na noite de ontem, 25/10, data que marca 43 anos do assassinato de Herzog no Doi-Codi em São Paulo.

Alegria por perceber a consolidação do prêmio, por perceber jovens e talentosos jornalistas trilhando os caminhos da defesa dos direitos humanos com trabalhos primorosos que denunciam a distância que ainda nos separa de uma civilização digna do nome.

Aflição pelo inacreditável apoio que vem conseguindo o candidato à presidência que elogia o principal torturador do mesmo Doi-Codi, onde Herzog foi torturado e morto, e prega abertamente a volta aos tristes tempos da ditadura militar.

Fé de que ainda há tempo para virar votos, para conversar olho no olho, para alertar sobre os riscos de entrarmos em novo período autoritário com o custo de muitas vidas.

Na categoria Arte, o vencedor foi Brum, do Jornal Tribuna do Norte de Natal/RN, com a charge “Marquinha”. (abaixo)

Marquinha por Brum

Na categoria Fotografia, o vencedor foi Albari Rosa, do Jornal Gazeta do Povo, de Curitiba/PR, com o trabalho “Consumidos pela escravidão”. (A foto de Albari ilustra essa matéria)

Na categoria Produção Jornalística em Áudio, os vencedores foram Marcelo Henrique Andrade e equipe, da rádio CBN de João Pessoa/PB, com a “Série de Reportagens Trans: o difícil caminho para a educação.” (Clique para conhecer o trabalho premiado)

https://youtu.be/s9Y_3RG7HkQ

Diz Ivo Herzog, após a apresentação do vídeo acima:

“Tem uma caixinha pequenininha com alguns valores fundamentais: vida, liberdade, respeito, democracia. Minha discussão começa aqui. Não é se é liberal, conservador, se é progressista, se é comunista. São esses valores, essa caixinha. Para mim ela é inegociável. Essa é a eleição mais fácil para mim para votar. Porque tem alguém querendo violar essa caixa.”

Na categoria Produção jornalística em multimídia, os vencedores foram Clara Carvalho e equipe, do portal NE10 de Recife/PE, com  “UmaPorUma”. (Clique para conhecer o trabalho premiado)

Na categoria Produção jornalística em texto, os vencedores foram Nathan Fernandes e equipe da Revista Galileu, de São Paulo/SP, com a matéria “A Síndrome do Preconceito”. (Clique para conhecer o trabalho premiado)

Na categoria Produção jornalística em vídeo, os vencedores foram Mariana Fabre e equipe da TV Brasil de Guará/DF, com o documentário “Defensores sob ameaça”. (Clique para conhecer o trabalho premiado)

O prêmio Vladimir Herzog Especial 2018 foi para Bernardo Kucinsky. Esse prêmio homenageia, desde 2009, jornalistas “pelos relevantes serviços prestados às causas da democracia, paz, justiça e contra a guerra.”

Após relembrar as ameaças de Jair Bolsonaro à paz e à democracia, o jornalista e professor Kucinsky, em sua fala de agradecimento, acrescenta:

“Como explicar o voto de milhões de brasileiros a um ser repulsivo como esse? Como explicar o fenômeno de dissonância cognitiva de tal magnitude? Suas causas são certamente muita e complexas. Mas não é um processo que nasceu ontem: vem sendo cevado ao longo de décadas. Desde que um simples operário liderou as grandes greves que levaram a queda da ditadura e posteriormente se tornou presidente do Brasil. Atingiu seu ápice quando o Judiciário e a imprensa fizeram do combate à corrupção uma guerra sectária.

(…)

Não me cabe julgar o outro. Não me cabe avaliar as razões de cada um. Falo de mim e do que eu sinto. O que mais me entristece e me envergonha nesse momento não é a postura dos donos do poder econômico, já esperada. Nem é a de uma classe média frustrada e enraivecida, nem mesmo a do povo pobre, açodado pelo discurso fácil do linchamento. O que me acabrunha é a postura dos que deveriam saber melhor, entre os quais obviamente nós os jornalistas. Compartilho esse prêmio com os jornalistas que exerceram e exercem a função mai nobre do nosso ofício, que é de defender a liberdade, a vida e os direitos fundamentais do ser humano. Entre os quais o direito à moradia, à alimentação, `educação e à saúde. E compartilho também com o ex-presidente Lula que à extensão desses direitos devotou sua carreira política. Hoje, mais do que nunca, vítima do ódio coletivo e do linchamento.”

Juca Kfouri, mestre de cerimônias do evento, faz a fala final:

“Não é preciso falar que nós temos críticas a fazer em relação a todos os governos da redemocratização para cá. Não é preciso. Viver é preciso. Porque uma crítica nunca será justo fazer a nenhum desses governos: a de terem posto em risco a democracia ou a liberdade de expressão

(…)

Os golpistas de então tinham, pelo menos, algum pudor. Fizeram o que fizeram, mas envergonhados se apegavam às mentiras para não admitir. Negavam torturar e matar. Sabemos, dolorosamente como sabemos, que torturaram e mataram. Agora é ainda pior. Porque os neofascistas anunciam a plenos pulmões o que farão. E já estão fazendo.

Hoje, derrotá-los, que fique bem claro, diríamos exatamente o mesmo, sem tirar nem por, se as alternativas fossem: Alckmin, Meirelles ou até Amoedo. A hora é tão grave que não admite dubiedade, muito menos omissão ou neutralidade. Barrar o obscurantismo, a perseguição às minorias, o autoritarismo, a arbitrariedade e a violência se impõe nesse momento. Sem ódio e sem medo. Com a indignação exigida por quem ama a liberdade, a igualdade, a fraternidade.

Em nome da memória de Ulisses Guimarães, de Dom Paulo Evaristo Arns e de Vladimir Herzog. Que as luzes da liberdade iluminem o povo brasileiro para evitar a barbárie. Temos dois dias para virar o jogo. Temos o domingo para inundar o Brasil com uma onda democrática. Nós vamos lutar até o último, mas até o último segundo do domingo para recomeçar a fazer o Brasil que queremos para nossas filhas e filhos, netos e netas, para nós.

A nossa arma é a palavra. E a nossa fé não costuma falhar. Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós.”

Encerrando a premiação, é distribuído um fac-símile da capa do número 16 do jornal Ex, que circulou entre 1973 e 1975. Ex foi o único jornal que estampou a notícia do assassinato de Vladimir Herzog e com letras garrafais clamou: Liberdade, Liberdade, abra as asas sobre nós.

“Na semana da morte de Herzog, no final de outubro de 1975, foram tirados 50 mil exemplares da edição Ex-16, que relata todo o episódio de seu assassínio. Na capa, o verso do Hino à República: “Liberdade, Liberdade, abre as asas sobre nós”.

Uma segunda tiragem, de 30 mil exemplares, foi apreendida pela polícia.” Conta-nos Bernardo Kucinski em Jornalistas e Revolucionários – Nos tempos da imprensa alternativa.

A execução do Hino à República fecha a noite: Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós!

 

Notas

1 Para saber mais sobre o 40o Prêmio Vladimir Herzog:

Vencedores do 40º Prêmio Vladimir Herzog

2 Para ver o livro de Bernardo Kucinski, Jornalistas e Revolucionários, nos tempos da imprensa alternativa:
http://marcosfaerman.s3-website-us-east-1.amazonaws.com/1991_JornalistasRevolucionarios.html

3 Para ver o livro que reproduz as edições do jornal ex:
http://livraria.imprensaoficial.com.br/media/ebooks/12.0.813.723.pdf

4 Para ver nossa transmissão completa da cerimônia de premiação: https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/551635681960969/

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