Família Santa Cruz quer resposta de Bolsonaro: quem matou Fernando?

Por Pedro Torres I Agência Saiba Mais 

“Que direi ao meu neto, quando jovem, se fizer, e quando me indagar que fim levou seu pai, se ele não tiver a felicidade do seu regresso?”.

O trecho da carta que Elzita Santa Cruz escreveu após desaparecimento do filho Fernando foi relembrado nesta segunda-feira (29) por Arthur Santa Cruz, irmão de Fernando e tio de Felipe Santa Cruz.

Arthur mora em Natal (RN), trabalha na secretaria de Estado de Saúde Pública (Sesap) e conversou com a agência Saiba Mais sobre o ataque à memória da família feito pelo presidente da República, Jair Bolsonaro.

Há pouco mais de um mês, a familia Santa Cruz perdeu Dona Elzita, que se despediu da vida sem conhecer a história e os detalhes da morte do filho, nos porões do DOI-CODI.

Atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e filho de Fernando, Felipe Santa Cruz descobriu hoje que Jair Bolsonaro sabe o que aconteceu com o pai dele, preso, em 1974, pela ditadura militar.

“Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele”, comentou o presidente.

O ataque pessoal à memória de Fernando e sua família se deu após o presidente questionar a atuação da entidade no caso do Adélio Bispo, autor da facada em Bolsonaro ainda no 1º turno da campanha presidencial.

Fernando Santa Cruz integrou o movimento estudantil na luta contra a ditadura militar que durou 25 anos e perdurou no Brasil de 1964 a 1989. Foi preso pelo DOI-CODI, no Rio de Janeiro, em 1974. Ele era estudante de direito da Universidade Federal Fluminense e atuava como militante da Ação Popular, embora nunca tenha tido seu desaparecimento, de responsabilidade dos órgãos de repressão da ditadura, explicado.

Após saber dos ataques ao irmão, João Arthur Santa Cruz considerou como crime os comentários do presidente e exigiu explicações sobre o desaparecimento do irmão Fernando, que participou desde sempre da luta contra um dos regimes mais cruéis de ditadura da América Latina.

Médico pernambucano, João Arthur herdou do pai a paixão pela área da saúde. Ele mora em Natal há 34 anos. É diretor da Unidade Central de Agentes Terapêuticos (Unicat), vinculada à Secretaria da Saúde Pública do Governo do Estado (Sesap/RN), e trabalhou como diretor logístico da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), da Prefeitura do Natal.

Elzita Santa Cruz se tornou símbolo da luta contra a ditadura militar – Foto: Wagner Ramos/Arquivo Folha

“Ele [Bolsonaro] está cometendo um dos maiores crimes de omissão”, afirma João Arthur. “Ele deveria dizer [o que sabe] ao Supremo Tribunal Federal, à nação”, conclui o irmão, ratificando que a família entrará com processo em resposta à mais uma declaração polêmica do representante da extrema-direita no país, Jair Bolsonaro.

Felipe de Santa Cruz, segundo o tio João Arthur, tinha dois anos quando o pai desapareceu e, desde então, nunca soube mais informações sobre o que aconteceu com Fernando após ser preso pelo DOI-CODI.

Julgado pela Comissão Nacional da Verdade, o caso foi concluído sem ter obtidos as principais respostas sobre o desaparecimento de Fernando. “Ele saiu para se encontrar com um amigo, no Rio de Janeiro, e desse encontro desapareceu”, explica João Arthur.

Em tentativa de amenizar os comentários, Jair Bolsonaro novamente atacou a família Santa Cruz ao falar que o destino do irmão de João Arthur estava relacionado à participação em grupos de esquerda, dos quais Fernando integrava para, segundo Bolsonaro, promover “guerrilha”. João Arthur rebateu os comentários, explicando que o irmão jamais participou da luta armada – conclusão feita, inclusive, pelo próprio relatório da Comissão Nacional da Verdade.

“Fernando era da Ação Popular Marxista-Leninista, uma ação que era ligada à Igreja Católica. Ele nunca pegou em armas, nunca participou da luta armada. Ele era um estudante que sonhava por um país mais justo; que reclamava da situação do país no bandejão da Universidade”, explicou João Arthur, que se diz indignado com o presidente conhecido por declarar apoio ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra – um dos maiores torturadores da ditadura no Brasil.

‘Crueldade e falta de empatia’, rebate Felipe Santa Cruz

Felipe Santa Cruz, presidente da OAB (FOTO: Wilton Junior/Estadão)

Felipe Santa Cruz, atual presidente da OAB, também rebateu aos ataques. Ele se manifestou, em nota pessoal encaminhada a amigos, afirmando que o presidente Jair Bolsonaro desconhece a diferença entre público e privado e demonstrou, mais uma vez, “crueldade” e  “falta de empatia”.

Felipe Santa Cruz afirma com orgulho ser filho de Fernando de Santa Cruz e comenta o episódio. “O mandatário da República deixa patente seu desconhecimento sobre a diferença entre público e privado, demonstrando mais uma vez traços de caráter graves em um governante: a crueldade e a falta de empatia. É de se estranhar tal comportamento em um homem que se diz cristão”.

“O que realmente incomoda Bolsonaro é a defesa que fazemos da advocacia, dos direitos humanos, do meio ambiente, das minorias e de outros temas da cidadania que ele insiste em atacar. Temas que, aliás, sempre estiveram – e sempre estarão – sob a salvaguarda da Ordem do Advogados do Brasil”, diz.

“Por fim, afirmo que o que une nossas gerações, a minha e a do meu pai, é o compromisso inarredável com a democracia, e por ela estamos prontos aos maiores sacrifícios. Goste ou não o presidente”, conclui.

Dona Elzita procurou pelo filho durante 45 anos de sua vida

Dona Elzita se tornou símbolo da luta contra a ditadura militar – Foto: Wagner Ramos/Arquivo Folha

Elzita Santa Cruz, símbolo da luta contra a ditadura militar, no Brasil, escreveu cartas a ministros, apelos a generais e súplicas a presidentes, mas morreu sem concluir uma de suas maiores lutas em vida.

Quando em vida, Dona Elzita, como era chamada pela família, nunca desistiu de questionar “onde está meu filho?”,pergunta que ainda se mantém sem respostas.

“É justo, é humano, é cristão que um órgão de segurança encarcere, depois de sequestrar, um jovem que trabalhava e estudava, sem que à sua família seja dada qualquer informação sobre o seu paradeiro e as acusações que lhe são imputadas? Que direi ao meu neto quando jovem for e quando me indagar que fim levou o seu pai, se ele não tiver a felicidade de ver seu regresso? Direi que foi executado sem julgamento? Sem defesa? Às escondidas, por crime que não cometeu?”, escreveu ela em carta ao marechal Juarez Távora, em maio de 1974.

Dona Elzita permaneceu 45 anos de vida buscando informações sobre o desaparecimento do filho.

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