Era quarta-feira e teve aula na escada da faculdade, tão antiga quanto a educação em saúde na cidade de São Paulo. O professor falava a seus alunos de medicina, cartazes de protesto entre os degraus, ouvidos tristes, olhos áridos no horizonte insano que paira na nação.
Sob árvores e até cantos de sabiá, nenhuma balbúrdia vi, apenas gente atenta, curiosa e jovem vontade em protesto.
Nenhum idiota encontrei ali, nenhum só.
Aula aberta sobre a saúde do Estado, a educação doente e seus algozes.
Durante a aula fiquei pensando se o presidente, que ofende estudantes, tem diplomas, se estudou em faculdades, se afogou-se em livros um dia?
Perguntei a um aluno ao meu lado, bem informado me esclareceu que Bolsonaro cursou educação física até formar-se pela Escola de Educação Física do Exército; nada mais sabia.
Bem, creio que o presidente não aguentaria caminhar até a avenida, cantando alegre e reto, em protesto. Mesmo tendo ele estudado educação física, falta-lhe fôlego, falta-lhe ciência, falta-lhe educação.
Enfim, caminhar e cantar não é para covardes ou quem teme o conhecimento e a multidão lúcida. Erguer a mão em punho é feliz consentimento em saber que somos povo.
Em tardes de quarta-feira assim, em dia de muita gente nas ruas, há clima para poesia. Lembro-me do poeta Thiago de Mello, que vive na Amazônia distante, a escrever aos que virão:
“Como sei pouco, e sou pouco, faço o pouco que me cabe me dando inteiro. Sabendo que não vou ver o homem que quero ser.
Já sofri o suficiente para não enganar a ninguém: principalmente aos que sofrem na própria vida, a garra da opressão, e nem sabem.
Não tenho o sol escondido no meu bolso de palavras. Sou simplesmente um homem para quem já a primeira e desolada pessoa do singular – foi deixando, devagar, sofridamente de ser, para transformar-se – muito mais sofridamente – na primeira e profunda pessoa do plural.
Não importa que doa: é tempo de avançar de mão dada com quem vai no mesmo rumo, mesmo que longe ainda esteja de aprender a conjugar o verbo amar.
É tempo sobretudo de deixar de ser apenas a solitária vanguarda de nós mesmos.
Se trata de ir ao encontro. (Dura no peito, arde a límpida verdade dos nossos erros.)
Se trata de abrir o rumo. Os que virão, serão povo, e saber serão, lutando.”