Falência múltipla de órgãos

Incêndio na Chapada no ano de 2008, fotografado por Rafael Lage

Incêndio no Parque Nacional da Chapada da Diamantina revela ineficiência do poder público na gestão do pólo de ecoturismo e na prevenção de catástrofes

por Carol Ramos para Jornalistas Livres

São duas da tarde e Thyago Rigoni entra no Skype para conversar comigo enquanto senta para almoçar com a mulher e o filho pequeno. Ele não os vê a alguns dias por estar em campo combatendo o fogo que assola a mais de um mês o Parque Nacional da Chapada da Diamantina e sua fala acelerada, que sobrepõe a minha o tempo todo, revela a ansiedade, o stress e a revolta por mais um incêndio que destrói a cada ano esse patrimônio natural da humanidade, que graças ao ecoturismo conseguiu conter o avanço da devastação natural causada pelo extrativismo e pela criação de gado.

Secretario da ACV-VC (Associação dos Condutores de Visitantes do Vale do Capão), uma organização de base comunitária que também tem um braço brigadista voluntário de combate à incêndios florestais a 20 anos, Thyago não tem mais ilusões sobre a gestão do Parque, feita pelo ICMBio, órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e que cuida de outros 69 parques nacionais, como a Chapada do Veadeiros, também vítima de um incêndio no mês de novembro. Segundo Thyago, o repasse do governo federal para o ICMbio, a nível nacional, foi 1/18 da verba adequada. Também não há repasse de multas por compensação ambiental para programas de recuperação e estruturação, o que seria um enorme avanço já que a região sofre impactos seríssimos causados por um polo agrícola que só cresce.

“Mesmo sendo um valor aquém do necessário, o escritório do ICMbio que faz a gestão do nosso parque recebe um certo recurso, mas não tem a menor noção de comando de operação e gestão de catástrofe. Podíamos ter acabado com o fogo no 13o. dia, mas eles têm apenas 5 ou 6 funcionários para um território de 154 mil hectares e não dialogam com a comunidade”, revela Thyago, adepto da meta “fogo zero”, um consenso de que os incêndios são criminosos e podem ser evitados com medidas preventivas.

Segundo César Gonçalves, chefe-substituto do Parque, quem faz a gestão dos recursos é o escritório central, em Brasília, e a base baiana não só não põe a mão no dinheiro como também enfrenta diversas dificuldades, como a licitação para a compra de um sistema de rádio digitalizado, que já dura três anos, por exemplo, e funcionários trabalhando exaustivamente sem receber salários a quatro meses.

Mas seu ponto de vista sobre o incêndio e a prevenção é um pouco diferente do de Thyago. “Este incêndio nem de longe é um dos maiores. Ano passado teve um muito pior. Foram pessoas que passavam pela estrada. É um fenômeno natural da Chapada, que pode ser evitado de diversas formas, como gestão de biomassa, que é um excesso de mato que deve ser queimado antes que queime espontaneamente e provoque incêndios”, diz César.

“A nível federal é urgente trabalhar com prevenção e reflorestamento, com carreiras de guarda florestal de elite, pois as equipes que chegam de fora não sabem andar no território e recebem treinamento de um final de semana para combater incêndio. A nível local, a gestão deveria ter trinta vezes mais funcionários, com gente mais jovem, inteligente e treinada, além de armadilhas fotográficas em cada entradinha de trilha para acionar a polícia e dar tempo de conter o fogo. Passamos anos sem um incêndio, graças a uma câmera de mentira que emitia umas luzes de LED em cima de um morro”, reflete Thyago. De forma complementar, o guia também levanta a urgência de mais guardas parque, portarias oficiais, uma policia mais investigativa, uma vara criminal e o fortalecimento da polícia militar ambiental. Nada exagerado para proteger um santuário ecológico de biodiversidade e que abriga diversas comunidades e atividades econômicas, além da Bacia hidrográfica do Santo Antônio e os rios Santo Antônio, Paraguaçu e Rio das Contas.

No última semana choveu no Parque e a maior parte do incêndio parou, mas ainda restaram focos de fumaça, segundo a página da ACV-VC no Facebook.

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