Triste que uma empresa de 1/2 trilhão de dólares não saiba distinguir cultura de pornografia. Ao coibir posts de saberes e modos de vida que estão se acabando, corrobora pra que acabem de vez.
TOMEI BLOCK do Facebook porque compartilhei a bela reportagem da Folha com o trabalho genial do premiado fotógrafo Sebastião Salgado em defesa dos Korubos. Foi inclusive objeto de capa desse jornal, aliás, um dos que mais circulam no país, presente em milhares de lares da família brasileira.
Essa não foi a 1a vez. Chacina pode, tortura pode, sangue pode… mas índio vestido de índio não pode. Aí, a gente é jogado na quarentena sem poder postar, curtir, interagir… E a ficha corrida como pornógrafo reincidente só vai aumentando, junto com os dias de gancho.
Antes já havia sido punido por homenagear as mulheres indígenas, e até por compartilhar apenas links de matérias como da Pública, retratando a difícil realidade que poucos conhecem dos povos tradicionais da Amazonia.
E precisam conhecer.
Mas vai ficando complicado pra caras como o escriba aqui, que vem do fotojornalismo, trabalha na Amazônia, se dedica a apoiar seus povos e culturas, se não pode mais publicar imagens de índios como índios.
Pior ainda para os próprios indígenas, bloqueados da rede por compartilharem fotos de onde vivem, dos parentes, dos rituais, do dia-a-dia nas aldeias… E não são poucos.
Aqui, Ysani Kalapalo fala sobre sua página recentemente banida por divulgar sua cultura: “Desde quando nossa maneira de ser é incitação à pornografia?” – questiona ela neste video.
Numa rede que tem de tudo, há os que de fato promovem a exploração sexual e pra isso existe a ferramenta de denúncia. Só que há também os bloqueios motivados por denuncias vazias, vindas de pessoas que se aproveitam talvez porque não gostam do autor, odeiam índios, ou são mal resolvidas ao enxergar pornografia em qualquer coisa, até em mães amamentando. Se a causa indígena incomoda, ao invés de desamigarem, deixarem de seguir ou dar logo um block, preferem denunciar e nos entregar pra patrulha de robozinhos tarados que passam o dia em busca de nudes.
Mas o foco aqui nem são estes que fazem uso indevido da ferramenta (e seguem impunes). A responsabilidade por checar e dar o veredito final é toda do Facebook, o provedor do serviço com o qual o usuário tem um contrato formal, embora muitos nem saibam disso.
É lamentável que uma empresa que vale meio trilhão de dólares tenha escolhido não investir o suficiente pra saber a diferença entre cultura e pornografia, quem está cumprindo ou não suas regras — o regulamento admite inclusive a exibição da nudez “quando a publicação do conteúdo se der por motivos educativos”… E até “humorísticos ou satíricos”. Assim está escrito.
Portanto, não cabe ao usuário ser punido pela incompetência que não é dele, e sim de quem gerencia uma rede que cresceu além da conta, que não consegue averiguar a pertinência das denuncias, que tem um sistema falho de robôs que deletam qualquer peito que encontram, independente do contexto.
Sei que pra muitos que tem seus perfis bloqueados injustamente, a solução mais fácil e rápida é abrir outro. Só que se conformar com isso é continuar educando errado a nem sempre inteligente “inteligência artificial”, é deixar de cobrar quem deveria e premiar quem não deveria.
Pior do que mostrar para os denunciantes fakes que vale a pena, é ver a maior rede social do planeta com todo seu poder formador de opinião sendo parceira deles. Ao coibir cada vez mais posts de culturas, saberes e modos de vida tradicionais que estão se acabando, corrobora pra que acabem de vez.
Por isso jamais deixei de insistir nos recursos de defesa do usuário, mesmo sabendo que de nada adiantam as reclamações, ouvidas pelos mesmos robôs responsáveis pelos erros de leitura.
Se antes era coisa de filme de ficção, na real já estamos caminhando pra era em que as máquinas começam a dominar.
Pra que nos tornemos robôs como elas.
Caso contrário, seremos enquadrados como vírus, colocados primeiro em quarentena, e depois excluídos se necessário.
Esta matéria foi publicada originalmente em:
https://medium.com/@caetanosca/facebook-n%C3%A3o-quer-indio-vestido-de-indio-10f6d24da3ac
DEPOIS DE TODO ESTE HISTÓRICO DE CENSURA:
Caetano repostou sua materia no facebook com este texto:
AO FACEBOOK
Cc Mark Zuckerberg
Atendendo a solicitação dos próprios gestores da Rede Social por criticas que ajudem a aprimorar seus serviços, segue link do meu artigo após ter sido novamente bloqueado por compartilhar matérias com imagens de indígenas.
Mas antes, reforço aqui mais uma vez que, diante de todo seu poder formador de opinião, é preciso mais atenção desta empresa aos povos tradicionais que lutam para sobreviver, manter seus modos de vida, saberes… que por sinal tem muito a nos ensinar se quisermos ter futuro.
Para isso, é urgente que se invista de forma mais responsável no atual sistema de controle das postagens, que não consegue distinguir cultura de pornografia. Assim como aconteceu comigo, não são poucos os são bloqueados por compartilharem imagens de índios como índios, sobretudo os próprios indígenas usuários da Rede quando postam fotos dos parentes, dos rituais, do dia-a-dia nas suas aldeias.
Por exemplo: “Desde quando nossa maneira de ser é incitação à pornografia?” – questiona a indígena Ysani Kalapalo, que teve sua página recentemente banida por divulgar sua cultura [https://goo.gl/mcXV4N].
Aproveito ainda para agradecer a todos os usuários que comungam dessa mesma causa, e que compartilharam este meu txt durante o período em que fui afastado. Lamentável que, por mais que o artigo tenha viralizado, acabasse em seguida sendo censurado.
Torço para que a razão disso seja mesmo esse tal sistema de vigilância automatizado, ainda muito falho. Isso porque, sendo esse o problema, aí tem solução, nada impossível de corrigir e dar um upgrade, ainda mais uma empresa de meio trilhão de dólares.
O perverso nisso tudo é que muitos dos que postaram foram punidos – desde já, fica meu pedido de perdão por todo esse transtorno. E ao mesmo tempo que seguem bloqueados, o Face me liberou agora da quarentena.
Aí, vendo melhor o que se passou, por via das duvidas acabei reeditando o artigo, pecando pelo excesso no uso de ferramentas para cobrir as partes intimas das imagens, muito alem da versão anterior, que já continha marcadores de proteção. Isso de uma foto do Sebastiao Salgado na capa da Folha de SP, a que ponto chegamos…
Por fim, feitas as devidas readequações na postagem, espero que não seja bloqueado mais uma vez (ou até banido definitivamente) por exercer minha liberdade de expressão, torcendo para que essa mensagem não apenas alcance um destinatário humano da Empresa (ok, sei que é ilusão…) como também, uma vez mais, seja entendida como algo construtivo para melhoria do provimento dos serviços.
Se essa tiver que ser minha ultima postagem, que assim seja…
Agora sim, o artigo.
Att,
PS: Algumas pessoas estão noticiado que estão sendo bloqueadas por compartilhar esta mesma matéria.
Caetano Scannavino é Empreendedor social, mora na Amazonia, coordenador do Projeto Saude e Alegria.
Uma resposta
Estou bloqueada por ter compartilhado essa matéria. Meu primeiro bloqueio no facebook. 2018 é ano de DESOBEDIÊNCIA CIVIL!