Expedição ao Planeta dos Macacos?

G 20 Argentina

por Luís Andrés Sanabria Zaniboni,

 

– Yll? Você já se perguntou…. bem, se alguém viverá no terceiro planeta?
– No terceiro planeta não pode haver vida – pacientemente explicou o Sr. K – nossos cientistas descobriram que há muito oxigênio em sua atmosfera
Ray Bradbury. Crônicas marcianas

Quando falamos de esquerda e direita, testemunhamos uma história semelhante à do livro de ficção científica Planeta dos Macacos, de Pierre Boulle: um território áspero, onde muitos discursos e práticas sobreviveram a seus criadores, mas sua ressignificação e sua defesa acabaram jogando a favor dos lados antagônicos. Tendo a confusão como regra, esta sociedade de macacos construiu seu mundo com base na fadiga do pensamento crítico e na substituição deste por uma fé cega no “progresso” que as classes dominantes pregavam, assim invisibilizando as formas e as maneiras que permitiram a germinação e a reprodução de dominações e explorações em sua sociedade.

Pensar as direitas em nossa região latino-americana e caribenha nos sugere compreender os tempos políticos para além das situações eleitorais, que são espaços confusos e distorcidos, onde se jogam dinâmicas de “marketing político” e falsas polarizações que colocam feminismos como Feminazis, ou que confrontam os trabalhadores entre si, evitando a abordagem crítica dos processos que estruturam nossas sociedades, que são os acordos das elites.

No momento em que são escritas estas linhas, vivemos processos, na América Latina e no Caribe, de reconfiguração da correlação de forças em distintos níveis, que não conseguem encontrar sua interpretação na mera disputa eleitoral. O resultado é que a disputa eleitoral torna-se muito rasa, impossibilitando aprofundar as latências que permitiriam entender o surgimento das posições e dos sujeitos que configuram as opções de disputa em espaços culturais, políticos, econômicos e sociais.

Democracias em alta-tensão

Assim, podemos identificar uma primeira contribuição desta exploração: compreender que as direitas são propostas de sociedade e que os seus temas transcendem espaços eleitorais, de modo que as conformações das direitas também estendem seus territórios a espaços não-partidários e não-eleitorais (empresas, fundações etc.). Por esta razão, é necessário aprofundar a compreensão e análise das direitas em longos períodos de constituição, para mostrar suas relações e suas disputas com os contextos do sistema capitalista.

Testemunhamos uma transição que questiona as formas e os modos de democracia representativa, onde a confusão de significados e sequestro dos sentidos são espaços em tensão que disputam diversos sujeitos individuais e coletivos. Em nossa sociedade, palavras como paz, trabalho ou família, encontram, nas discussões das mais diversas naturezas, uma variedade de significados e de sentidos contraditórios, que vão desde uma posição progressista até converter-se em um argumento conservador.

Esta situação levou a uma constante polarização no interior das nossas sociedades, enriquecida por uma simplicidade que proporciona uma visão dicotômica em benefício das latências dominantes enraizadas, desse modo a hegemonia encontra os caminhos para consolidar o seu projeto em torno das elites da democracia de baixa intensidade.

Assistimos uma era política dominada pelo processo eleitoral, que reduz a maioria das estratégias e posições para meros discursos e práticas eleitorais. Esta tendência corroeu seriamente nossas ligações entre sujeitos, até chegar a simplificar nossas relações político-culturais para meras ações e encontros instrumentalizados, comícios ou conversas, sem processos pedagógicos ou problematização de nossas realidades.

Seguindo este cenário, podemos ver a preeminência de marketing político em nossas ações, ou seja, o domínio da forma como mensagem, despolitizando-se seu conteúdo e respondendo a um conteúdo meramente estético, através de estereótipos dominantes para buscar uma falsa simpatia e empatia de setores da sociedade.

Mas, enquanto essas duas tendências se acomodam em alguns espaços, muitos setores não tradicionais de política, como igrejas neopentecostais, entre outros grupos de fundamentalismo religioso, também conseguiram posicionar-se com um maior fortalecimento do conservadorismo. Podemos caracterizá-los com dois elementos desde onde é composta sua posição, uma pseudo-lei natural e uma moral inerente ao ser humano, este é o processo que podemos encontrar através da articulação que surgiu como movimento contra a “ideologia de gênero”.

Direita: Quais territórios e articulações lhe dão forma?

Uma vez neste ponto, é importante problematizar uma questão, ante o domínio da democracia representativa e sua carga eleitoral, as direitas são apresentadas como atores em disputa, mas diante do exposto, as direitas não são atores per se, mas concebem propostas de sociedades, é assim que podemos caracterizar algumas continuidades (capitalismo, patriarcalismo e colonialismo) que se manifestam nesses projetos:

• a primazia do individualismo que encontra três espaços onde sua presença e prática são evidentes; a raiz do consumismo que reduz o indivíduo a consumidor, o aumento do personalismo como forma de gestão política ou a marca como elemento distintivo em política, anulando assim as formas e os modos coletivos dialógicos.

• totalização do mercado, e ligada a esta mudança causada pelo capitalismo, vemos todos os dias os direitos adquiridos assistirem a uma metamorfose que os converte em serviços disponíveis para clientes, despolitizando sua gestão. É assim que o esvaziamento da política na democracia representativa e o cancelamento da incidência da maioria na gestão encontram seu lugar na centralidade da tecnocracia, despolitização da administração nas mãos dos peritos.

• sintomaticamente descobrimos que a concentração e o controle dos meios de comunicação tem sido uma constante que tem proporcionado o posicionamento ideológico das elites e seu projeto dominante, combatendo as dissidências e construindo seus sentidos, mas também criminalizando e apropriando-se da narrativa, onde a judicialização da política é a amostra mais sutil na consolidação de sentidos e narrativas dominantes.

Contudo, nos últimos 30 anos, temos visto como a cooptação e ressignificação de práticas pela direita conseguiram posicionar formas e modos que têm disputado nossas sociedades, gerando algumas adaptações:

• o surgimento de um assistencialismo social focado na financeirização da política, uma forma de se transformar as articulações em meras transferências bancárias, permite a despolitização do diálogo como espaços de construção democrática, alienando contradições sociais da pobreza, por exemplo.
• a preeminência de um discurso pós-ideológico que busca ignorar as relações socioculturais, econômicas e políticas como produtores de sentidos, e reduzir tudo a leis pseudo-naturais de matriz social darwiniana como referência, um exemplo disso é a propagação de posicionamentos relacionados à “Escola Sem Partido”.

• o surgimento de um CEOcracia, a administração do público sob a dinâmica empresarial, como a forma que a “gestão” converte a política em gerenciamento de resultados e, uma vez mais, despolitiza os espaços.

• O surgimento de tendências fundamentalistas religiosas neopentecostais causou uma emergência de atores com influência eleitoral dos postulados da teologia da prosperidade, que tem impactado a relação entre fé e política centrada na ideia do chamado divino de governar o reino por cristãos e a luta contra o mal que corrompe a sociedade (direitos sexuais e reprodutivos, diversidade sexual, por exemplo), a disputa tem gerado uma agenda religiosa sobre assuntos não-religiosos, alcançando uma posição moral conservadora.

• judicialização da política: se argumentamos que cada vez mais o espaço político é apequenado, é identificável como a “justiça” assume um papel de mediador do que era política, mas assistimos como se tornou um instrumento de controle, por parte das elites dominantes, onde os andaimes existentes respondem mais à lógica da reprodução, e, portanto, o fenômeno da ideologia corrupção: é a capacidade narrativa de vincular processos de ações ilegais como sinais de tendência política.

Esta descrição nos leva a pensar que pouco mudou e que estas sociedades que testemunham supostas mudanças de época, estão enfrentando o que nunca perdeu lugar na acumulação por espoliação: o capitalismo, o patriarcado e o colonialismo.

As continuidades e adaptações que descrevemos, não só nos posicionam perante a necessidade de compreender os ciclos de acumulação, senão também de luta e resistência que têm permitido contestar a hegemonia de certos sentidos e práticas, colocando em evidência as rupturas do tecido social como o crescimento da xenofobia, do racismo, da violência contra as mulheres e à diversidade sexual, mas também os processos de concentração de riqueza em poucas mãos.

É necessário disputar a partir de diferentes territórios corpos, uma vez que tentamos mostrar que as direitas não são apenas partidos políticos a derrotar: são projetos de dominação e exploração que ampliam suas formas e modos através de nossas sociedades, organizações, coletivos, que constroem sentidos e práticas em benefício da desapropriação dos bens comuns e da acumulação concentrada de capital.

A abertura e integração das direitas em nossas sociedades e sua participação nos processos democráticos formais nos levam a questionar os elementos que são disputados na construção dos sentidos e práticas, que não passam necessariamente de forma protagônica pelas instituições e pelos processos formais, mas correspondem a latências que estão “por baixo” em constante disputa e reposicionamento.

O planeta dos macacos é uma metáfora para uma sociedade que tecia sua existência através da história dominante: a segurança do mito, a totalização do inimigo como aquele outro ente estranho, alienígena e dominado que não pode nos contaminar, e o poder da disciplina. Isso nos chama a refletir sobre as propostas de sociedades que vivemos e sentimos, mas também aquelas que tentamos construir, especialmente quando elas trazem as histórias imaculadas, mas as práticas gestantes de continuidade.

 

* Luís Andrés Sanabria Zaniboni é assistente do centro de Estudios y Publicaciones Alforja

** Tradução por César Locatelli. Revisão por Lucila Longo

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