#EXCLUSIVO | Descoberta ficha confidencial de reitor morto em arquivos da repressão

O jovem jornalista Cao Cancellier em assembleia junto com outros companheiros, como Adelmo Genro Filho e o advogado João Mota, em foto descoberta nos arquivos da espionagem em 1981

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Quando jovem, ele sobreviveu ao golpe militar, ao episódio da Novembrada, às perseguições políticas da ditadura militar contra estudantes e opositores dos partidos clandestinos. Mas não conseguiu sobreviver à fúria dos liberais que tomaram o poder no Brasil, nem ao regime de exceção disfarçado que sorrateiramente suprimiu o Estado Democrático e de Direito. Gentil e conciliador, Luiz Carlos Cancellier perdeu a radicalidade da juventude e apostou numa política de gestão de consenso, que pretendia fazer aliança de todas as tendências em prol de uma universidade desenvolvimentista. E foi nessa fase mais de centro de sua vida republicana que ele pior sentiu os horrores da supressão das liberdades e do uso da justiça como instrumento de difamação e de repressão.

Em dezembro passado, o estudante de jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, Mateus Bandeira Vargas, defendeu um Trabalho de Conclusão de Curso sobre os impactos da ditadura militar na universidade, publicado em forma de livro sob o título “Dossiê UFSC; as ações da ditadura na Universidade Federal de Santa Catarina”. Nessas pesquisas, Mateus descobriu no Arquivo Público de São Paulo um fichamento político do reitor na Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina, datado de 1981. Segundo a espionagem, Cao apresentava “tendências de esquerda em todas as suas atividades” desde que ingressou no Curso de Direito da UFSC. Registra como atividade suspeita a entrevista feita por Cancellier, já como jornalista de “O Estado”, a Salomão Malina, último secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro antes da cisão que deu origem ao Partido Popular Socialista (PPS), ao qual o reitor passou a pertencer.

O enquadramento repressivo do reitor aparece junto com outros fichamentos, como o do cartunista Sérgio Bonzon, do extinto jornal “O Estado” e membro do conselho editorial do jornal alternativo “Afinal”, também extinto. Consta ainda a delação de Roberto João Motta, advogado e professor da UFSC já falecido, preso em 1975 pela Operação Barriga Verde, que atuou na defesa dos estudantes presos na Novembrada. A lista dos arapongas que vasculharam a vida de milhares de cidadãos brasileiros cita ainda Márcia Denise Jakimiu, na época estudante de Medicina, que segundo a “deduragem”, participou de Congresso da UNE e atuou no movimento grevista de professores universitários. O relatório cita todos como pertencentes ao Partido Comunista Brasileiro e traz anexadas também fotos dos caguetados em reuniões e manifestações públicas, tiradas por agentes dos órgãos de segurança.

Em trabalho de conclusão de curso, o estudante de jornalismo Mateus Bandeira Vargas mostra os impactos da ditadura na UFSC

Como mostra o livro, as delações não param por aí: um braço do SNI dentro da universidade atuava também na perseguição de estudantes, professores e servidores que participavam de movimentos sociais. Conta Mateus, no capítulo referente à presença de Prestes na UFSC:

“Em maio de 1983, Luiz Carlos Prestes participou de cerimônia na UFSC pelo centenário de Karl Marx. Os passos do gaúcho que cruzou o país com a sua coluna contra a República Velha foram acompanhados por órgãos de segurança e informações na capital catarinense. O diretor da ASI/UFSC, José Antônio Ceccato ficou responsável pela transcrição da palestra e por identificar militantes em fotos. Entre os apontados, está Luis Carlos Cancellier, atual reitor da universidade, à época ligado ao movimento estudantil e PCB”.

A pesquisa do estudante mostra que mesmo depois da abertura, os órgãos de informação continuaram alcaguetando a vida política dos membros da universidade com interesses escusos. Esses fichamentos eventualmente serviam para efetuar demissões ou prejudicar os denunciados em concursos, nomeações, processos judiciais, conforme tem analisado a Comissão da Verdade e Memória da UFSC com farta documentação e testemunhos.

Como exemplo análogo dos antigos fichários dos porões da ditadura, forjados com dinheiro público, o linchamento moral que vitimou o reitor tem sido usado como estratégia moderna de terrorismo de Estado para arruinar a reputação dos que estão à frente de instituições públicas. Através de um conluio entre a mídia, justiça e aparatos de repressão, esses ataques têm como alvo principalmente os organismos que representam a garantia de direitos essenciais de cidadania, como saúde, assistência social, educação, energia. Sobretudo as universidades públicas que primam por sua independência crítica e autonomia, garantida pelo artigo 207 da Constituição Federal, tem sido achacadas pelo estado policialesco que ganhou força com o golpe de 2016.

O link para baixar o arquivo confidencial completo do SNI com todos os fichamentos.
https://we.tl/1Djrny8RH1 #MemoriaEverdade #DitaduraNuncaMais

Fotos: Celso Martins (reitor quando jovem); Agecom\UFSC (Cerimônias de velório e enterro)

No Jardim da Paz, as homenagens consternadas que o reitor já não podia receber

 

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