Eu Sou A Próxima: como morrem as mulheres lésbicas no Brasil

Por Martha Raquel Rodrigues e Marina Azambuja

Mulher preta, periférica, mãe e lésbica que não performava feminilidade – que não era feminina. Luana Barbosa era moradora da periferia de Ribeirão Preto, tinha 34 anos e seu assassinado foi o estopim para a criação de um grupo de mulheres em São Paulo. Em memória de todas as mulheres pretas e lésbicas mortas, a Coletiva Luana Barbosa se organiza realizando debates e atividades que discutam as especificidades de quem sofre racismo, lesbofobia e misoginia.

Em repúdio ao preconceito cotidiano da sociedade brasileira, nove jovens paulistanas produziram o documentário “Eu sou a Próxima”, que narra em primeira pessoa o ataque lesbofóbico contra algumas mulheres que morreram em 2016. Os fortes depoimentos também denunciam a negligência do Estado e da mídia que não se manifestam em defesa dessas vítimas, mas que adultera os fatos, colocando-as como culpadas de sua própria morte. O curta de aproximadamente 30 minutos foi lançado no dia 13 de abril de 2017, um ano após a morte de Luana Barbosa, no espaço Ação Educativa, em São Paulo.

“…nosso orçamento foi muita força de vontade, alguns pacotes de macarrão, molho de tomate e nenhum dinheiro.”

Qualquer mulher lésbica pode ser a próxima

A estréia contou com fortes declarações de violência do público presente. “Se você quer ser tratada como uma mulher, se vista como uma”, disse uma mulher ao relembrar o comportamento de um Policial Militar enquanto a revistava na frente de sua casa. “Hoje tenho uma cicatriz e essa marca será cobrada”, disse uma menina que se levantou para contar sobre a marca de uma mordida que sofreu no seio enquanto defendia sua namorada da intolerância machista na rua.

O grupo Levante Mulher, numa intervenção artística, cantou e representou a relação vivida por duas mulheres, destacando o preconceito e a violência sofrida por quem se recusa esconder o amor.

Nenhuma Luana a menos

Luana Barbosa dos Reis Santos foi espancada por três policiais militares, Douglas Luiz de Paula, Fábio Donizeti Pultz e André Donizeti Camilo. Enquanto levava o filho até a escola de informática, Luana e o garoto pararam em um bar, no mesmo bairro onde moravam, para cumprimentar alguns amigos. De repente, os três policiais desceram de uma viatura, revistaram Luana e, de maneira truculenta, a imobilizaram e despiram sua blusa. Ao perceber que seus direitos estavam sendo violados, a vítima disse que seria revistada, mas com a condição que fossem policiais femininas. A resposta veio em seguida: pancadas com o cassetete, chutes e socos machucaram o corpo e as ameaças de ter a família massacrada, inclusive seu filho, perturbaram a mente da jovem mãe preta, lésbica e periférica. O episódio cruel foi presenciado por toda a comunidade e por seus familiares que, desesperadamente, imploravam para que Luana fosse liberada, enquanto um PM atirava para o alto e a acusava de agressão.

Logo após a pancadaria, Luana foi levada para a Delegacia ao invés de um Pronto Socorro. Os hematomas que marcaram o rosto da vítima a acompanharam até o dia de sua morte – 5 dias depois. Quando finalmente conseguiu chegar ao Hospital, Luana foi tratada como a agressora da situação e não recebeu o atendimento médico digno durante que ficou internada na UTI. As  profundas lesões a levaram a morte por Esquemia Cerebral ocasionada pelo Traumatismo Craniano Encefálico que sofreu durante o espancamento.

Lesbofobia

As violências sofridas por mulheres lésbicas recebem o nome de Lesbofobia porque caracterizam a junção das violências sofridas por gênero e sexualidade. No Brasil não há nenhum levantamento sobre crimes lesbofobicos, primeiro porque não há uma diferenciação entre lesbofobia e homofobia, e segundo porque não existe uma tipificação para crimes de violência por sexualidade – estes crimes são tratados por “crime de ódio”.

Feminicídio e Racismo

Enquanto o índice de feminicídio diminuiu 9,8% entre as mulheres brancas em 10 anos, o de mulheres negras teve o incremento expressivo de 54,2%. Em 2003 foram 1.864 feminicídios de mulheres negras, 2.875, em 2013. Os dados são do Mapa da Violência 2015, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). Jurema Werneck, integrante da ONG Criola, médica e Doutora em Comunicação e Cultura pontua “Na morte a gente se iguala, mulher negra morta e mulher branca são iguaizinhas. Mas os processos são diferentes, o tamanho do desvalor que uma mulher negra experimenta, nenhuma mulher branca experimenta. As políticas não foram feitas de acordo com as nossas necessidades, os processos de prevenção e reparação não são iguais. Então, tirando o fato de estarmos iguais quando somos um corpo morto, em todo o resto é diferente.”

Segundo o balanço do Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher de 2015, 58,86% das mulheres vítimas de violência doméstica são negras. O Caderno de Saúde Pública da Fiocruz de 2014 revela que mulheres negras são 65,9 % das vítimas de violência obstétrica e chegam a 53,6 das vítimas de mortalidade materna, segundo o Ministério da Saúde (2015). Mulheres negras têm duas vezes mais chances de serem assassinadas do que mulheres brancas e chegam a representar 68,8% das mulheres mortas por agressão, segundo o Ministério da Justiça (2015). Dados do Dossiê da Mulher RJ (isp/2015) também mostram que 56,8% das vítimas de estupros registrados no estado do Rio de Janeiro são mulheres negras.

PING-PONG: COLETIVA LUANA BARBOSA

Como surgiu a Coletiva?

A Coletiva Luana Barbosa nasceu de um Grupo de Trabalho (GT das Pretas) da Caminhada de mulheres Lésbicas e Bissexuais de São Paulo em 2016. Também em Abril de 2016 ocorreu a morte de Luana Barbosa dos Reis (negra, lésbica, periférica e mãe) nos deixando muito chocadas e sentidas. Após o acontecimento da caminhada decidimos formar uma coletiva por termos afinidades e semelhanças nas nossas vivências. Temos em comum a garra e a vontade de lutar, durante o processo de construção da caminhada realizamos atividades que aconteciam simultaneamente as ações promovidas pelo organizativo. Para que a Luana nunca seja esquecida demos o nome dela a Coletiva. Somos em nove mulheres, sendo 8 lésbicas e 1 bissexual. Todas negras e/ou indígenas. Todas periféricas e duas Mães. A coletiva realiza rodas de conversas temáticas sobre os mais diversos assuntos, tais como: relacionamento abusivos violência contra a mulher, redução de danos, solidão da mulher negra, saúde da mulher LB, etc, assim como outras atividades e todas possuem espaço para as crianças. O assunto se dá de acordo com a necessidade e demanda que vai surgindo. Produzimos uma festa chamada Sarrada no Brejo, que inicialmente foi uma proposta pensada para a caminhada. Atualmente a festa acontece apenas na grande São Paulo mas devido ao grande número de manas que se deslocam do interior, de outros estados e também pelos pedidos recebidos em nossa página, estamos sondando possibilidades de produzirmos a festa em outros estados, algumas negociações já estão sendo feitas para essa demanda. O ponto alto de nossos eventos é a Creche, essa ação proporciona que as mamães que frequentem tanto as festas quanto as outras atividades.

Fundadoras da Coletiva Luana Barbosa (arquivo pessoal)

Como surgiu a ideia do documentário? Quanto tempo levou pra ser feito?

No final de 2016, fizemos um levantamento de quantas mulheres foram assassinadas ou sofreram agressões devido a lesbofobia e sempre nos questionamos como nós, lésbicas, e nossas urgências são invisibilizadas inclusive no meio GBT. Como não queríamos que estas mortes caíssem no esquecimento, neste um ano de convivências, ouvindo outras mulheres nas nossas atividades, percebemos o quanto precisamos falar sobre lesbofobia em todos os espaços, e pensamos em fazer uma campanha na internet com vídeos curtos denunciando a Lesbofobia e suas consequência, quebrar o silêncio desta violência tão naturalizada. Mas quando vivos ele se tornou um documentário baseado principalmente em nossas vivências nossas dores e nossas pesquisas.  Durante estas pesquisas percebemos como não existem muitos registros da história da luta de mulheres lésbicas e esta constatação nos deu coragem para transformar uma simples ideia de conscientização em uma memória contundente, denunciando de forma realista a Lesbofobia e que nós lésbicas existimos e não queremos que mais nenhuma de nós morra. Tudo foi gravado em primeira pessoa.

Quantas pessoas estiveram envolvidas?

As pessoas envolvidas na produção deste documentário somos nós, da Coletiva Luana Barbosa, e a Fotógrafa e futura cineasta, Taynara Bruni, mulher negra lésbica. Sem a colaboração dela na parte técnica – como captar as imagens e editar – não seria possível tirar este sonho do papel. O roteiro e todo o trabalho se deu de forma colaborativa e nosso orçamento foi muita força de vontade, alguns pacotes de macarrão, molho de tomate e nenhum dinheiro.

O documentário estará disponível na internet?

Queremos mostrar o documentário e sentir de perto as reações a ele. Por enquanto esse é o plano. Além do lançamento do dia 13, no dia 15 o documentário foi exibido um evento Lésbofeminista no Rio de Janeiro.

 

 

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