Espiritualidade de encontros humanizadores

Lançamento do 62º livro do padre monge Marcelo Barros, intitulado Os Segredos do Nosso Encanto - Divulgação

Por frei Gilvander Moreira¹

Na antessala do Natal de 2023, por muitos motivos, temos necessidade de espiritualidade de encontros  humanizadores, pois desencontros desumanizadores estão acontecendo em uma espiral geométrica e estilhaçando a nossa humanidade cada vez mais em perigo. A tentação para desistir da humanidade está assediando muita gente.

Lamentavelmente estamos em contexto de sociedade capitalista com idolatria do mercado não apenas oprimindo e explorando, mas super explorando as pessoas das classes trabalhadora e camponesa, e encurralando a humanidade no desfiladeiro das mudanças climáticas com eventos extremos cada vez mais frequentes e letais, que podem nos levar ao apocalipse real da extinção da espécie humana. O espírito diabólico demolidor do capitalismo está sendo difundido, como vírus letal, inoculado no individualismo, no egocentrismo, na ganância sem fim, e, acima de tudo, no sacrificialismo que a classe dominante, 1% da humanidade endinheirada, faz diariamente para acumular terra, riqueza, capital, poder e ostentar luxo e status, tudo isto à custa de muito sangue humano e da fauna e devastação da mãe-Terra. 

As mentiras – fake news – seguem sendo disseminadas não apenas por políticos de extrema-direita, mas também pela mídia ocidental capitalista que estrila cotidianamente defendendo os interesses das grandes empresas e distorcendo fatos e acontecimentos, tal como a propaganda sionista, segundo a qual “israel” estaria usando seu “direito de autodefesa”, mas a mídia esconde da população que “israel” sionista – outro nazismo – há 76 anos vem fazendo genocídio do Povo Palestino. A mídia caolha coloca o Hamas como bode expiatório para justificar a bestialidade de “israel” que faz a matança do Povo Palestino, entre os quais mais de 12 mil crianças, milhares de mães, uma brutalidade que clama aos céus. 

Neste contexto de brutal injustiça e violência econômica, política, ambiental, agrária e religiosa, que sacrifica no altar do mercado milhões de pessoas e os ecossistemas da mãe-Terra, tornou-se uma necessidade de sobrevivência participarmos de Encontros humanizadores. Tive a alegria de participar de dois destes e quero aqui fazer referência a uma amostra do que vi, ouvi e experimentei nestes dois Encontros.

Dia 14 de dezembro último, participei do Encontro de lançamento do 62º livro do padre monge Marcelo Barros, intitulado Os Segredos do Nosso Encanto, com o subtítulo: O que a fé cristã pode aprender com as espiritualidades indígenas e negras, da Editora Recriar. Dezenas de pessoas portadoras de uma grande pluralidade de espiritualidades se encontraram no Centro Espírita São Sebastião (N’inzo Tabaladê Ria N’kosi), em Belo Horizonte, MG. Fomos amorosamente acolhidos/as na Casa de Umbanda do Pai Guaraci. Ao som de tambores, ouvimos uma companheira contar a história da comida mais deliciosa e da pior comida. Porém, para surpresa de todos/as, as duas comidas foram feitas com língua de boi. História para nos ensinar que podemos usar nossa “língua”/corpo para proclamar utopias, convivialidade, amorosidade, convivência ética responsável socialmente, ecologicamente e geracionalmente, com respeito e amor à imensa pluralidade religiosa existente em nosso país, que precisa seguir sendo Estado laico, mas também, às vezes ou muitas vezes, usamos nossa “língua”/corpo para destilar ódio, fundamentalismo, moralismo, homofobia, racismo, mentiras, prepotência, intolerância …, o que violenta a infinita dignidade humano-divina de todas as pessoas, sem exceção. 

Em um diálogo provocado por perguntas que interpelam nossa consciência, Marcelo Barros foi refletindo conosco a partir da sua profunda e histórica convivência com pessoas das mais variadas espiritualidades indígenas e de matriz africana. O chamado ao reconhecimento de que no passado a Religião Cristã invadiu as Américas, a tiracolo dos poderes políticos e econômicos, mandando os Povos Originários fecharem os olhos para receber o batismo para “salvar suas almas” e, ao abrir os olhos, estarrecidos, os indígenas perceberam que estavam com a Bíblia nas mãos, mas que a mãe-Terra lhes tinha sido expropriada.

No livro Os Segredos do nosso Encanto, Marcelo Barros propõe abrirmos os olhos para, com humildade e espírito de abertura, reconhecermos e acolhermos as maravilhosas espiritualidades ancestrais dos Povos Indígenas e dos Povos Negros escravizados aos milhões no Brasil. Neste Encontro humanizador, duas horas se passaram ‘num piscar de olhos’, pois um espírito de vida e de libertação integral irradiava e circulava ali. Se você sente necessidade de participar de um Encontro humanizador, sugiro a leitura do livro Os Segredos do Nosso Encanto. E entre na roda da vida das pessoas humanistas que fazem bem à humanidade e à mãe-Terra com todos seus filhos e filhas.

Participei de outro Encontro humanizador que aconteceu também em Belo Horizonte dia 16 de dezembro último (2023), na sede da Igreja Comuna do Reino, onde realizamos o I Seminário de Fé, Clima e Cidadania. Após a partilha de um café na acolhida, dezenas de pessoas desigrejadas, da “Comunidade Êxodo”, porque cansadas de serem discriminadas e até excluídas literalmente de igrejas fundamentalistas e moralistas, se irmanaram na Comuna do Reino, sob a liderança do pastor Fillipe Gibran, para saborear as belezas éticas e espirituais inspiradoras socializadas conosco por vários/as palestrantes. 

Por Fé entendemos uma postura existencial de enfrentar a vida de cabeça erguida, olhar utópico e com mãos à obra, porque um mistério de infinito amor nos envolve. O Clima está clamando socorro e esfregando na nossa cara que a mãe-Terra está sendo torturada pela ganância brutal das mineradoras, do agronegócio, dos capitalistas que movem uma máquina de moer vidas. Cidadania não é apenas participar da cidade, das relações humanas, mas exercer cidadania, em uma sociedade estruturalmente desigual exige compromisso para construir uma sociedade socialista, para além do sistema do capital que mata de mil formas. 

Ao abordar a trilogia “Fé, Clima e Cidadania”, todas as pessoas, no microfone, partiram de suas experiências pessoais buscando libertação integral. As reflexões foram permeadas por uma série de perguntas provocadoras que nos inquietaram e nos chacoalharam, porque iam à raiz dos problemas, das injustiças e das violências que se reproduzem todos os dias no nosso querido país. De fato, uma pergunta bem feita traz consigo 70% da resposta e faz parir ideias inspiradoras. Mil vezes melhor perguntar para provocar a reflexão do que responder tentando fechar uma questão e impondo postura fundamentalista e moralista. 

Eis uma série de perguntas que foram feitas no Encontro humanizador sobre “Fé, Clima e Cidadania” e que continuam acesas em nós: “Quantas mulheres assediadas nas igrejas e que são forçadas ao silêncio para não serem expulsas da igreja ou de casa ou do trabalho?” “Qual é o Deus que a gente segue e serve?” “De onde você tira sua ideia sobre Deus?” Quais as pré-compreensões que definem sua opção religiosa?” “Se a tradição bíblica cristã reconhece e valoriza Povos Ancestrais como as comunidades de Abraão, Sara, Isaac, Jacó, por que certas igrejas e pessoas que se dizem cristãs têm dificuldade de reconhecer a maravilha da espiritualidade ancestral dos povos indígenas e dos povos de religiões de matriz africana?” “É correto pensar que os “meus ancestrais” têm valor, mas “os ancestrais dos outros” não têm valor?” “O que é verdade?” “Eu sou a verdade?” “A verdade conta com o corpo nosso?” “Quantas mulheres divorciadas dentro das igrejas são silenciadas porque renunciaram a um lar de violência?” “Quantas mulheres são violentadas todos os dias?” “Quem são as mulheres aqui neste espaço?” “A gente se interessa pelas mulheres que estão ao nosso lado?” “Quantas são as mulheres negras nos espaços que frequentam?” “Quais são as mulheres que passaram pela sua vida?” “Elas são reconhecidas por você?” “O lugar das mulheres é o lugar do cuidado?” “Quem impôs isto?” “Quantos aqui foram cuidados na 1ª e 2ª infância por mulheres?” “Quantos foram cuidados por homens?” “Eu me acostumei com o cuidado feminino?” “Onde você frequenta quantas são as mulheres cuidando dos espaços?” “E quantas são mulheres negras, LGBTQIA+?” “Você viu a sua mãe descansar durante sua infância?” “E você que é mãe, você descansa?” “Se não formos nós a lutar e resistir diante das injustiças e violências, quem será?” “Você nasceu em qual bioma? No Cerrado, na Caatinga, nos Pampas, na Amazônia, na Mata Atlântica, no Pantanal?” “Você é filho de qual bacia hidrográfica?” “Quantas vezes na sua igreja você ouvir o pastor ou o padre falando sobre meio ambiente, mãe-Terra, mudanças climáticas, eventos extremos?  

Enfim, a nossa humanidade carrega ancestralidade. Muitos/as vieram antes de nós. Reconheçamos as mulheres que já passaram na nossa vida e as que sustentam sua vida. Em pleno dezembro, intuo que refletir sobre estas questões pode irradiar Espiritualidade de Encontros humanizadores. Desde já, um feliz e sublime tempo de natal e de virada de ano. Tempo de sermos presente (presença) do Deus da vida no nosso relacionamento interpessoal, familiar, comunitário, social e ecológico. Que sejamos expressão da luz e da força divina que irradia amor, justiça e paz!

19/12/2023

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Marcelo Barros: Livro OS SEGREDOS DO NOSSO ENCANTO – fé cristã e espiritualidades indígenas e negras

2 – Seminário de Fé, Clima e Cidadania na Igreja Comuna do Reino, em Belo Horizonte, MG, dia 16/12/23: Encontro humanizador!

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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