Espaços culturais fecham no Distrito Federal

Espaços culturais fecham no Distrito Federal, e a culpa não é da Covid. Em várias cidades do Distrito Federal as associações culturais, teatros e cinemas estão em situação degradante graças ao descaso público. Nesse texto focamos na situação do Gama.

“Não tem cinema em uma cidade com mais de 70 mil habitantes, o governo prefere prefere fazer um museu da Bíblia, ou fazer praças da Bíblia (que temos aqui no Gama), do que consertar o cine Itapuã ou ajudar as associações que trabalham a arte nas nossas comunidades, como nós.” – Nos explicou o diretor do Espaço Semente Cultural, roubado no dia nove de abril. 

Essa associação, que existe desde 2007 no Gama, atendia cerca de duas mil pessoas gratuitamente antes de fecharem as portas graças ao COVID 19. Entre outras, eles tinham oficinas de leitura, de percussão, poesia, e até cursinho pré-vestibular gratuito, atendimento psicológico. O espaço também era utilizado para shows, saraus, vídeo-clubes, além de apresentações de teatro.

Foto da peça Alvo, dirigida por Ricardo César. Crédito: Ogan Luiz Alves

Para cada espetáculo, trabalham durante um ano e meio, e adaptam os clássicos à realidade específica que vivem, atualmente Valdeci Moreira de Souza e seu colega Ricardo César, que também é professor de teatro na rede pública, estão montando Sertão Veredas, mesmo tendo que ensaiar à distância. O objetivo é lançar a peça em julho de 2022. 

No entanto, não tem certeza se os espaços culturais estarão abertos ano que vem para lançar a peça: para começar, precisam renovar o espaço a cada ano, o que faz com que não possam ter metas a longo prazo, já que podem perder o espaço caso a administração decida que aquele espaço deve ser utilizado com outro fim. 

Enquanto isso, o governo estadual concede descontos na aquisição de imóveis para a classe empresarial por meio do Programa de Apoio ao Empreendimento Produtivo do Distrito Federal (Pró-DF II). De acordo com a Agência Brasília, a última entrega foi em janeiro. 

Em segundo lugar, como não podem ensaiar presencialmente, o espaço está fechado, e como no caso do Espaço Imaginário (presente em Samambaia), a administração não paga por seguranças para o espaço, o que faz com que fiquem fragilizados, abertos a roubos. 

No roubo do dia nove abril levaram a mesa de luz e som, além de quebrarem duas grades, cinco fechaduras e quatorze cadeados. O espaço, que é próximo da rodoviária do Gama e ao lado de uma antiga Superintendência do Trabalho, cujo local foi ocupado por pessoas em situação de rua, está em risco. O custo para consertar tudo foi de cerca de 1500 reais, mas caso também coloquemos o preço dos equipamentos roubados, será cerca de 5000 reais. 

Após arrebentarem a grade, foi necessário soldá-la.

Eles também já foram palco para o Festival do Cine Brasília em 2018 e ganharam o prêmio SESC do Teatro Candango por sua peça “Espaço Infinito” (2013), por melhor direção e melhor iluminação.           

O Gama é uma cidade conhecida no Distrito Federal por sua atividade artística, mas os espaços públicos estão degradados, as instituições públicas responsáveis por eles não estão cuidando desses espaços como deveriam: não apenas o cinema Itapuã, que foi o segundo inaugurado em Brasília, mas outros espaços culturais como Galpãozinho e Antiteatro do Bezerrão se encontram em uma situação crítica. 

No Galpãozinho tínhamos festivais de rock hardcore, metal e punk que eram reconhecidos até internacionalmente, como o festival  Face do Chaos, e bandas reconhecidas nos âmbitos nacional e internacional se apresentaram: ARD (que nasceu no Gama há 25 anos) e Besthoven no nível nacional, Força Macabra (em 2006), banda finlandesa, See You in Hell, da República Tcheca (em 2007), e Civil Olydnad, da Suécia. 

O telhado não tem forro, está cheio de goteiras, é inadequado para uso. O terceiro espaço é o anfiteatro Bezerrão, que fica no anexo do estádio construído para a Copa (conhecido popularmente como estádio Bezerrão), e que também está deteriorado pela falta de cuidados. 

Cinema Itapuã, segundo cinema construído no Distrito Federal, um dos importantes espaços culturais da região. Crédito: Ogan Luiz Alves

O maior teatro em funcionamento no Gama não é público, é o teatro do SESC, do sistema S, e antes do COVID cobrava duzentos reais para cada noite de apresentação, o que é insustentável para pequenos grupos. Assim, o acesso democrático à cultura (tanto ao ato de se produzir cultura quanto de se consumir), está sendo inviabilizado por aqueles que deveriam garantir o seu acesso, ou seja, a administração regional do Gama e o governo distrital. 

O Gama não é a única cidade satélite a enfrentar o descaso das autoridades em relação à cultura: em São Sebastião a Casa Frida, que servia tanto como polo de acolhimento para mulheres em situação de violência quanto como espaço aberto às expressões artísticas da comunidade, fechou. Em Samambaia, o Espaço Imaginário já foi assaltado duas vezes só esse ano, em Santa Maria o Espaço Moinho de Vento fechou ano passado, após ser roubado.

Para Valdeci, mesmo os teatros das escolas não estão sendo mais usados para o fim com o qual foram criados, ou seja, fazer arte, e sim para grupos protestantes durante os finais de semana. O ambiente escolar deveria ser laico. 

Simone Miranda, professora dele na escola, ao apresentar o teatro a Valdeci, “me transformou enquanto homem preto e periférico, fiz graduação e mestrado na UnB em artes cênicas, atualmente faço doutorado na UDESC sobre transformação cidadã através da arte”. 

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