“Escola Sem Partido” e a falsa neutralidade

Composição de imagem de crianças de Hélio Carlos Mello/Jornalistas Livres e imagem Valter Campanato/ Agência Brasil/fotospublicas.com, de 04/06/2014- Sessão plenária do senado, para discutir a lei da Palmada. Na foto, Enzo neto do presidente Renan, e discursando o senador Magno Malta.

Nestes tempos de novilíngua, em que a imprensa corporativa chama de democracia o que é apenas a negação do voto popular, não é de espantar o apoio que vem conseguindo entre alguns articulistas de direita o projeto de lei auto-denominado “Escola Sem Partido”, de autoria do senador Magno Malta (PR-ES).

Como se a obra nada devesse ao autor, um desses articulistas, de nome Vinicius Mota, teve a ousadia de dizer, na “Folha de S.Paulo” (8/8), que “os principais argumentos do ‘Escola Sem Partido’ estão ancorados em valores constitucionais e ideológicos de extração iluminista.”

Nem em arrebatamento e êxtase, o senador Magno Malta imaginaria tal despautério. Mas explica-se: a pena que transformou Malta em iluminista é a mesma que defendeu, em editorial da “Folha” publicado em 17/2/ 2009, que o Brasil viveu sob uma Ditabranda (não uma Ditadura), entre os anos 1964 e 1985. Que o diga Vladimir Herzog!

Pastor evangélico, político e cantor, Malta lidera o violentíssimo lobby fundamentalista religioso em ação no Congresso Brasileiro. Contrário à união civil de homossexuais, é dele a tresloucada idéia de que “querem fazer do Brasil um império homossexual”. Obcecado, aliás, pela questão homoafetiva, ele opôs-se a um projeto de lei que criminalizaria atos “homofóbicos” e discriminatórios contra homossexuais.

“Se aprovarmos um projeto desses, de você ser criminoso por não aceitar a

opção sexual de alguém, é como se você estivesse legalizando a pedofilia, o

sadomasoquismo, a bestialidade”.

Iluminista…

Veja o que a lei da “Escola Sem Partido” prevê, caso seja aprovada…

“Art. 3º. As instituições de educação básica afixarão nas salas de aula e nas salas dos professores cartazes com o conteúdo previsto no anexo desta Lei, com, no mínimo, 90 centímetros de altura por 70 centímetros de largura, e fonte com tamanho compatível com as dimensões adotadas.” (…)

Parágrafo único. Para os fins do disposto no caput deste artigo, as escolas deverão apresentar e entregar aos pais ou responsáveis pelos estudantes material informativo que possibilite o pleno conhecimento dos temas ministrados e dos enfoques adotados.”

Então, a coisa vai funcionar assim: os pais receberão informações sobre o conteúdo previsto para as aulas. Pelo projeto de Magno Malta, não se pode falar –olha a obsessão dele aí, gente!!!— em “ideologia ou teoria de gênero”, ou seja, em homossexualidade ou identidade de gênero. Também se assegura “o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções”, ou seja, a escola transforma-se em extensão da família e sua fé (e a educação laica que se exploda).

O mais aterrador é que aqueles pais que discordarem de alguma coisa que o professor venha a falar em sala de aula poderão denunciá-lo ao Ministério da Educação e às Secretarias de Educação, que levarão o docente “infrator” ao Ministério Público que atua nas varas da Infância e Adolescência.

O nome disso é “caça às bruxas”, “censura”, “cala-boca”, “inquisição”, promovidos pelo que, na analogia orwelliana, poderia ser chamado de “Ministério da Liberdade Educacional”.

A proposta instaura mecanismos de delação, opressão, assédio, censura e punição aos profissionais da educação. Estabelece uma gestão autoritária nas escolas, na qual o diálogo entre pais e professores é substituído por um fiscal onipresente nas salas de aulas, exterior à relação professor-aluno. Nesse sentido, a proposta do obscurantista Magno Malta consegue a proeza de ser mais deletéria à escola do que o projeto da Ditadura Militar, consubstanciado nas disciplinas de Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil, matérias que alunos e professores relegavam ao limbo da irrelevância.

Para piorar, a sanha do senador Magno Malta estende-se “às políticas e planos educacionais e aos conteúdos curriculares; aos materiais didáticos e paradidáticos; às avaliações para o ingresso no ensino superior; às provas de concurso para o ingresso na carreira docente; às instituições de ensino superior.”

Em suma, tudo relacionado à atividade escolar estará sob o tacão dos delatores, retirando a autonomia que a escola precisa ter para que sirva à formação de cidadãos críticos e capazes de refundar, se assim quiserem, a suas próprias convicções.

Não é por acaso que o Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo (a Apeoesp) opõe-se ao projeto.

Com a campanha “Cala a boca não! Pela pluralidade de ideias e concepções pedagógicas”, a presidenta da entidade docente, Maria Izabel Azevedo Noronha, a Bebel, quer denunciar a falsa neutralidade do projeto da “Escola sem Partido”:

“Este movimento apela ao senso comum, como forma de ludibriar a sociedade. Se é verdade que nenhum de nós é favorável à ‘partidarização’ do processo educativo, também é verdade que a imposição de um projeto como o da ‘Escola sem Partido’ significará que a liberdade de cátedra do professor, o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, e a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber serão substituídas por uma suposta ‘neutralidade’ que, na prática, significa a imposição de um pensamento único. Como nos ensina Paulo Freire, ‘Não existe educação neutra, toda neutralidade afirmada é uma opção escondida’”.

Assista aqui a entrevista da presidenta da Apeoesp, Maria Izabel Azevedo Noronha, a Bebel, sobre a “Escola Sem Partido”:

 

 

E aqui, você assiste à avaliação do projeto da “Escola Sem Partido”, feita pelo reitor da UFRJ, Roberto Leher, que é professor titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ. Pesquisador da área de políticas públicas em Educação, Leher recebeu no ano passado a medalha Pedro Ernesto, maior comenda da Câmara Municipal do Rio, como homenagem ao seu trabalho como educador.

 

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