Em Uberaba, prefeita festeja Dia das Crianças com exposição que ensina a usar armas

Menino brinca com bombas e armas do polícia e do Exército
Menino brinca com bombas e armas do polícia e do Exército

Poderia ter sido um alegre feriado, cheio de sol, na Praça da Mogiana, em Uberaba (MG), onde as crianças apenas brincassem com as famílias. Mas a Prefeitura da cidade de mais de 340 mil habitantes celebrou o Dia das Crianças com uma inusitada festa, que incluiu exposição de armas pesadas, metralhadoras, rifles, carabinas, granadas, algemas e outros equipamentos de morte. Não faltaram explicações de manuseio, prova de coletes balísticos por meninas e meninos e até advertências. No estande, enquanto uma criança manuseava uma bomba de gás lacrimogêneo, o policial responsável avisou: “Se puxar o pino, acaba com a festa toda!”

O evento foi organizado pela prefeita Elisa Araújo (Solidariedade), a primeira mulher eleita para o cargo na cidade de hábitos tradicionais, que tem 202 anos de fundação. Araújo é admiradora do presidente Jair Bolsonaro e tem feito campanha no município e no Triangulo Mineiro pela reeleição do presidente. Suas redes sociais estão repletas de mensagens em apoio ao “mito” e de pedido de votos aos seguidores. Nesta quarta, mirou nas crianças.

Expôr crianças ao risco, introduzir meninos e meninas no universo bélico é infringir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que protege a infância inclusive de doutrinações ideológicas – caso da festa de Uberaba. Uma das principais políticas de Bolsonaro é armamentista. O presidente nunca escondeu seu desejo de armar a população para protegê-lo de um golpe que, eventualmente, viesse a sofrer. Delírio verbalizado até em falas públicas. Desde a sua chegada ao Palácio do Planalto, em janeiro de 2019, tomou dezenas de medidas que flexibilizaram a compra de armas e munições, o registro, o porte e o uso por civis. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública indica que mais de 6,3 mil assassinatos poderiam ter sido evitados no país se a gestão de Jair Messias não tivesse impulsionado a comercialização.

Bolsonaro também tem como bandeira o incentivo à criação de clubes de tiros – o que ocorreu em diferentes localidades durante o seu governo. Nas contas do Exército, o país tem 2061 clubes em funcionamento, quase a metade deles – 1006 – foram inaugurados entre 2019 e maio deste ano. O bolsonarismo fortalece os Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) e, por consequência, permite que revólveres, espingardas e pistolas de particulares acabem caindo, direta ou indiretamente, nas mãos de milicianos. O número de armas protocoladas pelos CACs triplicou em menos de 4 anos. Em 2018, era de 350,6 mil, agora ultrapassa a marca de 1 milhão.

Prefeita Elisa Araújo: promoção de festa com armas para reduzir a sensação de insegurança das crianças

Preparando apreciadores e atiradores

À imprensa, a prefeita Elisa Araújo explicou, por meio de sua Secretaria de Comunicação, as inspirações da festa temática que promoveu. Para a prefeitura, foi uma “demonstração das forças de segurança, para reduzir a sensação de insegurança da população”; “Não houve acesso às armas. O que houve foi uma exposição de defesa em que as crianças, acompanhadas dos pais, puderam ver”. Como correram pelas redes sociais fotos e vídeos de crianças tocando os equipamentos, brincando com eles, a secretaria admitiu que podem ter ocorrido “alguns exageros”, e que eles serão investigados.

        A Praça da Mogiana, tombada como patrimônio histórico, era vista em completo descuido, sob mato alto, com uma locomotiva antiga em decomposição e lâmpadas dos postes quebradas – o que degradava o visual e afastava as famílias. Ela foi revigorada e, nesta quarta, estava ainda mais valorizada, tomada por crianças que dividiam o olhar entre o arsenal bélico e os brinquedos colocados para a comemoração. Havia educadores físicos para apoiar as atividades e também agentes da Polícia Federal, Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Penal, Guarda Civil Municipal, do Corpo de Bombeiros e Exército Brasileiro. Na redondeza, inúmeras viaturas faziam barulho demonstrando potência.

Segundo a prefeitura, anualmente é promovido nesta data o evento “Tempo de Brincar”. A gestão de Elisa afirmou que as forças de segurança pública “solicitaram a participação com o propósito de afastar o medo, culturalmente imposto nas crianças sobre as forças de segurança, e promover uma aproximação destas com a comunidade”.

Pedagogia bolsonarista

A Polícia Militar garantiu que o armamento estava inerte, sem munição e não oferecia risco à vida das pessoas. Mas a mensagem que o evento Tempo de Brincar parece deixar para as crianças é que as armas precisam estar na rotina da infância, ocupar as praças e as conversas das famílias.

A pedagogia bolsonarista incomodou mães, pais, avós que estiveram na Mogiana e chamou a atenção do deputado federal Rogério Correa (PT-MG). Nem bem a festa terminou, ele entrou com representação e notícia-crime contra Elisa Araújo, pedindo explicação em caráter de urgência. No requerimento ao procurador-geral Jarbas Soares Júnior, o parlamentar elencou:

1)Sejam requeridas, com urgência, explicações oficiais por parte do município e da prefeita sobre as razões que levaram à escolha deste tipo de atividade.

2) Após, que o Ministério Público estadual, por meio da Promotoria de Infância e Adolescência de Uberaba, tome as medidas que julgar cabíveis.

3) Que os autos sejam remetidos à Promotoria Eleitoral de Uberaba e ao Tribunal Superior Eleitoral, a fim de examinar eventual ato irregular de propaganda eleitoral e/ou abuso de poder político.

4) A abertura de procedimento investigatório criminal com vistas a apurar as condutas perpetradas pelos Representados e, ao final, a propositura da ação penal cabível.

Rogério Correa lembra que, segundo o ECA, é dever de todos “velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.

Além disso, a Constituição estabelece como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, “o direito à vida e de estar a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Informações que a prefeita parece desconhecer. Assim também como não deve ter se dado conta do Estatuto do Desarmamento, que prevê pena de prisão, de 3 a 6 anos, para quem vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente.

Minas Gerais –  onde o governador Romeu Zema (Novo) foi reeleito com folga no primeiro turno, e agora empenha todas as suas energias no barco de Bolsonaro – é um dos Estados em que o presidente tenta estancar a vantagem de Lula. O petista conquistou 48,29% dos votos, o oponente 43,60%. Na Uberaba de Elisa, seu mito saiu na frente, com 46,96% dos votos válidos, enquanto Lula obteve 44,15%.

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