De dois em dois anos, as eleições das mesas diretoras do Congresso Nacional provocam um tsunami na cena política brasileira. Não poderia ser diferente. É o momento em que os eleitos elegem seus representantes. Não é pouca coisa não. Os sujeitos que são escolhidos por seus pares para comandar o Senado e a Câmara dos Deputados precisam ser bons de política. Não a política da praça, do palanque, das ruas, mas, sim, a política silenciosa, dos sussurros, dos bastidores.
Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia
Em 2 de fevereiro de 2021, foram eleitos o senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG) e o deputado Arthur Lira (PP/AL).
O nome de Pacheco foi relativamente consensual no Senado. Já a vitória de Arthur Lira foi resultado de intensas articulações. Há a percepção geral de que a eleição de Lira significou grande vitória para o presidente Jair Bolsonaro. Que vitória é essa?
Tem, sim, o dedo de Bolsonaro na vitória de Lira. Porém, o copo também está meio vazio para o presidente. Lira é cacique do centrão, filho de político, representa a direita fisiológica e não a direita bolsonarista.
Arthur Lira não é bolsonarista.
Com a vitória de Lira na Câmara dos Deputados, Bolsonaro venceu, principalmente porque derrotou Rodrigo Maia, que até aqui era um de seus principais antagonistas. Mas o bolsonarismo, entendido aqui como ideologia política disruptiva, foi derrotado, foi engolido por aquilo que há de mais sistêmico na política brasileira.
Há uma diferença que não é pequenta entre Jair Bolsonaro, político de baixo clero, e o bolsonarismo, ideologia disruptiva que entende a si mesmo como projeto revolucionário. Entender essa diferença é fundamental.
Antes disso, é importante reconhecer que todo presidente tenta interferir nas eleições das mesas diretoras, que acontecem sempre na metade do mandado presidencial. O resultado dessas eleições é um dos elementos decisivos para o futuro do governo.
Alguns presidentes são mais habilidosos nessa interferências. Outros menos. O leitor mais atento à crônica política nacional certamente lembrará de fevereiro de 2015, da eleição de mesa diretora que deu início ao fim do governo de Dilma Rousseff.
Ela tentou construir o seu candidato, o petista Arlindo Chinaglia, enquanto a Câmara dos Deputados inteira já estava sob o controle de Eduardo Cunha, o rei do baixo clero. Dilma colocou os ovos no cesto furado e perdeu de lavada. Começou a se esgotar ali qualquer possibilidade de negociação. O resulto todos nós sabemos.
Jair Bolsonaro, que já mostrou ter aprendido algo nos quase 30 anos em que foi deputado federal, se mostrou muito mais habilidoso. Usou o poder que tem sobre o orçamento e, literalmente, comprou os deputados com emendas parlamentares. Não foi o primeiro a fazer isso e não será o último. Mas o grande lance de Bolsonaro nem foi exatamente a liberação das emendas parlamentares não.
Bolsonaro não tentou impor um aliado de primeiro plano, não lançou o nome de um Major Vitor Hugo (PSL/GO), de um Daniel Silveira (PSL/RJ), ou de um Carlos Jordi (PSL/RJ). Bolsonaro sequestrou um candidato que já estava forte na disputa, colocou suas digitais nele e gritou para o mundo “esse aqui é o meu”. Se perdesse não perderia sozinho. Como ganhou, venceu junto e tem seu lugar à mesa.
Bolsonaro conseguiu rachar o DEM, seduzindo ACM Neto, presidente da sigla. Tratou-se de erro estratégico grave do político baiano. Nem falo exatamente do erro moral em se aproximar de Bolsonaro. Foi um erro estratégico mesmo. O tema merece texto específico.
Bolsonaro foi pragmático. Entendeu que o futuro de seu governo dependia da derrota de Rodrigo Maia. O objetivo era esse: derrotar Rodrigo Maia e negociar com o vencedor depois. Deu certo, por enquanto.
É um mito achar que o centrão seja de centro. O centrão é de direita, sem dúvida, mas não é da direita bolsonarista. A guerra cultural no Ministério da Educação, a diplomacia aloprada no Itamaraty, os ataques ao ECA e ao estatuto do desarmamento. Nada disso é agenda para o centrão.
Se quiser governar por dentro do sistema, Bolsonaro terá que abandonar de vez o projeto bolsonarista. Assim, termina o mandato, mas perde a identidade ideológica que lhe tirou do esgoto da Câmara dos Deputados para alçá-lo ao Palácio do Planalto.
Se insistir na radicalizaçao ideológica, atrapalhará os negócios do centrão, e a história mostra que isso é pecado imperdoável. Dilma Rousseff que o diga.
Existe, ainda, uma terceira possibilidade: se acomodar ao sistema enquanto investe na organização de sua base, principalmente junto às Polícias Militares. Aí, no dia em que as forças bolsonaristas estiverem prontas para a ruptura, a direita fisiológica se arrependerá profundamente por ter pensando apenas no curto prazo, por ter apostado que seria possível controlar o fascismo.
A ver.
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