Eleição presidencial pode atacar brutalmente a ciência brasileira

Mulheres marcham contra o candidato da extrema direita Bolsonaro no Brasil - Crédito: Picture Alliance / Avalon.red

Um dos dois principais candidatos propôs a eliminação do ministério de ciência do país, enquanto o outro procuraria aumentar o financiamento da pesquisa.

por Jeff Tollefson para a revista Nature

Uma subida da onda populista de um candidato presidencial de direita no Brasil, que está ameaçando subverter a política do país, pode ter enormes impactos nos orçamentos de pesquisa e nas políticas ambientais.

Jair Bolsonaro, polêmico ex-oficial militar frequentemente apelidado de “Trump Tropical”, delineou planos que enfraqueceriam as proteções ambientais e eliminariam o ministério da ciência. Ele atualmente tem uma pequena vantagem nas pesquisas para a primeira rodada de votação nas eleições presidenciais do país, marcada para 7 de outubro. [Esse artigo foi publicado antes de Bolsonaro ter obtido 46% dos votos no primeiro turno da eleição presidencial no Brasil]

Anos de problemas econômicos e escândalos de corrupção servem de pano de fundo para a eleição. O orçamento federal de ciência do Brasil vem caindo drasticamente há quase uma década e os políticos pró-indústria estão lentamente desmantelando as regulamentações ambientais do país. Mas os dois principais candidatos presidenciais ofereceram visões muito diferentes para abordar essas questões, deixando os cientistas em situação perigosa.

Bolsonaro é um dos 13 candidatos. Nenhum deles é provável que obtenha a maioria dos votos em 7 de outubro, então os dois candidatos com o maior número de votos irão para o um segundo turno no final deste mês.

As últimas pesquisas sugerem que Bolsonaro – cuja candidata à vice-presidência levantou o espectro da intervenção militar para lidar com a disfunção política – enfrentaria Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo. Haddad é o candidato que substitui o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio “Lula” da Silva, um líder popular do esquerdista Partido dos Trabalhadores, que foi impedido de concorrer à presidência porque atualmente está preso por acusações de corrupção.

Maioria silenciosa

Bolsonaro, um político do Rio de Janeiro, na câmara baixa do Congresso do Brasil, frequentemente vota com a bancada ruralista conservadora, que está buscando ativamente enfraquecer as regulamentações ambientais. Ele propôs tirar o Brasil do acordo climático de Paris em 2015 e eliminar os ministérios de ciência e meio ambiente, reorganizando-os sob o ministério da agricultura, pecuária e abastecimento.

Na região amazônica, segundo os cientistas, Bolsonaro está buscando promover a expansão agrícola e industrial em detrimento das proteções ambientais e dos direitos das comunidades indígenas.

A mensagem para a indústria e a agricultura parece ser que uma administração Bolsonaro permitiria que eles fizessem o que quisessem na Amazônia, diz Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, uma rede de 37 grupos focados na política climática de São Paulo. Se ele vencesse, seria “um pesadelo”.

Bolsonaro já foi considerado um candidato com pouca chance de sucesso. Até recentemente, ele perdia para a maioria dos outros principais candidatos em pesquisas de um contra um, analisando um possível segundo turno no final deste mês. Os últimos resultados das pesquisas do segundo turno, no entanto, mostram Bolsonaro e Haddad empatados em uma disputa entre os dois.

“As pessoas dizem que Bolsonaro não tem chance, mas vai saber”, diz Carlos Nobre, especialistas em clima e ex-secretário de pesquisa e desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil. “Estou realmente com medo de que haja uma maioria silenciosa no Brasil, que sabe para que lado eles estão se inclinando.”

Impulsionando a ciência

Haddad, por outro lado, tem uma visão mais geral para o Brasil que enfatiza a ciência, a inovação e a ação sobre as políticas climáticas e ambientais. Ele prometeu promover energias renováveis, como eólica e solar, enquanto combate o desmatamento e mantém proteções para territórios indígenas na Amazônia.

E, ao contrário de Bolsonaro, que pediu mais pesquisa e desenvolvimento do setor privado, Haddad se comprometeu a aumentar os gastos federais em ciência. Ele propôs aumentar o investimento nacional em pesquisa e desenvolvimento para 2% do produto interno bruto do Brasil, usando uma combinação de financiamento governamental e privado. Isso traria os gastos científicos do país para nível semelhante ao de muitos países industrializados.

Não está claro como são possíveis essas metas de gastos. Uma dificuldade é que, no final de 2016, o Brasil adotou uma emenda constitucional que limita os investimentos do governo por 20 anos somente ao ajuste da inflação.

Qualquer política que reconheça e invista em ciência e tecnologia seria bem-vinda, diz o físico teórico Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências. Ele observa que o orçamento do Ministério da Ciência, ajustado pela inflação, diminuiu em cerca de dois terços desde 2010, para cerca de 3,4 bilhões de reais (US $ 860 milhões).

Futuro incerto

Os salários dos pesquisadores das universidades públicas são garantidos no Brasil. Assim, a carnificina do orçamento científico significou que há menos dinheiro para equipamentos, subvenções federais, viagens, bolsas de pós-doutorado e apoio a colaborações internacionais.

Apesar da falta de recursos e apoio federal, Davidovich diz que os cientistas estão pressionando, sempre que possível. “Fazer pesquisa no Brasil agora é um ato de resistência e é isso que estamos fazendo”, diz ele.

Mas, embora a ciência e a tecnologia façam parte das campanhas de Bolsonaro e Haddad, é cedo demais para dizer o que pode acontecer depois da eleição.

“O fato de eles terem ciência e tecnologia em seu programa não significa que será importante quando eles se tornarem presidente”, diz ele. “Há uma grande diferença entre o que está escrito e o que é praticado.”

Notas

1 Para ver a matéria em inglês: https://www.nature.com/articles/d41586-018-06917-w

2 Tradução por César Locatelli

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