Por Ramon Andrade e Vitória Genuino, coordenadores nacionais da Juventude Fogo no Pavio
As esquerdas brasileiras, nos últimos anos, enfrentaram muitos problemas. A ausência de perspectiva de vitória sobre o avanço do fascismo, a desesperança num futuro melhor e a ausência de utopia de que uma nova sociedade é possível tiveram papel importante na diminuição da capacidade de mobilização desses setores. É verdade que o Tsunami da educação, em maio de 2019, levou multidões às ruas contra os cortes na educação, mas é verdade também que, até o dia 29 de maio de 2021, e agora este 19 de junho, que pode ser a maior, talvez a única, expressão popular de rua das organizações de esquerda em todo Brasil no governo Bolsonaro.
Nesse meio termo, tivemos as manifestações das torcidas antifascistas, em 2020, em defesa do isolamento social e do auxílio emergencial, mas as mobilizações acabaram não se nacionalizando. Não podemos e nem vamos esquecer que nesse período enfrentamos uma pandemia que já ceifou a vida de quase 500 mil brasileiros. Mas, se por um lado as notícias mostravam que muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas – como, por exemplo, se o governo Bolsonaro não tivesse recusado 11 ofertas para compra de vacinas ou se o presidente não tivesse tripudiado da doença e incentivado a abertura do comércio e o não uso de máscaras -, por outro, chamava a atenção que, mesmo com as diversas tentativas das organizações de esquerda em ir às ruas denunciar esse genocídio promovido por Bolsonaro, as ações não engrenaram. A sensação de medo e descrença que as coisas mudariam parecia prevalecer.
Em meio a tudo isso, a direita co-apostava em apontar a contradição entre defender o isolamento social e ir às ruas protestar como uma ferramenta que, durante algum tempo, conseguiu desmobilizar setores mais moderados da sociedade e da própria esquerda organizada. Embora a contradição exista, é importante ressaltar que ela foi imposta pelo sistema. O próprio presidente se posicionou contra o isolamento social e promoveu aglomerações. Num cenário de fome, despejos, desemprego e mais de 2 mil mortes por dia, não fazer nada é se acostumar com a tragédia posta.
O povo não pode ter que escolher entre morrer de fome ou de covid-19. A resposta à suposta contradição vem da certeza de que a tragédia poderia ter sido evitada e ir às ruas pela saída do presidente é fundamental para que mais vidas não sejam perdidas para uma doença que já tem vacina, mas que o governo federal se recusou a comprar. Nesse sentido, a campanha Fora Bolsonaro surge como uma primeira e antiga utopia: a unidade de ação das esquerdas brasileiras. É verdade que se trata de uma unidade tática e num período não eleitoral, mas, ainda assim, é um feito importante e atende uma demanda antiga de parte da sociedade, que via a fragmentação da esquerda não como o motivo que levou a ascensão do fascismo, mas como um fator que alimenta a ideia que era impossível derrotá-lo.
Ainda assim, de início, as ações da campanha não foram massificadas. Alguns fatores contribuíram para isso, entre eles o entendimento disseminado pela direita e não respondido à altura pela esquerda de que Bolsonaro ainda era muito forte para cogitar seu impeachment. Dois fatores foram fundamentais para uma virada de jogo. Primeiro, a retomada dos direitos políticos pelo ex-presidente Lula. A volta ao jogo da maior liderança da esquerda que consegue aglutinar forças de vários setores animam aqueles que achavam não ser possível derrotar Bolsonaro em 2022. E isso se difunde de forma rápida na opinião pública, com pesquisas que mostram a vitória do petista no segundo turno e outras que mostram até um cenário já vitorioso no primeiro turno das próximas eleições.
O segundo fator que contribuiu para essa reviravolta foi a CPI da Covid. Se o enfraquecimento de Bolsonaro via institucionalidade antes parecia improvável dado a aliança estável com o “centrão”, a CPI da Covid vem para mudar isso. Com falas fortes, cheias de provas robustas e ampla exibição nas mídias tradicionais e redes sociais, a circulação da afirmação de que muitas das mortes poderiam ter sido evitadas e que o fracasso do Brasil no enfrentamento a pandemia é de responsabilidade do Governo Federal, derrete a imagem do presidente. Agora, com dois fatores novos e importantes, a volta de uma das maiores lideranças populares ao jogo e o desgaste institucional do governo, as mobilizações de rua parecem ser a cereja do bolo para que a utopia de derrota do fascismo seja colocada no horizonte.
O momento é delicado, mas se antes as mobilizações não aconteciam porque a descrença numa virada de jogo era forte, agora elas se afirmam com veemência porque a mudança parece mais possível do que nunca. A utopia nos foi devolvida. A campanha Fora Bolsonaro, composta pela frente Povo Sem Medo e Frente Brasil Popular possui um papel tático importante na concretização dessa utopia. Se a utopia é um lugar que queremos chegar, não podemos nos contentar só com a possibilidade de que Bolsonaro caia, mas só quando isso for um acontecimento da realidade. Até lá, que tenhamos a sabedoria de que ainda não cruzamos a linha de chegada, mas que só foi possível chegar até aqui porque caminhamos juntos. Sozinho nada disso seria possível, nem sonhar.
Obs. A foto de abertura é de Isis Medeiros