Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia
Pesquisa de opinião é fonte valiosa de informação para todos os que acompanham o processo político. Mas é sempre necessário ter cuidado, contextualizar os dados e farejar a energia política que corre pela sociedade, e que muitas vezes é impossível de tabular em planilha do excel.
No Brasil, há quase três anos que os resultados das pesquisas de opinião são recebidos com grande expectativa por aqueles que aguardam o derretimento da popularidade de Jair Bolsonaro, o momento em que a boca do jacaré estará tão aberta a ponto de inviabilizar o presidente.
No geral, desde o início do governo as pesquisas apontam para um cenário que vem se mantendo relativamente estável, ainda que os números apresentem variações que não podem ser desconsideradas:
- O governo conta com uma base de apoio popular entre 20 e 25%, coesa e disciplinada ideologicamente, disposta a ir com o presidente até o fim.
- A rejeição vem se ampliando, tendo atingido o ponto mais alto na última pesquisa Datafolha (divulgada em 16/9), onde 53% da população define o governo como “Péssimo ou Ruim”. Trata-se de camada social dispersa, formada por diferentes correntes ideológicas cuja identidade é negativa, ou seja, construída pela rejeição e não pela adesão. As identidades negativas tendem a ser imprevisíveis e instáveis.
- Uma massa amorfa de 25% que avalia o governo como “regular”. É uma camada sem orientação definida, que seria capaz de votar em Bolsonaro, ou não.
Dados estatísticos podem ser lidos de diferentes modos, a depender dos interesses. É que sob tortura, os números dizem quase tudo.
Por um lado, não seria errado dizer que Jair Bolsonaro se encontra em posição difícil, rejeitado pela maioria da população, o que impediria sua reeleição em 2022. É o mesmo argumento da “rejeição interditante” que muitos (como eu) acionaram em 2018 pra dizer que Bolsonaro não seria eleito.
Por outro lado, não deixa de ser impressionante que mesmo diante do caos administrativo, da inflação na casa dos dois dígitos, dos quase 15 milhões de desempregados, dos quase 600 mil mortos na pandemia, Bolsonaro ainda consiga manter uma base de apoio na casa dos 20%, o que garantiria sua presença no segundo turno das eleições. São 42 milhões de pessoas. É muita gente.
Não dá pra saber se Jair Bolsonaro será ou não reeleito no ano que vem. Quem se acha capaz de antecipar esse desfecho não estará fazendo outra coisa a não ser torcer, e de duas maneiras: no sentido futebolístico, onde observamos passivamente o jogo esperando que o resultado seja do nosso agrado, e no sentido analítico, onde torcemos a realidade para fazer caber em nosso desejo.
Além do mais, estou mesmo convencido de que as eleições não deveriam estar no centro do debate político, não por ora.
Explico.
Somente na normalidade democrática, podemos aguardar a janela eleitoral para derrotar um governo de que não gostamos. Em nenhum aspecto, vivemos situação de normalidade democrática. Estamos diante de uma experiência de crise democrática que nos coloca diante de uma racionalidade política inédita, para qual os cálculos tradicionais talvez não sejam adequados.
Aqueles que vibram com cada variação para cima na rejeição de Jair Bolsonaro parecem ainda viver sob a experiência de normalidade democrática, onde o destino de governos se revolve na matemática da opinião pública, no saldo entre os que apoiam e os que rejeitam. Se o saldo for azul, o governo tem chance de sobrevida. Se for vermelho, está potencialmente derrotado. Outro virá em seu lugar e o jogo recomeça.
Quem pensa assim, está esperando o momento mágico em que Bolsonaro será derrotado e retornaremos à ordem democrática. É como se a democracia, naturalmente, fosse capaz de resolver a questão. É como se o governo de Jair Bolsonaro fosse governo normal, como outro qualquer.
É tudo bastante diferente.
Os apoiadores de Bolsonaro não são apenas apoiadores, como eram, por exemplo, os apoiadores dos governos petistas, ou mesmo dos governos tucanos nos anos 1990. O apoiador bolsonarista é militante engajado e convencido de que faz parte de um processo de ruptura revolucionária. Seu apoio não se fundamenta na razão prática da vida (inflação, desemprego, bem-estar social), mas, sim, em adesão ideológica, quase religiosa. O militante é um tanto religioso, seja qual for a causa.
Essa militância não desaparecerá no curto prazo, ainda que Bolsonaro seja derrotado em 2022. Essas pessoas continuarão alimentando a expectativa da ruptura, continuarão dispostas a conspirar. Precisam ser constantemente acossadas pela Justiça a cada vez que ameaçarem a ordem democrática, que cometerem crime de opinião contra a dignidade humana, que ameaçarem as autoridades. O que restou de democracia deve ser capaz de impor medo a essa gente. Mas para isso é necessário não partir do princípio de que Bolsonaro será naturalmente derrotado na medida em que sua rejeição aumente.
Mesmo que numericamente minoritário, o bolsonarismo sempre será grave risco à democracia.
Esperar 2022 para derrotar Jair Bolsonaro é duplo erro:
- Significa dar a Bolsonaro mais um ano para tentar recuperar os votos que perdeu, o que não é impossível de acontecer. Certamente teremos um verão mais feliz, com a pandemia controlada, o que terá impacto econômico, especialmente no setor de serviços. A situação está tão ruim que não precisa muito para existir alguma sensação de melhora, o que pode impactar positivamente no humor do eleitorado.
- Além disso, o governo sempre tem o poder de fazer alguma política pública de curto prazo, que conquiste apoio popular. Bolsonaro não está eleitoralmente morto. Político vivo não morre, alguns não morrem sequer depois de mortos. O tempo da política é o tempo rápido. A situação sempre pode mudar, quase num piscar de olhos.
Significa dar a Bolsonaro mais um ano para continuar usando a instituição Presidência da República para aglutinar sua base de apoio, doutrinar seus seguidores, se consolidar como o representante de uma poderosa corrente de opinião na sociedade. É o bastante para eleger deputados, senadores e, principalmente, para tumultuar o processo eleitoral.
Aqueles que, evocando os dados das pesquisas de opinião, estão inclinados a aceitar a tese do “em 2022, derrotaremos Bolsonaro nas urnas”, faltam com a democracia, por cinismo ou por ignorância. Talvez pelos dois.