E então é Natal… , por Dirce Waltrick do Amarante

Leonora Carrington

Por Dirce Waltrick do Amarante*

 

Chega esta época do ano e os shoppings estão lotados, mas você, desde que a sua família o tornou comunista, não precisa enfrentar a multidão enlouquecida atrás de lembrancinhas para trocar à meia-noite; afinal de contas, Natal é uma festa capitalista e você não compactua com ela.

Mas a sua sorte acaba aqui, pois a sua família, ainda que o tenha tornado um comunista, exige a sua presença na ceia de Natal, momento em que você terá que enfrentar o tio que virou pastor e fala em nome de Deus desde que a família descobriu que ele era um salafrário;

e seus pais, que defendem a união da família, mas olham para você com reprovação, como se você fosse o membro desagregador dela desde que se tornou comunista. Logo você, o único filho a estar ali;

e tem que enfrentar os primos, um médico formado numa universidade federal, que hoje diz que lá só tem droga, e com outros “encostados” do serviço público estadual, que defendem o fim do SUS e rezam com muita fé para que a reforma previdenciária não os atinja;

e seus irmãos, também defensores da família cristã, que picaram a mula (um está na Disney com os filhos pequenos, o outro está passando o Natal com amigos de infância etc.), mas mesmo de longe olham para você – comunista depravado — pelo WhatsApp com desaprovação.

Fora a parentada, você tem que enfrentar o peru de Natal alimentado com hormônio;

e as frutas cristalizadas cheias de açúcar refinado e conservantes;

e os fios de ovos transgênicos;

e as passas esbranquiçadas de agrotóxicos;

e tem que ouvir as músicas natalinas cantadas em alemão e inglês, embora você esteja no Brasil;

e tem que dar um jeito de ir embora sem que ninguém perceba a sua ausência…

E então é Natal.

 

*Comunista fashion.

No apagar das luzes de 2019, esta coluna passa a ser publicada nos sábados.

 

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