13/06/2019

Joana Mortágua 
Cronista

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Numa reportagem dividida em quatro partes, o Intercept Brasil divulgou o conteúdo de quase dois anos de trocas de mensagens privadas entre Procuradores do Ministério Público brasileiro responsáveis pela Operação Lava-jato e o então juíz federal Sérgio Moro.

Em julho de 2017, Sérgio Moro foi o juíz responsável por condenar Lula da Silva a quase dez anos de prisão por supostamente ter recebido um triplex como luva de uma empresa corrupta. O processo chocou por não ter sido apresentada qualquer prova factual. O melhor que os acusadores conseguiram apresentar foram delações premiadas de corruptos condenados e uma reportagem da Globo cujas informações nem sequer batiam certo com as da acusação.

Com a prisão de Lula da Silva ficou resolvido o pior pesadelo da direita brasileira, a possibilidade do candidato melhor posicionado nas sondagens ir a votos. A fantochada judicial cumpriu o seu maior objetivo: concluir o golpe contra o Governo de Dilma Rousseff, afastar o PT do poder e garantir Lula longe das urnas.

A manipulação política da opinião pública a partir da cortina de pretensa imparcialidade do poder judicial foi uma estratégia montada pela direita brasileira desde os primórdios do plano para o impeachment. A Lava-jato foi a autoestrada de Bolsonaro para o poder, e o prémio foi a nomeação de Sérgio Moro como Ministro da Justiça.

Quando aceitou esse cargo, Moro denunciou-se como um justiceiro fanfarrão que sempre esteve mais talhado para vilão do que para herói. Sérgio Moro nunca escondeu as suas motivações políticas no “combate à corrupção”, e a perseguição a Lula como um objetivo de vida. Cumprir a lei tornou-se secundário e o Estado de Direito uma atrapalhação desnecessária.

É isto que a reportagem do Intercept veio confirmar. Que o atual Ministro da Justiça do Brasil foi um juiz desonesto, parcial e corrompido por interesses políticos, que a Constituição e o Código de Ética dos magistrados foram atropelados. “Aos inimigos, nem a lei”. É uma bomba na credibilidade do sistema judicial brasileiro.

Nas mensagens lê-se o Juiz Sérgio Moro, o homem responsável por analisar as provas, ouvir a acusação e a defesa e emitir uma sentença justa, a dirigir a investigação da acusação. Além da troca da ordem das fases da Lava Jato, Moro exige a realização de novas operações, repreende o Ministério público, dá sugestões, contactos e pistas e antecipa, pelo menos, uma decisão judicial.

Mais, prova-se que Dallagnol, o procurador responsável pelas investigações, duvidava das provas contra Lula e do suborno da Petrobras, que a ligação foi feita apenas para o processo cair no colo de Moro. Numa outra conversa, os procuradores combinam como vão impedir que Lula dê uma entrevista em plena pré-campanha eleitoral. Uma procuradora deixa claro que a questão não é jurídica mas o medo de que se o antigo Presidente falasse, poderia ajudar a eleger Fernando Haddad, candidato do Partido dos Trabalhadores (PT).

Nada disto é surpresa para o campo democrático que denunciou a prisão de Lula como um processo político, até a ONU se pronunciou sobre o assunto. Apesar disso, Moro foi glorificado e aclamado por altas personalidades políticas e institucionais como um grande especialista judicial no combate à corrupção.

Passaram apenas duas semanas desde que Sérgio Moro esteve em Portugal para participar nas Conferências do Estoril.  Foi orador no painel “De Volta ao Essencial: Democracia e a Luta contra a Corrupção” ao lado das ministras da Justiça de Portugal e Cabo-Verde, uma ex-procuradora e a ex-primeira ministra do Senegal. Registe-se agora o silêncio dos que correram para não perder lugar na primeira fila dos aplausos a Moro.

“Mudei de cargo, mas continuo o mesmo”, afirmou Moro nessa visita ao nosso país. A confissão fica-lhe bem mas é uma triste notícia para o Brasil,  tem como ministro um juíz fora-da-lei. Sem equívocos, a maior vítima de Moro não é Lula da Silva, encarcerado por convicção, mas a soberania democrática do povo Brasileiro. Só que, depois disto, já não dá para defender a última sem libertar o primeiro. E agora, Brasil?

via Jornal I

https://ionline.sapo.pt/artigo/661816/e-agora-brasil-?seccao=Opiniao_i

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