Dossiê: A Fundação Anti-indígena de Bolsonaro

Foto: Leonardo Milano

Bruno Pereira, presente! Dom Phillips, presente!

Um dossiê elaborado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com a Indigenistas Associados (INA), a associação dos servidores da Funai, traz um compilado de todas omissões e ações deliberadas ocorridas no atual governo civil-militar de Bolsonaro, passando por falas racistas do presidente da república, à exoneração de servidores que apenas cumpriram seus deveres institucionais, como Bruno Pereira, indigenista desaparecido desde o dia 06/06, juntamente com o jornalista britânico Dom Phillips.

Tudo, absolutamente tudo feito pelo governo de Jair Messias Bolsonaro contribuiu para o atual estado das coisas na Amazônia brasileira, incluindo os possíveis assassinatos de Dom e Bruno. O documento intitulado “Fundação Anti-indígena: um retrato da Funai sob Bolsonaro “, que será lançado nesta terça-feira (14), às 17h, em frente ao Ministério da Justiça, em Brasília-DF, evidencia o dolo presidencial no apagamento dos povos originários. O ato contará com a participação da deputada federal indígena Joênia Wapichana (REDE/RR), com a assessora política do Inesc, Leila Saraiva e o presidente da INA, Fernando Vianna. Veja, a seguir, trechos do dossiê, que pode ser baixado na íntegra aqui.

“Vou dar uma foiçada na Funai”

O ponto de partida do dossiê é o discurso adotado pelo presidente da República, que declarou ainda no período pré-eleitoral: “Se eu for eleito, vou dar uma foiçada na Funai, mas uma foiçada no pescoço. Não tem outro caminho”. De fato, o ataque de Bolsonaro à jugular da Funai começou nos primeiros meses do mandato, com a tentativa de submissão do órgão ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que só não ocorreu após intervenção do STF derrubando a Medida Provisória criada para essa mudança.

O Inesc, em parceria com a INA, também sintetizou no site de lançamento do Dossiê, o desmonte da Funai em 10 atos:

O desmonte da Funai em 10 atos

  1. A agenda ruralista no comando

Assim que tomou posse, em 2019, Bolsonaro tentou tirar da Funai, por meio de Medida Provisória, a função de demarcar terras indígenas, assim como a de se manifestar em processos de licenciamento ambiental com impacto sobre elas. Por duas vezes, a MP 870 foi editada para que essas atribuições ficassem com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, mais especificamente, sob o comando de Nabhan Garcia, ex-presidente da União Democrática Ruralista, recém-nomeado à Secretaria Especial de Assuntos Fundiários do MAPA. Após o STF barrar essa estratégia de incidir sobre a Funai via MP, o plano passou a ser controlar o órgão a partir da nomeação do delegado Marcelo Xavier à presidência e outros diretores e coordenadores totalmente alinhados a Garcia e à bancada de parlamentares ruralistas.

  1. Saem os indigenistas, entram os militares e policiais

Sem conseguir deixar a Funai aos cuidados de Nabhan Garcia, Bolsonaro nomeou o então delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier à presidência do órgão. É ele quem aparece nesse vídeo, durante audiência com produtores rurais do Mato Grosso do Sul, dizendo: “Eu estou colocando pessoas de minha confiança nas bases agora, justamente para atender aos senhores” (8/11/2010). Xavier, que chegou a ser indicado para ser o assessor do ruralista Nabhan no MAPA, adotou um critério peculiar ao escolher sua equipe. Um dos coordenadores regionais chamado para atuar no Vale do Javari (AM) já foi gravado falando em meter fogo” em índios isolados. Um segundo, flagrado por câmeras de segurança agredindo um indígena na sede da unidade Xavante (MT) que chefia. No Araguaia (TO), um terceiro apoiou ação policial de busca e apreensão em aldeia que resultou na morte do indígena fatalmente baleado, na presença de crianças e outros membros da comunidade. E há ainda um coordenador de Ribeirão Cascalheira (MT) que chegou a ser preso, por envolvimento com arrendamento de um território indígena.

  1. Perseguição aos servidores concursados

No comando da Funai, a dupla Xavier e Nabhan inaugurou uma política de perseguição e constrangimento aos servidores concursados, por meio de obstáculos ao exercício de suas funções com a abertura de inúmeros processos administrativos disciplinares e inquéritos criminais. Muitos perderam competências e acesso a processos em que trabalhavam, foram ameaçados ou até deslocados de funções à revelia.

  1. Burocracia para idas a territórios indígenas

A autorização de viagens de servidores a territórios indígenas antes só dependia da assinatura do presidente da Funai em casos extraordinários. Hoje, porém, o pedido precisa ser feito com mais de quinze dias de antecedência, além da necessidade de uma autorização da diretoria da instituição, além de um parecer técnico das Coordenações Gerais em Brasília, confirmando a pertinência da ação. Soma-se à morosidade proposital, que inviabiliza ações emergenciais nas comunidades, o fato de o órgão não estar pagando as diárias de viagens a trabalho, levando servidores a desistir de atender ou arcar com os custos do próprio bolso.

  1. Nem um centímetro a mais de terra indígena

Em 2019, nenhuma terra indígena foi delimitada (primeira etapa da criação de uma reserva), e não há meta para isso no planejamento estratégico para 2020-2023, à exceção dos casos quando houve pressão do Ministério Público Federal. Ainda assim, na montagem dos Grupos de Trabalho para atender à Justiça, a Funai atrasa o processo, propondo ações de recomposição dos grupos, remanejando servidores que já vinham acompanhando determinada situação, de forma arbitrária.

  1. Uso de antropólogos “de confiança”

Para encabeçar os grupos técnicos, a Funai criou a figura do antropólogo de confiança, que – segundo a própria Associação Brasileira de Antropologia – são “pessoas sem a mínima qualificação e legitimidade, inclusive sem amparo legal para coordenar e realizar estudos de identificação e delimitação de Terras Indígenas”. O próprio chefe de gabinete do presidente Marcelo Xavier chega a escrever, em despacho, que os coordenadores nomeados para o GT responsável pelo processo de demarcação foram escolhidos “observando critérios de oportunidade e conveniência”.

  1. Terras tiradas do mapa 

Pela Constituição, se um imóvel privado se sobrepõe a uma terra indígena, predominam os direitos indígenas. Mas, com a criação da Instrução Normativa nº 9, em 2020, a Funai limitou esse direito apenas às terras já homologadas, fragilizando a proteção dada àquela área durante o processo demarcatório. Atualmente, o que se vê é a Funai dizendo aos interessados não indígenas: “Entre e use à vontade, pois o território ainda não está homologado. Na prática, o ato de não preservar uma área enquanto ocorre sua homologação equivale excluir terras indígenas do mapa oficial.

  1. Critérios para classificar o “indígena de verdade”

Criada em janeiro de 2021, a Resolução nº 4 tentou definir critérios para indicar quem é ou não indígena, a fim de regular o acesso a determinadas políticas públicas – resgatando a agenda ruralista dos “falsos indígenas”, em claro choque ao princípio da autoidentificação indígena previsto na Convenção 169 da OIT. Com a repulsa de organizações indígenas e especialistas, a resolução foi suspensa judicialmente.

  1. Boas-vindas a garimpeiros

Na atual gestão, segundo o Instituto Socioambiental, o desmatamento em terras indígenas cresceu 138%. Garimpeiros invasores viajando a Brasília em avião oficial expõem a conivência a toda forma de ilegalidade nas terras indígenas. Medidas infralegais criam novos arranjos sui genesis de organizações entre indígenas e não indígenas para exploração econômica das terras (inclusive com transgênicos) e, no horizonte, já temos a mineração e a exploração de madeira.

  1. Omissões na esfera judicial

Como era de se esperar, a Funai tem manifestado desistência formal de demandas judiciais envolvendo direitos coletivos de povos indígenas, sendo omissa em inúmeros casos de violência, invasões, massacres e corrupção. Na antítese de sua razão de existir, o órgão virou laboratório de políticas anti-indígenas sem bases legais definidas, fragilizando territórios e etnias.

COMENTÁRIOS

4 respostas

  1. Não é de se estranhar, foi exatamente pra isso q este homem foi eleito presidente, um homem q veio apenas para favorecer as classes q ele defende, lamentável. Fora BOLSONARO!

  2. Falta de aviso não foi, isso que deu eleger um Anticristo para presidir o pobre Brasil

  3. Não ao marco temporal demarcação de terras indígenas e titulação de terras Quilombolas vidas de povos tradicionais importa

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