DOMINGO TEREMOS A PROVA DOS NOVE

ARTIGO

Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia, com charge de JBosco 

 

Em outubro de 2018, 57.7 milhões de brasileiros votaram em Jair Bolsonaro, definindo o resultado que poucos analistas conseguiram prever antes do início das eleições.

O que levou o eleitor a sair de casa e votar em Jair Bolsonaro?

Não há uma resposta única para essa pergunta. Há eleitores de ocasião, que se deixaram levar pelo efeito manada, avassalador ao fim do primeiro turno da corrida presidencial. Pessoas assustadas com o caos da segurança pública, que realmente acreditaram que Bolsonaro representava a mudança no sistema político brasileiro. A queda nos índices de aprovação do governo mostra que esses eleitores já começam a se arrepender.

O governo é um verdadeiro caos administrativo, o círculo familiar do presidente está comprometido com esquema de corrupção envolvendo funcionários fantasmas e lavagem de dinheiro no mercado imobiliário. O eleitor de ocasião não está disposto a morrer abraçado com o governo que ajudou a eleger.

Por outro lado, existem também os eleitores orgânicos, os que concordam com as teses fundamentais do “bolsonarsimo”: perseguição às minorias, flexibilização do acesso a armas de fogo e ódio ideológico às esquerdas. Esses eleitores vão com Bolsonaro até o fim, não importa o que aconteça.

Qual fatia dessa pizza é maior? Eis a pergunta de um milhão de dólares. Por ora, não dá pra saber. Talvez na segunda-feira, dia 27 de maio, teremos uma imagem mais clara da situação. É que no domingo, dia 26, acontecerão as primeiras manifestações de rua em defesa do presidente, que está precisando ser defendido.

Bolsonaro não conseguiu se libertar do clima de ódio e caos institucional que o elegeu. O presidente, simplesmente, não conseguiu descer do palanque e começar a governar.

As trapalhadas na política externa com o alinhamento submisso aos EUA e Israel foram motivadas, exclusivamente, por questões ideológicas, causando prejuízos às exportações brasileiras. As declarações agressivas contra autoridades de outros poderes levaram relações institucionais ao limite da ruptura. A ingerência dos príncipes presidenciais nos assuntos de Estado é forte elemento de desestabilização. Os ataques injustificados às universidades públicas mobilizaram parte da população contra o governo. A adesão ortodoxa ao neomarcartismo olavista desagradou aliados importantes.

Tudo isso junto levou ao derretimento da frente ampla que no início do ano sustentava o governo.

O mercado está convencido de que não será Bolsonaro a liderança capaz de estabilizar o ambiente político para que seja possível aprovar a reforma da previdência, a reforma tributária e a desvinculação do orçamento.

Os evangélicos se sentiram desprestigiados com a influência do olavismo junto ao presidente. Enquanto os discípulos de Olavo de Carvalho controlam o Itamaraty e o Ministério da Educação, os evangélicos foram contemplados apenas com um ministério secundário comandado por uma caricatura em forma de mulher chamada Damares Alves.

Os generais das Forças Armadas viram na eleição de Bolsonaro a chance da redenção, a oportunidade de reconstruir a memória da ditadura construída ao longo dos 30 anos de governos civis. Os generais nunca confiaram muito em Bolsonaro, que foi reformado compulsoriamente do Exército aos 33 anos sob circunstâncias até hoje mal explicadas. Bolsonaro não é um militar orgânico, passou mais tempo no Congresso Nacional como deputado do baixo clero do que no quartel. Mas os generais acreditavam que poderiam controlá-lo.

O ataques de Olavo de Carvalho e de Carluxo ao núcleo militar do governo mostraram aos generais que o trabalho não seria tão fácil.

Bolsonaro desidratou, ficou isolado. Os atos de 15 de maio em defesa da educação tiveram força e grandeza inesperadas, o que colaborou para enfraquecer ainda mais o presidente.

Hoje, Bolsonaro tem plena consciência de que só pode contar com seu eleitorado orgânico. Porém, ele não conhece a real força desse eleitorado, não sabe se é suficiente pra sustentar um governo comprometido com teses polêmicas e com baixa capacidade de produzir consensos. O dia 26 de maio será um importante termômetro.

Até lá, o presidente está mantendo uma posição ambígua, tentando, ao mesmo tempo, mobilizar sua base orgânica e reconstruir a relação de confiança com os aliados contrariados.

O decreto de flexibilização do acesso às armas de fogo publicado em 20 de maio é de um amadorismo jurídico impressionante. É difícil acreditar que no Palácio do Planalto não há nenhum assessor capaz de avisar ao presidente que aquele texto teria sua legalidade questionada

A publicação do decreto não foi um erro técnico, mas sim uma estratégia. Bolsonaro está excitando sua base, como quem diz “eu quero fazer o que prometi, mas eles não deixam”. É a narrativa das “forças ocultas” que impedem o líder bem-intencionado de cumprir sua missão. Não é a primeira vez que um presidente acuado tira esse trunfo da manga.

Por outro lado, Bolsonaro entendeu que era necessário reorientar o discurso. Olavo de Carvalho foi silenciado, saiu de cena dizendo que não se mete mais na política brasileira. O presidente passou a defender com mais ênfase a reforma da previdência, ainda que deslizes indiquem que ele não conhece muito bem a natureza do projeto.

Em 22 de maio, o Gabinete da Presidência da República publicou um novo decreto de armas, que aumenta as restrições de acesso a armamento de uso exclusivo das Forças Armadas. Ao Exército foi solicitado um parecer técnico que defina quais armas poderão ser comercializadas para civis. Até aqui, as Forças Armadas estavam excluídas dessa discussão.

Os gestos de reconciliação com os aliados insatisfeitos já começam a surtir efeito. Nos últimos três dias, Silas Malafaia e Edir Macedo usaram o twiter para convocar suas ovelhas a irem às ruas em 26 de maio. O Clube Militar fez o mesmo. Se as bases atenderem ao chamado, Bolsonado pode, sim, terminar o domingo mais forte do que começou. A história recente mostra que não é aconselhável subestimá-lo. Inês ainda não está morta.

Há duas possibilidades na mesa.

Se o ato for um fracasso, Bolsonaro será obrigado a virar a chave e se tornar o “Jairzinho paz e amor”. Se não fizer, não terminará o mandato. O substituto está pronto e aquecido, cheio dos sorrisos e simpatias, se apresentando como contraponto de bom senso e moderação.

Se o ato for um sucesso, uma nova tendência pode ser criada. Talvez Bolsonaro consiga rearticular seu campo de aliados e sair do atoleiro em que se meteu.

O dia 26 de maio será a prova dos nove.

 

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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