Dois anos de Luto e luta pela reparação integral

Foto por Maxwell Vilela / Jornalistas Livres
Foto por Maxwell Vilela / Jornalistas Livres

*Por Verônica Medeiros Alagoano

Foto por Maxwell Vilela / Jornalistas Livres

O estado de Minas Gerais rememora nesta semana os 2 anos do rompimento da barragem da Vale, Mina do Córrego de Feijão, em Brumadinho. Crime que a todos surpreendeu, uma vez que ainda ecoa em nossas memórias a tragédia de Fundão, em Mariana, um crime com consequências ambientais, sociais, culturais ainda não calculados para os mais de 40 municípios atingidos da bacia do Rio Doce. Ambos os crimes, são consequências do modelo de mineração baseados na exportação de commodities cuja máxima é a exploração dos recursos naturais sem levar em conta as populações e culturas que permeiam os territórios afetados. Esses, além de conviverem com os danos às moradias, à produção e produtividade, às vias de circulação, à alteração da paisagem, perda de trabalho e renda, deslocamentos forçados, ainda sofrem privação de suas festas religiosas, atividades esportivas e diversas manifestações culturais. Até mesmo as relações interpessoais são profundamente alteradas, fragmentadas e em alguns casos destruídas. Enquanto isso os dados da própria Vale, empresa causadora do dano tanto no caso de Mariana como Brumadinho, registram um lucro líquido de $ 15,6 bilhões no terceiro trimestre de 2020.

A ação de reparação das empresas criminosas e/ou suas terceirizadas nos territórios atingidos também tem se mostrado de grande impacto. Estudiosos tem caracterizado o tratamento para com as pessoas mais vulneráveis, de forma vexatório e preconceituoso. Para Pereira (2019) tal tratamento é expressão do racismo ambiental – tipo de injustiça que incide de forma desproporcional sobre determinadas étnicas.

Para as mulheres os desdobramentos dos rompimentos de barragens e a ausência de reparação participativa tem elucidado o que os órgãos internacionais já havia destacado em casos de desastres: falha na participação das mulheres nos processos reparatórios; abalo a renda e não acesso aos programas e processos de reparação; sobrecarga doméstica e graves consequências à saúde com alta na incidência de violência.

Aos prejuízos e danos somam-se uma série de violações de direitos de forma tal que o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH, 2010) identificou um conjunto de direitos humanos sistematicamente violados por ação de grandes empreendimentos, o que inclui os rompimentos de barragens. Em destaque relatam que “as mulheres são atingidas de forma particularmente grave e encontram maiores obstáculos para a recomposição de seus meios e modos de vida; […] elas, não tem, via de regra, sido consideradas em suas especificidades e dificuldades particulares” (CNDH, 2010).

Apesar da vulnerabilizarão imposta às mulheres nos casos de rompimentos de barragens, também é preciso resgatar que o rosto da luta nestes territórios tem o protagonismo feminino. Conforme relatam as atingidas do crime da Vale em Mariana,

a nossa luta é como se fosse uma casa. Se a gente sai, ela para […]. A gente vai para a luta procurar o direito da gente. Eu não tenho medo não, eu vou […]; Nas reuniões, você vê mais mulheres. Elas estão compondo mesa, tendo a palavra e são poucos os homens […]; Eu vejo que as mulheres são muito participativas, mesmo com todas as outras jornadas que elas têm: família, filhos, marido, algumas trabalham fora […]; A gente se organiza de várias formas para dar conta de tudo. Tem uma frase que diz que o homem pode matar um leão, mas a mulher mata, tempera, cozinha, serve, lava a louça, ainda arruma a casa e vai cuidar do filho depois. Vejo a participação das mulheres e fico muito feliz com isso (ALEXO, V,L; D´ANGELO M, C; LINO, M; RODRIGUES, C; OLIVEIRA, L., 2020).

Tais relatos além de revelar a importante luta por participação também evidenciam a compreensão das mulheres sobre elas mesmas. Assim avançam na luta pela reparação e na autoconsciência enquanto sujeitas de suas vidas e histórias.

*Doutoranda pelo Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora de assessoria técnica aos atingidos pela barragem de Fundão em Barra Longa (MG).

Referências bibliográficas:

ALEXO, V,L; D´ANGELO M, C; LINO, M; RODRIGUES, C; OLIVEIRA, L. Ser mulher é uma luta. A Sirene, 2019. Disponível em < https://issuu.com/jornalasirene/docs/03_mar_o_2019_issuu

> Acesso em 20 dez. 2020.

CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA; COMISSÃO ESPECIAL ATINGIDOS POR BARRAGENS (CDDPH). Relatório Final sobre violações de Direitos dos Atingidos por barragens. Brasília:2020. Disponível em: https://www.mpmg.mp.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A91CFA9673F5F3C016741DA79712493. Acesso em: 06 de dez.2020.

PEREIRA. D. M (ORG). Perdas ecossistêmicas (cartilha I): Barra Longa atingida pela ruptura da barragem de Fundão da Samarco/Vale/BHP Billiton – volume I. UFOP: Ouro Preto, 2019.

COMENTÁRIOS

POSTS RELACIONADOS

Plano Diretor da Grande BH para quem?

Por frei Gilvander Moreira[1] Ferramenta constitucional para o planejamento metropolitano, prevista no artigo 46, inciso III da Constituição do Estado de Minas Gerais de 1989,