Diploma de índio

 

Após um crescente e acelerado processo de escolarização em terras indígenas, o direito à universidade, caiu no gosto dos povos das aldeias. Depois de mais de cinco séculos de ocupação e fundação do Brasil, os cocares e cores dos povos originários invadem a tradicional foto dos formandos de pele branca e suas becas pretas.

Caras pintadas, entre leves olhos repuxados, sobre largos sorrisos, dão novo ar às formaturas das universidades. Grandes instituições já realizam vestibular diferenciado, como UNICAMP e UFScar, e outras tantas os inserem no vestibular universal. Muitas outras faculdades se contradizem a não terem indígenas em seu corpo discente.

 

Manchetes recentes, e cada vez mais frequentes, os apontam como primeiros colocados em suas provas ou primeiros formandos em suas etnias.

 

Vale aqui notar as observações de Maria Aparecida Bergamaschi, Michele Barcelos Doebber,  Patricia Oliveira Brito, doutoras em educação:

 

“A presença indígena no ensino superior brasileiro é cena recente, não conta ainda três décadas.

 

Contudo, percebe-se um descompasso entre o interesse dos povos indígenas e a lógica acadêmica, pois os primeiros almejam a universidade também para afirmar seus conhecimentos e seus modelos de desenvolvimento, enquanto a academia pouco tem se mostrado afetada pela presença indígena em sua amplitude epistêmica e metodológica

 

A frequência às aulas, exigida pela academia, é um paradoxo para os indígenas: submeter-se ao modelo temporal da universidade e afastar-se do modo como vivenciam o tempo em sua cultura originária, ou negar o tempo acadêmico e não alcançar êxito no acompanhamento do curso. São muitos os desafios advindos dessa relação intercultural, como é possível observar nas falas de estudantes indígenas em reuniões organizadas pela Comissão de Acesso e Permanência: estou vindo desse mundo que não é da leitura, desse mundo que não é da escrita; essa questão de você entrar num grupo, num mundo diferente, as pessoas te estranharem, você não entende as expressões de professores, dos colegas e esse medo de escrever; a linguagem acadêmica é bastante complicada. Muitas vezes não conseguia entender o que o professor estava falando exatamente, porque é uma coisa tão distante. Eu vim de uma realidade e de repente entrar numa outra e tentar entender as duas coisas era muito complicado. Esse relato é ilustrativo de situações conflituosas que, no limite, levam alguns estudantes a reprovarem ou até mesmo a abandonarem o curso por se sentirem “deslocados” desse lugar predominantemente regulador e homogeneizador que é a academia.”

Gigantescas dificuldades envolvem os universitários indígenas, pois o necessário distanciamento das aldeias e o rompimento do cotidiano de práticas e sustento, muitas vezes provocam grande evasão e  arrefecem o sonho do diploma. No entanto, se movem e persistem. Há um movimento indígena a arejar as universidades que os recebem.

 

Uma nova cara de profissionais aparece lentamente no cenário de mestres brasileiros, onde afirma-se a identidade indígena no pensamento nacional.

 

*imagens por Helio Carlos Mello©

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

POSTS RELACIONADOS

A poeta e o monstro

A poeta e o monstro

“A poeta e o monstro” é o primeiro texto de uma série de contos de terror em que o Café com Muriçoca te desafia a descobrir o que é memória e o que é autoficção nas histórias contadas pela autora. Te convidamos também a refletir sobre o que pode ser mais assustador na vida de uma criança: monstros comedores de cérebro ou o rondar da fome, lobisomens ou maus tratos a animais, fantasmas ou abusadores infantis?