A DIMENSÃO DO SER

Lê-se no mais antigo escrito do Novo Testamento, que é a Primeira Carta de Paulo aos Tessalonicenses, em exortação final para aquela comunidade:

“… examinai tudo e guardai o que é bom”. (1Ts 5, 21).

É do que, na verdade, necessitamos, principalmente diante da voracidade tecnológica, que tudo reduz ao acelerado imediatismo. Incessantemente conectados, envolvidos no turbilhão dos acontecimentos, anestesiados na superficialidade do que é noticiosamente produzido, perdemos a dimensão do ser.

Perdida a dimensão do ser, a política, que é a expressão da afirmação do bem comum, descamba para o jogo do poder pelo poder, disseminando as mais variadas formas de corrupção.

Sobressai a manipulação. Políticos, consorciados com grandes redes de comunicação social, conspurcam a representação popular. Satisfazem-se todos na farsa da democracia formal porque inexiste qualquer compromisso comunitário e não acontecem atitudes reais e concretas de promoção dos mais necessitados em quadro de acesso amplo à educação e à saúde: permanecem esses, os mais necessitados, na condição de dependentes das benesses oficiais.

Perdida a dimensão do ser, a mulher e o homem degradam-se.

Se eu não tenho o meu ser, como oferecê-lo? Como ser proposta de vida para quem amo? Como amar?

No meu vazio existencial, engano-me buscando preenchê-lo comigo mesmo.

Assim, tantos os desencontros, tantos os abandonos, tanta a violência, tanta a morte, e tudo isso, no vazio do noticiário, meramente sensacionalista, acaba, após espasmos de nossa emotiva postura, a letargiar-nos num simples dizer: “vida que segue”.

Sim, a vida há de seguir, mas jamais como demonstração de conformismo, que é o alimento do inevitável.

A vida há de seguir como o desafio que nos desperta, que nos provoca, que nos move.

Ser livre é desafiar-se, constantemente, para assumir condutas na dimensão do espaço em que vivemos, não importa se amplo ou reduzido esse espaço, mas assumir condutas que nos revelem no que somos, e como somos, e assim rompendo a estagnação da mesmice castradora, pormo-nos em missão para o encontro, que dissipa o que nos distancia; para a construção do que vale ser construído: a dignidade da mulher e do homem em todas as etapas de sua vida.

Retorno a Paulo. À comunidade dos Gálatas, ele disse:

“É para a liberdade que Cristo nos libertou. Ficai firmes e não vos deixeis amarrar de novo ao jugo da escravidão”. (Gl. 5, 1).

Sim, e com todo o respeito às minhas irmãs e aos meus irmãos ateus e agnósticos, a palavra espírito significa: sopro. “Deus é espírito” afirma o evangelista João, no Capítulo 4, versículo 24, desse seu escrito.

O sopro gera o movimento.

O movimento rompe a inércia.

Rompida a inércia desabrocha a vida.

A vida faz nascer a liberdade.

E a liberdade é o caminho do ser para que se possa sempre ser.

Claudio Fonteles ingressou no Ministério Público Federal em 1973. Exerceu o cargo de Procurador-Geral da República de 2003 a 2005.

reprodução via vermelho.org.br

Texto originalmente publicado em http://claudiofonteles.blogspot.com.br/

*Imagens por Helio Carlos Mello©

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