Diário do Bolso: O pesadelo da conversa com Jesus

José Roberto Torero*

Diário, que pesadelo eu tive hoje! Deve ter sido um tipo de ressaca por causa da Marcha para Jesus. Foi assim:

Eu estava passeando num grande jardim, de bermuda e papete, quando vi um cara sentado no galho de uma goiabeira.

Como ele tinha cara de comunopetista, olhei pro outro lado e continuei andando. Mas ele assobiou e disse:

  • Ei, vai fingir que não me conhece?

  • Nunca te vi na vida, mas conheço um esquerdopata de longe. São todos peludos. As mulheres não raspam o sovaco e os homens são barbudos e têm cabelo comprido, que nem você.

  • Eu sou aquele que disse: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão a misericórdia.”

  • Nunca ouvi essa frase. Mas não concordo. Pra mim não tem essa de misericórdia. Bandido bom é bandido morto.

  • Tudo bem. Mas vai lembrar que eu disse: “Ame o teu próximo como a ti mesmo”.

  • Não é “Arme o teu próximo como a ti mesmo?”

  • Não. É “ame”. Como naquela minha outra frase: “Ame seus inimigos, abençoe quem te amaldiçoa e reze por aqueles que te maltratam.”

  • Mesmo se forem artistas e universitários?

  • Mesmo.

  • Nem morto.

  • E aquele meu versículo: “Venham a mim todos os que estão cansados e eu lhes darei descanso”?

  • Já sei: você é contra a reforma da Previdência.

  • Hum, deixa eu ver… De alguma frase minha você vai lembrar… Ah, já sei! Tem aquela: “Afastai-vos dos falsos profetas. Por seus frutos os conhecereis.”

  • Pô, não fala assim do Olavo. Ele tem uns seguidores muito bons. Tipo o Weintraub e o Ernesto.

  • E aquela: “Se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a esquerda”?

  • Se alguém me bater no rosto, mando bala.

  • Pelo menos vai lembrar que eu disse “Conheça a verdade e ela vos libertará”.

  • Ei! Esse é o meu slogan de campanha. Se você usar, eu te processo.

  • Poxa, eu sou Jesus.

  • Mentira! Jesus tem olho azul.

  • Olha, é o seguinte: vim aqui tirar satisfação por causa daquela marcha.

  • Você não gostou?

  • Se eu gostasse de marcha, tinha me alistado no exército romano. Estou chateado porque você fez arminha.

  • Arminha do bem, pô.

Aí ele balançou a cabeça, olhou para o céu e disse:

  • Pai, perdoai-o. Ele não sabe o que faz.


*José Roberto Torero
 é autor de livros, como “O Chalaça”, vencedor do Prêmio Jabuti de 1995. Além disso, escreveu roteiros para cinema e tevê, como em Retrato Falado para Rede Globo do Brasil. Também foi colunista de Esportes da Folha de S. Paulo entre 1998 e 2012.

@diariodobolso

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