José Roberto Torero*
Diário, que pesadelo eu tive hoje! Deve ter sido um tipo de ressaca por causa da Marcha para Jesus. Foi assim:
Eu estava passeando num grande jardim, de bermuda e papete, quando vi um cara sentado no galho de uma goiabeira.
Como ele tinha cara de comunopetista, olhei pro outro lado e continuei andando. Mas ele assobiou e disse:
- Ei, vai fingir que não me conhece?
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Nunca te vi na vida, mas conheço um esquerdopata de longe. São todos peludos. As mulheres não raspam o sovaco e os homens são barbudos e têm cabelo comprido, que nem você.
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Eu sou aquele que disse: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão a misericórdia.”
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Nunca ouvi essa frase. Mas não concordo. Pra mim não tem essa de misericórdia. Bandido bom é bandido morto.
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Tudo bem. Mas vai lembrar que eu disse: “Ame o teu próximo como a ti mesmo”.
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Não é “Arme o teu próximo como a ti mesmo?”
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Não. É “ame”. Como naquela minha outra frase: “Ame seus inimigos, abençoe quem te amaldiçoa e reze por aqueles que te maltratam.”
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Mesmo se forem artistas e universitários?
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Mesmo.
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Nem morto.
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E aquele meu versículo: “Venham a mim todos os que estão cansados e eu lhes darei descanso”?
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Já sei: você é contra a reforma da Previdência.
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Hum, deixa eu ver… De alguma frase minha você vai lembrar… Ah, já sei! Tem aquela: “Afastai-vos dos falsos profetas. Por seus frutos os conhecereis.”
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Pô, não fala assim do Olavo. Ele tem uns seguidores muito bons. Tipo o Weintraub e o Ernesto.
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E aquela: “Se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a esquerda”?
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Se alguém me bater no rosto, mando bala.
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Pelo menos vai lembrar que eu disse “Conheça a verdade e ela vos libertará”.
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Ei! Esse é o meu slogan de campanha. Se você usar, eu te processo.
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Poxa, eu sou Jesus.
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Mentira! Jesus tem olho azul.
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Olha, é o seguinte: vim aqui tirar satisfação por causa daquela marcha.
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Você não gostou?
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Se eu gostasse de marcha, tinha me alistado no exército romano. Estou chateado porque você fez arminha.
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Arminha do bem, pô.
Aí ele balançou a cabeça, olhou para o céu e disse:
- Pai, perdoai-o. Ele não sabe o que faz.
*José Roberto Torero é autor de livros, como “O Chalaça”, vencedor do Prêmio Jabuti de 1995. Além disso, escreveu roteiros para cinema e tevê, como em Retrato Falado para Rede Globo do Brasil. Também foi colunista de Esportes da Folha de S. Paulo entre 1998 e 2012.
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