Diário do bolso: briguei com o mundo todo

Viu só, Diário? Todo mundo e o mundo todo estão contra mim. Os comunistas dos EUA, a OMS, a Índia, a China... Se eu não fosse homem, acho que eu chorava.

Por José Roberto Torero*  Diário, hoje a conversa é séria: eu tenho dois problemas: o mundo todo e todo mundo.

Pra começar, os comunistas dos EUA me sacanearam não reelegendo o Trump. Pô, sem ele pra me dizer o que eu tenho que fazer, como é que eu fico? Será que os caras não podiam ter pensado um pouco em mim?

Foi o Donald que disse que eu tinha que ser duro com os chineses. Aí eu xinguei a China, o Dudu xingou a China, o Ernesto Araújo xingou a China, quase toda minha turma xingou a China. Falamos até que eles criaram o “comunavírus” para acabar com o capitalismo. E só por causa disso os chinas querem que eu peça desculpas, senão vão andar em passo de tartaruga com as vacinas. Pois eu não peço, não peço, não peço! Pode morrer um monte de gente que eu nem ligo.

Também briguei com a tal de Organização Mundial de Saúde (OMS). Ela falou contra a cloroquina, a favor da máscara, do loquidaum e dessas coisas esquerdistas. Então a gente entrou no consórcio da OMS para a compra de vacinas só com a cota mínima, para 10% da população. Podia ter entrado até com 50%, mas eu não quis. Vai morrer gente por causa disso? Vai. Mas nem ligo.

Com a Índia eu também briguei. Eles queriam que a gente apoiasse a suspensão temporária das patentes sobre suprimentos para o combate à Covid-19. Mas o Trump era contra, porque os laboratórios dos países ricos iam perder dinheiro. Então o Brasil também ficou contra e a ideia indianense dançou. Só por isso a Índia botou a gente no fim da fila para receber insumos. Vai morrer gente por causa disso? Vai. Mas eu não podia deixar o Trump na mão.

Viu só, Diário? Todo mundo e o mundo todo estão contra mim. Os comunistas dos EUA, a OMS, a Índia, a China… Se eu não fosse homem, acho que eu chorava.

Que que eu faço agora, Diário?

Mando o Ernesto e o Pazuello embora pra limpar a minha barra?

Pô, só porque vão morrer mais uns duzentos mil? Não, isso não é motivo.

Xi! Mas tem também a ameaça de impichimem. Aí a coisa complica. Se esse negócio crescer, pode ser que eu dê bilhete azul pros dois. Antes eles do que eu.

Mas, se for só gente morrendo, tudo bem. É a vida. Deles.

*José Roberto Torero é autor de livros, como “O Chalaça”, vencedor do Prêmio Jabuti de 1995. Além disso, escreveu roteiros para cinema e tevê, como em Retrato Falado para Rede Globo do Brasil. Também foi colunista de Esportes da Folha de S. Paulo entre 1998 e 2012.

#diariodobolso

PS: a ilustra é de Ivo Minkovicius.

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