Por que a Câmara de Curitiba vai cassar Renato Freitas? Punir um colega vai contra tudo que os vereadores da cidade acreditam – e no entanto, ficou claro que dessa vez não há escapatória. Derrotado no Conselho de Ética, Renato provavelmente sofrerá um resultado ainda mais humilhante em plenário. Perderá não só o mandato como os direitos políticos. Não exercerá mais o cargo para o qual foi eleito, nem poderá disputar as eleições de outubro.
Por Rogerio Galindo, do Plural
Mas por quê? A Câmara de Curitiba é conhecida por seu corporativismo: teve todas as oportunidades para cassar mandatos, e sempre recuou. Um presidente que mandou por 15 anos a Câmara com mão de ferro foi pego em um escândalo milionário – não foi cassado. Vereadoras foram pegas fazendo rachadinha em seus gabinetes – não foram cassadas. Um vereador cometeu assédio sexual – não foi cassado. Outro cometeu racismo explícito – e escapou.
Por que Renato Freitas não escapará? Por que pela primeira vez a Câmara decide que é preciso punir como máximo rigor um de seus pares. Uma vereadora que roubou o erário perdeu apenas o direito de falar ao microfone por uns dias. Renato Freitas será cassado, expulso da Câmara, expelido da vida política de Curitiba – será enxotado como um cão indesejado que entrasse pela porta da Câmara. Por quê?
Há motivos para isso, e não são difíceis de se perceber. Renato Freitas é vereador, e aí acaba toda a semelhança entre ele e seus pares julgados anteriormente. Em todo o resto ele é uma exceção. E ser fora do padrão é seu crime.
O primeiro erro de Renato Freitas foi nascer preto. O segundo foi nascer pobre. O terceiro foi nascer na periferia.
Claro, há outros vereadores negros (poucos). Há quem tenha nascido pobre, e sempre há os representantes da periferia. Mas Renato Freitas é diferente dele também. Porque há outros crimes que o levam a ser alvo dessa cassação.
Ao contrário de outros vereadores negros, ele é um dos dois únicos que fez da raça a causa de seu mandato – a outra é Carol Dartora, e não seria de se espantar se ela for a próxima.
Ao contrário de outros vereadores pobres, Renato Freitas fez da defesa dos pobres um motivo de seu mandato. Não usou seus eleitores para trocá-los por emendas, por cargos e privilégios, e sim realmente tentou mudar suas vidas.
Ao contrário de outros vereadores periféricos, Renato Freitas continuou estando à margem: fez questão de manter seu cabelo afro, para horror da Câmara; e para horror da Câmara, veste camiseta, anda de skate, fala como quem é.
Esse é o quarto crime de Renato – não ter mudado depois da eleição, nem ter decidido que a política era algo que deveria mudar sua vida. Muito pelo contrário, ter tomado a decisão de ser quem é e de usar a política para mudar a vida de seus eleitores.
O quinto crime de Renato Freitas foi achar que não era preciso baixar a cabeça. Que chegando à Câmara seria possível ser encarado como um igual. Isso jamais acontecerá. No mandato, foi chamado de moleque, destratado, detido, preso, arrastado, levado à força pela Guarda Municipal, que subiu em seu corpo negro e algemado, como numa pintura do século 18.
O sexto crime de Renato foi acreditar que a Câmara era um lugar para se fazer política, para lutar por causas, e não para se dobrar ao prefeito, aos empresários, aos donos da cidade.
O sétimo foi sua convicção de que uma cidade pode mudar rapidamente, que é possível convencer as pessoas de que é possível viver sem se sujeitar a regras econômicas injustas, que é dever de um político se rebelar contra o que vê de errado.
O crime de número oito foi ter orgulho. O de número nove foi não ter medo.
Mas o décimo crime, o realmente imperdoável, foi o de revelar com sua coragem o quanto são pusilânimes os vereadores em sua maioria. Aqueles que se elegem em nome da ambição pessoal; que se realizam ao ganhar loas e cargos; que vivem para si e para navegar em privilégios; e que jamais pensaram em mudar nada com seus mandatos. Pelo contrário: pois na maioria os vereadores de Curitiba, como a maior parte dos políticos, existe para garantir que tudo permaneça exatamente como está.
Existem para garantir que os pobres continuem pobres.
Que o prefeito possa governar para os privilegiados sem que haja uma revolta.
Existem para garantir que a educação seja frágil e “sem partido”.
Para ter certeza de que a ganância dos empresários do lixo, do transporte, da saúde seja saciada e passe impune.
Ocupam seus mandatos para ser parte de uma máquina que garante a divisão da cidade em mandantes e mandados. Nos que podem tudo e nos que nada podem.
Revelar essa monstruosidade, revelar a cumplicidade da Câmara com tudo isso, é imperdoável. Lutar contra o racismo quando a maioria dos vereadores é racista; cobrar justiça quando a maior parte da Câmara é injusta; exigir que as coisas mudem quando tudo o que os vereadores querem é que tudo permaneça no seu lugar, principalmente o que está errado; eis o crime imperdoável.
Renato Freitas será expulso da vida pública. Mas surgirão outros Renatos. Porque não é possível que isso permaneça para sempre. É preciso acreditar que as injustiças não perduram indefinidamente, ou perderemos a vontade de ser cidadãos.
A Câmara de Curitiba nos ensinou mais uma vez a eterna lição: não existe mudança que venha fácil. Mas os eleitores jovens, negros, pobres, periféricos de Curitiba ainda vão prevalecer. E nesse momento, os atuais vereadores vão ser vistos pelo que são – artífices voluntários de uma cidade sempre mais injusta e excludente.
25 respostas
Não baixe a cabeça,siga sendo esse homem negro de fibra sempre.
Melhor matéria jornalística que eu li no Brasil nos últimos tempos!
Parabéns
Excelente essa matéria. Admiro muito o Renato.
A periferia precisa aparecer, ser vista, notada politicamente, e o vereador Renato Freitas, tornou possível isso, e despertou a fúria da burguesia.
Não não foi por ter nascido preto e pobre foi por ser um ativista irresponsável inconsequente baderneiro aí está pagando o preço
Renato. Força pra você continuar na luta diário de um Brasil racista.
Repugnante e abjeta a decisão da Câmara de Curitiba. Precisamos de Renato, de sua indignação, de sua luta e sua coragem. Precisamos de muitos Renatos! Somos todos Renato Freitas. Fora, vereadores canalhas!
A câmara de Curitiba é o espelho da sociedade sulista:
Covarde,injusta,racista, ignorante,mas sobretudo preconceituosa!! Esta decisão era esperada por todos que conhecem aquela camarilha!!!
O mundo da desigualdade fala mais alto infelizmente!
Retrato de um país apodrecido
Verdade, Curitiba é uma cidade linda, mas super excludente. Feita para homens brancos. Uma pena!
Concordo e parabenizo, Rogério Galindo.
Ok, mas qual a acusação formal da casa? A que entra para os autos, anais e outros salamaleques?
Recriem os Diretórios Estudantis , e verão nascer vários Líderes como Renato . Diretórios geridos por estudantes (e não por professores de educação física )nas Escolas Públicas e Privadas
. Antigos berços geradores de lideres comunitários .
Força Renato! Estamos com você! Um dia a periferia acordará e tirará esses mercenários da câmara. Não desista, lute! E continue sendo quem você é…um cidadão que merece todo nosso respeito. Abraços companheiro!
É uma safadeza, é racismo .
Um absurdo não podemos ficar de braços cruzados esperando acontecer ,moro muito longe de Curitiba, não posso me manifestar pessoalmente, mas deixo aqui meu repúdio a esse ato de covardia,
Lamentável. Mas é isso mesmo, não se pode ir contra o sistema ou se é expulso. O mesmo ocorreu com o deputado de SP que, embora seja execrável, só foi punido por arrumar briga com seus pares. Quem sabe, um dia, isso mude… só depende de nós.
Não acredito que a Câmara de Curitiba vai caça – l o
Não se pode discriminar que punir o ato de ser diferente,pensar diferente e ter uma cultura diferente!
Um absurdo tudo isso, essa cidade sempre foi racista e preconceituosa. Mas essa onda de ódio e injustiça passará, Renato é jovem e logo logo dará a volta por cima. Força Renato, tamo juntos.
Texto triste e incrível! Essa é a nossa cruel realidade. Realmente esses são seus crimes
Realmente os crimes são grandes ……lutar com a ordem vigente e pelo consenso fabricado e mantido pela ordem dominante não é para qualquer um, e na maioria das vezes, sacrifica inocentes. Renato Freitas é culpado de se impor e tentar com todas as suas forças lutar contra as injustiças denunciando a estrutura injusta e o cruel produto disso ….a pobreza, a doença, a miséria, a fome e a morte dos mais humildes.
Força Renato Freitas……. você é um guerreiro!!
Para aqueles políticos, empresários e puxa sacos que se voltam contra um dos únicos mandatos na Câmara de Curitiba que realmente representa o pobre trabalhador negro e demais etnias digo: ” CUIDADO SENHORES, CUIDADO, A MÃO DE DEUS PESARÁ SOBRE VOSSAS CABEÇAS”.
Outros Relatos virão; convencer a classe dominante que é preciso reduzir seus privilégios sem ruptura da ordem é conversa; mas outros Renatos virão.
A cassação de Renato Freitas revela o racismo da Câmara Municipal de Curitiba