Pela televisão, no rádio, celular ou em qualquer outro dispositivo é possível notar um crescimento considerável no número de notícias sobre o novo coronavírus. Desde 31 de dezembro de 2019, dia em que Wuhan, cidade chinesa considerada um dos epicentros da pandemia, registrou o seu primeiro caso todo o mundo voltou os olhos para esse que se tornaria o principal assunto diário.
Ao passo que o vírus se espalhava rapidamente por diversas partes do globo, jornalistas presenciaram mudanças expressivas nas suas rotinas de trabalho, seja pelos telejornais mais longos, pela impossibilidade de fazer entrevistas presenciais, ou até mesmo nas dificuldades em conseguir informações oficiais precisas.
Em Mato Grosso esta realidade não ficou distante, com redações menores e uma demanda por informação crescente, foi fácil encontrar relatos de profissionais de imprensa que tiveram dificuldades na hora de começar a cobrir o assunto no estado.
Apesar do primeiro caso de Covid-19 ser confirmado pela Secretaria de Estado de Saúde (SES) em 20 de março, semanas antes já começavam a circular na imprensa possíveis casos subnotificados, ou seja, pacientes testados positivos, mas sem confirmação dos laboratórios credenciados pela Ministério da Saúde (MS).
Entre a demora na apuração dos órgãos estaduais e as dificuldades no entendimento das informações extra-oficiais, surgia para o jornalista a dúvida sobre a real situação do estado frente ao avanço da pandemia, e também como isso seria transformado em notícia.
Completando na próxima semana um mês desde a confirmação do primeiro caso do novo vírus no estado, já foram publicadas mais de mil matéria em quatro dos principais veículos digitais de Cuiabá, capital mato-grossense, dessas aproximadamente 55% refletem a realidade local.
COBERTURA ONLINE
Para a cobertura online existiram outros desafios para além da divulgação de informações, como a rapidez das publicações e descobertas das novidades. Por isso, em meio à atmosfera virtual, os jornalistas lidavam com a pressão de entender os dados e divulgá-los ao público no menor tempo possível.
Segundo João, jornalista de um dos sites que cobrem política e cidadania em Mato Grosso, a necessidade de imediatismo compromete tanto o entendimento de como transmitir a notícia, quanto como as informações serão compreendidas pelo leitor.
“É interessante fazer o recorte para o contexto do jornalismo online, no sentido de que nesta modalidade tem que se publicar notícias a todo momento. E nesse cenário de pandemia não foi diferente, porém era tudo novo, porque entre os jornalistas, como na população geral, não havia um entendimento muito claro sobre o assunto, o que causava um desencontro de discursos. Como foi o caso da maioria dos sites de Mato Grosso que cometeram alguns erros por falta de tempo de investigação dos dados”, explicou o jornalista.
OS DESAFIOS DA COBERTURA
“Vivemos em um paradoxo, se considerarmos totalmente confiáveis as fontes oficiais, corre o risco de sermos induzidos ao erro que eles querem que a gente cometa. Mas também se colocarmos tudo em suspensão, corremos o risco de ficarmos muito no escuro, sem muita base”, revelou Carlos, outro profissional de imprensa entrevistado pelo Com_Texto.
A fala do jornalista demonstra um sentimento compartilhado por muitos, a incerteza na hora de cobrir um fato até então desconhecido. Em uma realidade distante do eixo sudeste (Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais), onde o fluxo de informações acaba se concentrando, os profissionais mato-grossenses contaram que vivem entre um grande impasse: depender dos dados oficiais das secretarias governamentais ou ir em busca das subnotificações.
Funcionário de um veículo digital, que faz parte de um grupo que possui também jornal impresso e canal de televisão, o jornalista afirmou que um dos maiores desafios na cobertura do novo coronavírus está na dependência que os profissionais possuem das assessorias de imprensa governamentais, tal fato é conhecido nos meios teóricos como “jornalismo declaratório”, ou seja, aquele que se faz apenas com informações dadas por fontes oficiais.
Entretanto, outros profissionais analisaram como positiva a proximidade entre a assessoria da SES e os jornalistas, no atual cenário de pandemia.
“Avaliei como positivas ações como a do Ministério Público, que restringiu a emissão de boletins epidemiológicos pelos hospitais em Mato Grosso. As informações são muito complexas, não sei o quão estamos preparados para acessá-las”, defendeu João.
Outro ponto positivo levantado pelo jornalista está na organização proposta pela Secretaria, com transmissões ao vivo feitas diariamente nos canais oficiais do Governo do estado nas quais o atual secretário de Saúde, Gilberto Figueiredo, atualiza os números oficiais dos dados em Mato Grosso, e posteriormente abre para as perguntas feitas pelos jornalistas.
Além disso, também é disponibilizado à imprensa um boletim epidemiológico com a atualização diária, contendo número de casos suspeitos e confirmados.
“Eu diria que a comunicação do governo está sendo efetiva nesse sentido, não tá dando brecha para a gente ter desinformações e desencontros, eles estão se comportando de maneira muito aberta nesses dias”, concluiu João.
Já para Carlos, a dinâmica feita pela Secretaria pode limitar o acesso dos profissionais a real situação do estado. Para ele, as transmissões ao vivo também podem ser uma forma de controlar o acesso dos jornalistas aos dados reais.
“É muito bom para eles, porque nessas lives existe um domínio e filtragem das perguntas por parte da assessoria. Tem perguntas importantes que eles não respondem. Da mesma maneira que o governo federal edita a LAI (Lei de Acesso a Informação) para tornar as informações mais inacessível, o governo de Mato Grosso cria estratégias para enrijecer uma coletiva de imprensa e ao mesmo tempo silenciar alguns repórteres”, rebate.
Apesar de posicionamentos distintos em relação às medidas adotadas pelos meios de comunicação do governo, os dois jornalistas dividem a mesma posição quando o assunto é a importância em acompanhar e noticiar as subnotificações.
“Segundo o próprio secretário de Saúde, só serão testadas pessoas que apresentem sintomas graves. Esse tipo de postura coloca o estado em uma situação que foge do que foi implementado nos lugares que têm lidado bem com a doença. Nesse cenário, eu vejo importância sim em conhecer e acompanhar os casos suspeitos”, disse João.
O PRIMEIRO MÊS DE COBERTURA EM DADOS
Para esta reportagem foram monitorados quatro sites de notícias veiculados em Mato Grosso, além do portal oficial da SES. No período de 1 a 31 de março, contabilizamos um total de 1.193 publicações que citam a palavra “coronavírus”. Entre notícias próprias, reproduções de outros veículos e colunas de opinião, os sites mato-grossenses apresentaram um primeiro mês de cobertura com posturas similares.
Dentro dos número levantados, o Com_Texto também observou que em comparação com o contingente de notícias publicadas pelos veículos regionais, mais da metade tratava-se de publicações de outros sites. Assim, no cenário de 1.193 notícias publicadas em um único mês, cerca de 649 tinham como autor um meio diferente daquele que as compartilhavam, trazendo pautas gerais sobre situações de enfoque nacional e cotidiano dos famosos.
Esse número pode se justificar pela demora na confirmação oficial dos primeiros casos no estado, e também pela dificuldade encontrada pelos jornalistas no início da cobertura.
“No início estávamos muito perdidos, no sentido de para quem a gente daria atenção. Se seria para o laboratório que emitia diariamente um boletim epidemiológico, se para a Secretária Municipal de Saúde ou se para a Secretária de Estado de Saúde. De todas as formas existiam desencontros de informações”, revelou João.
As assessorias dos órgãos governamentais tiveram um papel decisivo no fluxo de informações que chegavam até a população durante esse período. E esse panorama fica mais evidente quando analisada a quantidade de releases disponibilizados pela Secretaria de Saúde de Mato Grosso em comparação com o volume de notícias publicadas pelo sites.
Os dados acima correspondem aos números de postagens da Secretaria de Saúde de Mato Grosso e do site que mais publicou notícias em março. A projeção mostra que na primeira semana, quando o assunto ainda não era a principal pauta do órgão, o site também não produzia notícias relacionadas ao vírus em grande escala. Realidade que sofre mudança no segundo terço do mês, com o anúncio da confirmação do primeiro caso de Covid-19 no estado.
Segundo Maria, jornalista de um dos principais sites de notícia do estado, sua preocupação com a pauta surgiu logo após a confirmação dos primeiros casos na China, entretanto, não tinha tanta abertura para abordar o tema no trabalho.
“Foi difícil produzir matérias no início. Fiz uma sobre cancelamento de viagens e um dos entrevistados acusou os jornalistas de serem os causadores da crise, que estávamos superdimensionando o tema. Reconhece esse discurso?”, contou a jornalista.
Após esse início conturbado de cobertura, os veículos passaram a se movimentar mais diante do assunto que ganhou todos os holofotes nas últimas semanas.
Com isso, dois sites se destacaram na análise feita pelo Com_Texto, como apresentado no infográfico abaixo:
De todos os sites analisados ficou na primeira posição do ranking o site I, com 380 matérias publicadas, já o site II ocupou o último lugar, com 170 postagens, por ter sido o que menos compartilhou notícias sobre o tema em março.
Mesmo com a diferença na quantidade de postagens, as análises demonstram que o comportamento dos portais de notícias possuem algumas semelhanças, como a prioridade por produção de notícias produzidas pelos jornalistas de cada veículo; o uso de formatos variados de textos, nos casos de artigos de opinião e o hábito de replicarem notícias de outros veículos.
Contudo, a diferença mais expressiva da análise é que o site que menos vezes tratou sobre o tema foi justamente o que mais se dedicou a produção autoral dos conteúdos.
E mesmo com as diferenças, os desafios diante do avanço rápido da pandemia fizeram com que todos os profissionais de imprensa trilhassem a mesma caminhada, a da informação apurada e precisa. Do primeiro mês desenhado pelas incertezas que o tema impõe, o que ficou foi a necessidade da coletividade.
“É um trabalho coletivo, porque a visão de credibilidade não depende só de um veículo, depende de todos os jornalistas trabalhando com alguma coerência”, concluiu Carlos.
Para esta reportagem utilizamos nomes fictícios a fim de preservar os jornalistas entrevistados e também os veículos analisados.
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