Depoimento emocionado da jornalista Martha Raquel ao General Mourão

Martha Raquel com sua mãe e sua tia

São Paulo, 18 de setembro de 2018

General Mourão,

Escrevo essa carta pra tentar te tirar da escuridão e da ignorância. Ontem o senhor, que é vice de Jair Bolsonaro ao cargo de Presidente do Brasil, disse que famílias pobres chefiadas por mães e avós, são “fábricas de desajustados que fornecem mão de obra ao narcotráfico”. Pode ser que o que o senhor disse seja falta de caráter, ruindade, falta de respeito, mas prefiro acreditar que seja apenas ignorância. Mas também pode ser que o senhor seja apenas um homem mau, sem caráter e sem qualquer respeito por ninguém.

Sabe, general, eu fui criada pela minha mãe e minha tia lá em Americana, interior de São Paulo. Meu pai, lá em 1994, desapareceu depois que descobriu que a minha mãe estava grávida e desde então nunca mais deu as caras. Foi difícil, muito difícil mesmo, mas a mãe guerreira que eu tenho sempre trabalhou em 2 empregos para não deixar faltar nada em casa. Minha tia se aposentou muito cedo por invalidez por um problema nas mãos, e ela, junto com a minha mãe, foi a pessoa que me educou.

Lembro da minha infância e de como minha mãe saía antes das 05h da manhã para trabalhar e voltava depois das 22h. Minha tia me arrumava e me levava pro colégio. Ela me ensinou a ler e a escrever (com letra de mão!) aos 4 anos. Desde criança sempre fui estimulada a fazer aulas de teatro, dança, desenho e qualquer outra coisa que me interessasse. Também fui apoiada quando quis jogar futebol de areia e futsal. Por anos fiz ginástica olímpica também. Minha família de duas mulheres, uma aposentada por invalidez e uma que trabalhava quase 17h por dia, fazia o possível e o impossível pra me criar da melhor forma possível.

General, eu não sei se o senhor tem noção do que é cuidar de uma família e criar filhos sem uma rede de apoio, no subemprego, lidando com todo tipo de violência física e simbólica sem os privilégios que os militares possuem. Minha casa era sustentada com o salário de aposentada da minha tia (um salário mínimo) e com a junção de 2 salários da minha mãe (no emprego fixo ela ganhava pouco mais que um salário mínimo e mais o que ela conseguia fazendo bicos).

Minha mãe é urditriz, o senhor sabe o que é essa profissão, general? Urditriz é a pessoa que opera a urdideira, uma máquina enorme que enrola os fios alinhados antes de levar o rolo para o tear. Na máquina que a minha mãe trabalha são 640 carreteis de linha para formar o rolo. São 8 andares de fios que a minha mãe precisa emendar caso o fio quebre. Ela passa o dia revezando entre subir numa escadinha e ter que agachar para emendar os fios. Imagine fazer isso por 17h todos os dias, general.

 

Minha família não é desajustada, a minha família é composta por 3 mulheres guerreiras, que sempre enfrentaram tudo e todos de frente, sem medo. Minha mãe e minha tia são as mulheres mais fortes que eu conheço! Me criaram da melhor forma que podiam e me deram a melhor educação que eu podia receber. Um pai ou um avô nunca nos fizeram falta. Hoje eu sou jornalista formada pelo PROUNI, sou fruto dos esforços da minha mãe e da minha tia, e também de um programa de acesso a educação criado e fortalecido no governo do Partido dos Trabalhadores.

Não sei se você sabe, general, mas 28,6 milhões de famílias, segundo o IBGE, são chefiadas por mulheres. E 5,5 milhões de crianças sequer tem o nome do pai na certidão de nascimento. Eu sou uma delas.

A vida é diferente pra quem tá do lado de cá, de quem não tem pensão, de quem não tem auxílio isso, auxílio aquilo. A rotina não é fácil quando você tem medo do fim da CLT e do fim da aposentaria. Eu sei que o senhor não precisa se preocupar com isso, general, mas a gente precisa. E como precisa.

Como candidato a vice-presidente, espero que o senhor se informe mais sobre a realidade das famílias no Brasil. Eu sou apenas um caso.

Martha Raquel Rodrigues, parte de uma família de 3 guerreiras.

 

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