De arma na mão, Carla Zambelli corre atrás de homem negro que gritou “Amanhã é Lula”

Sintoma do bolsonarismo: apoiadora do presidente, deputada Carla Zambelli saca a arma e ameaça atirar em opositor
CarlaZambelli arma em punho
Carla Zambelli: Pronta para matar, na véspera da eleição (Reprodução)

A deputada Carla Zambelli (PL-SP), correligionária de Bolsonaro, atravessa a rua e entra em um bar atrás de um homem negro, depois identificado como Luan Araújo, jornalista. De arma em punho, mais de uma vez, ela determina: “Deita no Chão”. O vídeo com esta cena – registrada na esquina da Alameda Lorena com Rua Capitão Pinto Ferreira, na região dos Jardins, em São Paulo – viralizou na tarde deste sábado (29/10), véspera da eleição. Nas imagens, é possível ver a disposição da deputada, pronta para tudo, inclusive matar.

Como deputada federal, Carla Zambelli pode ter porte de arma. Mas ela sabe que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibiu o transporte de armas nas 24 horas que antecedem a eleição, no dia do pleito e também nas 24 horas do dia seguinte.

Usando argumentos parecidos com os que Bolsonaro adota para criticar a Justiça, em especial o Supremo e o TSE, Zambelli disse à imprensa que desobedeceu deliberadamente a determinação por considerar que “ordens ilegais não se cumprem”.

A decisão, assinada em setembro por Alexandre de Moraes, presidente do tribunal, prevê que o descumprimento pode resultar em prisão em flagrante. “Ele não é legislador, ele é simplesmente o presidente do TSE e um membro do Supremo Tribunal Federal. Ele não pode, em nenhum momento, fazer uma lei”, disse Zambelli.

Um relatório produzido por técnicos do setor de inteligência e combate à desinformação do TSE aponta que a conduta pode configurar crime eleitoral não só por Zambelli estar armada, mas ainda por tentativa de tumultuar o processo eleitoral.

No 4º Distrito Policial, o Prerrogativas, coletivo formado por juristas em defesa dos direitos humanos, pediu a prisão da parlamentar. O grupo registrou no boletim de ocorrência denúncia por racismo, agressão e porte ilegal de arma de fogo na véspera da eleição.

Um vídeo registra o que aconteceu antes

Circula também nas redes um vídeo gravado minutos antes da ação de Carla Zambelli dentro do bar. Nas imagens, a deputada do PL parece revidar a algo que Luan teria dito. Ao esboçar uma reação, ela tropeça entre a calçada e o meio-fio, sendo protegida por um segurança, mas não chega a cair.

O jornalista sai andando. Zambelli então se ergue e começa a correr atrás dele. Um dos homens que a acompanham aponta uma arma para o jornalista, que é chutado e corre.

No vídeo, é possível ouvir um disparo. Mas não se pode concluir que tenha partido de Zambelli ou do segurança.

De bermuda, desarmado, Luan Araújo entra no bar para se proteger. Zambelli, segurando a arma com as duas mãos, vem logo atrás. Ela usa uma camiseta verde, onde se lê frase da campanha de Bolsonaro. Luan tem um boné do MST.

O estopim da briga

Um terceiro vídeo, que apareceu horas depois do ocorrido, revela Luan Araújo dizendo: “Tira o celular da sua mão. Amanhã é Lula, irmão. Tchau, até amanhã”. Carla Zambelli adverte: “Você tá me cuspindo”; “O que foi que você disse? Fala de novo”. E o jornalista repetiu, acrescentando: “Vocês vão voltar para o bueiro de onde não deveriam ter saído, seus filhos da puta.”

A versão do jornalista

Luan, que votará em Lula (PT) para presidente, admite que ofendeu Zambelli. Ele saía de um chá de bebê quando ouviu a deputada dizer: “Amanhã é Tarcísio”. A parlamentar se referia ao seu candidato Tarcísio de Freitas (Republicanos), que disputa o governo de São Paulo.

Nesse momento, Luan xingou Zambelli, e as pessoas que estavam com ela passaram a filmá-lo. Ele dizia: “Tira o celular da sua mão. Amanhã é Lula, papai”. No fim da discussão, o jornalista mandou um “te amo, espanhola”, que “era a frase do senador Omar Aziz na CPI da Covid”.

Luan relata que a confusão aumentou e ele saiu correndo para o bar. “Eles quiseram me botar no chão como se fossem da polícia. Mas eles não são polícia, então eu obviamente não fui para o chão”, lembra. “Eles queriam que eu pedisse desculpa, aí eu pedi desculpa.

Acusação a Janones

Assim que deixou o bar, Zambelli gravou uma mensagem para suas redes sociais, dizendo que havia feito um Boletim de Ocorrência e que seguiria até o DEIC para denunciar “mais de 200 ataques” que ela teria sofrido. “Nesta noite foram muitos crimes”; “incluindo ameaças de morte”. “Uma partiu de São Paulo”; ”Dizia que daria tiro de 12 na minha cara”. As ameaças – afirmou Zambelli –  estariam sempre atreladas a “vídeos do Janones”.

Ela se referia ao deputado federal eleito André Janones (Avante-MG), que apoia Lula de forma contundente nas redes sociais. Zambelli garantiu que irá denunciá-lo.

“Usaram um negro para me agredir

Na versão de Zambelli o caso deste sábado começou quando ela almoçava em um restaurante. Estava com o filho, e pela janela de vidro foi vista por pessoas que estavam do lado de fora.

Ao sair, ela teria sido ofendida por “um grupo de homens e uma mulher de vermelho” – que Zambelli concluiu serem “militantes do Lula”.

A história que Zambelli conta é moldada pelo racismo: “Me empurraram no chão. Um homem negro… Usaram um negro para vir em cima de mim. Eles eram vários”. A deputada ergue a calça jeans para mostrar que havia sido ferida. Mas, o ponto quase invisível perto do joelho pode ter sido resultado do tropeção na calçada.

A deputada, na justificativa gravada em vídeo, diz ainda que o homem que manteve sob sua mira havia cuspido nela antes, além de xingá-la de puta e vagabunda.

“Saquei a arma e fui correndo atrás dele, pedindo para ele parar porque eu ia chamar a polícia e dar flagrante. Ele pediu desculpa, falei que ele podia ir. E aí ele começou a fazer de novo”.

Testemunha da investida de Zambelli

João Guilherme, vice-presidente estadual da Juventude Socialista do PDT, estava no bar quando viu Zambelli entrar. Ele conta que a deputada enfiou a arma na cara do homem que perseguia, dizendo: “Você me xingou, agora você vai ver. Segundo João Guilherme, Zambelli apontou a arma também para as outras pessoas que estavam no bar.

Ele temeu, porque na sua camiseta estava escrito: “Agora sou 12 + 1”. Doze é o número do PDT, que passou a apoiar Lula no segundo turno, depois da derrota de Ciro Gomes, candidato do partido. João Guilherme lembra que os seguranças de Zambelli bateram em Luan.

O episódio é muito grave e precisa a ser investigado, assim como as ameaças que Zambelli alega ter sofrido pela internet. Pelo menos um disparo foi ouvido. Poderia ter provocado morte na rua por onde passavam muitas pessoas, incluindo as que seguiam para a Avenida Paulista, a algumas quadras de distância. Ali, aconteceria o ato de encerramento das campanhas de Lula, que lidera a corrida presidencial, e de Fernando Haddad (PT), oponente de Tarcísio, aliado da deputada.

O agudo sintoma de uma doença chamada bolsonarismo

As cenas refletem intolerância política, perseguição, ânimos exaltados em um pleito conflagrado, marcado por ódio e riscos de tragédia. O que Zambelli protagoniza é mais um caso inflado pela política armamentista do governo federal, que ela defende com unhas, dentes e – agora – de arma em punho.

De Roberto Jefferson, já se sabia do alto grau de periculosidade que carrega. O ex-deputado do PTB, parceiro de Bolsonaro em muitas batalhas, exibia potencial destrutivo postando fotos e vídeos ao lado de seu armamento bélico particular.

Mas foi uma surpresa para a população descobrir que Zambelli, igualmente, é um perigo público. Mulher, mãe, deputada federal, ela comunga com o sangue e é capaz de atirar no meio da rua, numa tarde de sol, para todo mundo ver.

Legado do bolsonarismo, Zambelli passa a falsa ideia de que pessoas comuns precisam andar com uma pistola embaixo da camisa para se proteger, como se o Brasil fosse a terra sem lei, o campo de guerra onde vândalos florescem.

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