De antiquado a meme: a trajetória digital de Bolsonaro

Por Jullie Utsch para os Jornalistas Livres

 

Bolso quem?

Pouco encontraria sobre Jair Messias Bolsonaro quem pesquisasse seu nome na Internet há dez anos , além de entrevistas explorando sua personalidade em busca de aspas chocantes. Não porque fosse algum político novato; Bolsonaro acumula quase 30 anos de mandatos públicos. Mas foi em 2014 que multiplicou em quase quatro vezes seu montante médio de votos, sendo o parlamentar mais votado no Rio de Janeiro. O político contabilizava, em julho deste ano, mais de 14,3 milhões de menções no buscador Google. Ao longo da campanha presidencial, foi a quase 66 milhões de resultados. Se o candidato hoje conta com uma gigantesca rede, o início de sua trajetória digital deixa a entender que a ascensão desse império foi possibilitada, ao menos em parte, pela mídia tradicional.

Bombando na Internet

Em meio a períodos meio apagados nas redes, Bolsonaro teve dois picos significativos de buscas pré 2014, quando solidificou seu crescimento no buscador.

O primeiro pico de buscas contendo seu nome diz respeito ao episódio de agressão verbal à também deputada Maria do Rosário (PT-RS), em 2008, que rendeu um processo judicial movido pela parlamentar. Ao rememorar o episódio, disse que a parlamentar o chamara de estuprador, mas que ele não estupraria porque ela não merece.

O segundo pico diz respeito à entrevista concedida em 2011 ao programa CQC, do canal Band. Bolsonaro responde à cantora Preta Gil que não corria o risco de ter uma nora negra, já que seus filhos seriam “bem criados”. Se, por um lado, os episódios causaram revolta e mobilização contrária ao deputado, também lhe angariaram um séquito pela sua pecha de “politicamente incorreto”. O resultado: sagrou-se como deputado federal mais votado da história no Rio de Janeiro, com o menor custo: 0,89 centavos por eleitor.

O primeiro pico de buscas contendo seu nome diz respeito ao episódio de agressão verbal à também deputada Maria do Rosário (PT-RS), em 2008, que rendeu um processo judicial movido pela parlamentar. Ao rememorar o episódio, disse que a parlamentar o chamara de estuprador, mas que ele não estupraria porque ela não merece.

O segundo pico diz respeito à entrevista concedida em 2011 ao programa CQC, do canal Band. Bolsonaro responde à cantora Preta Gil que não corria o risco de ter uma nora negra, já que seus filhos seriam “bem criados”. Se, por um lado, os episódios causaram revolta e mobilização contrária ao deputado, também lhe angariaram um séquito pela sua pecha de “politicamente incorreto”. O resultado: sagrou-se como deputado federal mais votado da história no Rio de Janeiro, com o menor custo: 0,89 centavos por eleitor.

Atualmente com quase 8 milhões de seguidores em sua fanpage, Jair Bolsonaro é o presidenciável do Brasil mais popular no Facebook e nas classes mais abastadas (um público íntimo da Internet). Segundo o Datafolha, era o favorito da população com renda a partir de 10 salários mínimos. E 97% desse público está online de acordo a CGI-Br, o que favoreceu seu primeiro impulso na rede. Entre Junho de 2013 e Junho de 2018, foram 2.4 mil postagens com 5,6 milhões de comentários, em uma média de 2,2 mil por dia, com 2014 sendo um ponto marcante.

Comentários na página de Bolsonaro ao longo do tempo

A ‘nova’ política

Para Levitsky e Ziblatt, professores da Universidade de Harvard e autores de “Como as Democracias Morrem” (Zahar, 2018), há alguns critérios que definem tendências autoritárias. Um deles é o questionamento do rito democrático. Bolsonaro coloca em xeque o processo eleitoral, confrontando-o como ilegítimo. A resistência reforça-lhe a fama de anti-político, tornando-o diferente da classe política aos olhos do eleitorado.

Esse movimento de deslegitimação do processo eleitoral certamente não foi inventado por ele. Logo após a vitória de Dilma Rousseff, começa o burburinho gerado pelo pedido de recontagem de votos, capitaneado pelo PSDB. Porém, sem a imagem de “novidade” colada em si, o PSDB foi igualmente afetado pela crise representativa que impediu o mandato petista.

Em 2014, envolvido nos atos capitaneados por MBL, Vem para a Rua e Revoltados Online, Bolsonaro conquistou a simpatia da classe média que foi às ruas de verde e amarelo pedir a saída do PT do poder, questionando a legitimidade eleitoral; por fim, acusando a presidenta Dilma Rousseff de crime de responsabilidade fiscal. 2015 é quando o discurso antipetista chega a um ponto crítico, enquanto os números da economia permanecem a cair. E começa-se a vislumbrar Bolsonaro como uma possível figura para a corrida presidencial.

Interesse por “corrupção pt” no Google, ao longo do tempo. O pico é de Outubro de 2014.

Ainda em 2014, os termos Bolsonaro 2018 começam a ser pesquisados no Google, indicando um crescimento no interesse de sua candidatura. Mas é em 2016 que ganham força total, logo após o golpe parlamentar contra Dilma Rousseff.

Gráfico – trends do termo “Bolsonaro 2018” no Google. O marcador está em Setembro de 2014.

Em meados de 2014, a pré candidatura ganha força e passa a ser demandada pelo Facebook. O gráfico abaixo mostra o crescimento da expressão “Bolsonaro 2018” nos comentários de sua fanpage.

“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”

Bolsonaro adotou o lema “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” que, junto ao nome do autor, é presença constante nos comentários de sua página. Parte significativa das mensagens contém os termos “brasil”, “deus”, “país”, “povo” e “família”. Outros temas se eclipsavam em meio aos bordões.

Nuvem de palavras: todos os comentários de sua página até Julho de 2018.

É natural que o termo mais recorrente em comentários de uma página presidencial seja o nome do candidato. Se removemos porém as palavras Jair Bolsonaro, presidente, e outras, compreendemos em torno de que eixos giram as conversas nas caixas de comentários de sua página.

Sem termos como ‘bolsonaro’, ‘presidente’, ‘brasil’, ‘2018’. De Julho de 2013 a Julho de 2018.

Ficam evidentes não só os valores propagados pelo deputado (deus, país, povo, “o cara”, mito, família e todos aparecem em destaque) como também um grande antagonismo: lula, esquerda e pt são alguns dos termos mais recorrentes. A beligerância dá o tom: “merda” aparece mais vezes do que “educação”, por exemplo.

E quanto a Bolsonaro, sobre o quê fala? Apesar de usar e abusar do formato vídeo, deixando pouco espaço para a escrita, é interessante observar quais são as palavras mais usadas nas postagens. O nome do candidato é o assunto mais repetido em suas publicações, como provavelmente o seria na página de outro candidato qualquer.

Nuvem de palavras: postagens por Bolsonaro, de Junho de 2013 a Julho de 2018.

Ao removermos o nome a palavra ‘brasil’ da lista de termos, podemos entender em torno de quê giram as suas postagens.

O parlamentar fala significativamente menos em ‘Deus’ ou ‘família’ do que seu público. Além do PT, menções a Lula e Dilma e à esquerda são significativas. Bolsonaro utilizou o antipetismo como estratégia fundante, e foi em 2014, o ano em que se acirra a polarização política, que sua figura finalmente decola na rede, concatenando o discurso conservador com uma crítica ferrenha ao projeto petista. Uma vez que o Partido dos Trabalhadores (que sempre participou do jogo democrático respeitando as normas, sendo reconhecido por adversários por tal)é colocado em cheque não como adversário político, mas como inimigo nacional, a democracia sai enfraquecida, abrindo frestas para que autocracias se estabeleçam.

Esse flerte com o autoritarismo é antigo. O militarismo foi a sua pauta ao longo de todo esse tempo, entre frases de efeito e ameaças. Durante o ato de declaração do voto ao Impeachment de Dilma Rousseff homenageou livremente Brilhante Ustra (de quem a ex-presidenta relatou já ter sido vítima em tortura). Recentemente, a campanha de Bolsonaro solicitou ao TSE que vetasse a propaganda eleitoral petista que focava na violência da tortura militar. A propaganda continha trecho de um filme onde era encenado o pau-de-arara. O pedido foi acatado, e a propaganda foi retirada do ar.

Para arrecadar os votos mais difusos e indecisos, por um lado rejeita a pecha de homofóbico, machista e racista. Por outro continua a incitar a violência. A estapafúrdia polêmica falsa do kit gay, apelido dado à cartilha anti-homofobia sugerida pela UNESCO revela a ponta desse iceberg.

Interesse pela pesquisa ‘kit gay’ ao longo do tempo, no Google.

Mesmo tentando se isentar de qualquer responsabilidade, o discurso tem efeitos concretos. Membros da Human Rights Campaign relatam um aumento significativo em bullying envolvendo expressões de ódio após o começo do mandato de Donald Trump, uma das inspirações declaradas de Bolsonaro. Um país comandado por um intolerante parece abrir brechas de intolerância, reforçando uma sensação de segurança ao ser representado por alguém que compartilha dos mesmos valores. Quase como uma profecia, vimos igualmente uma explosão violenta tomando as ruas nas últimas semanas, marcando um período de crimes por motivação político-partidária sem precedentes desde a abertura democrática.

Os episódios não reduziram o discurso violento. No dia 21/10, declarou que o Brasil conhecerá uma limpeza nunca antes vista. Ante à banalização histórica do regime militar, a cartilha anticomunista disparada anonimamente em massa pelo Whatsapp e o profuso terreno de vulgarização da democracia, há motivos para acreditar que não são somente os petistas que possuem algo a temer.

Contra tudo o que está aí

Analisar o discurso de Bolsonaro é concluir que não há propostas, mas sim anti-propostas. Foi, essencialmente, surfando em uma profunda crise econômica e política que Bolsonaro capitalizou em cima do ódio. É o eterno antagonista, que pulveriza-se na ausência de um inimigo unificante.

Em Eichmann em Jerusalém, Hannah Arendt desnuda a alma simplória de Adolf Eichmann, um oficial medíocre do exército nazista. Surpreende-se, ao acompanhar seu julgamento em Israel, com sua figura, tanto pouco inteligente quanto ordinária. Ao esperar de um nazista que se pareça um monstro, esperamos demais dele; um totalitário, é, antes de tudo, um homem comum. Quem compartilha o mal enquanto projeto não o faz individualmente, mas enquanto coletividade, o que não exime responsabilidades individuais. Banalizá-lo – o mal em suas formas diversas: tortura, violência, racismo, misoginia – em tempos de aprofundamento democrático, enquanto encontra-se resistência (se não estrutural, ao menos política) ganha ares de transgressão.

Desacostumados ao fazer político, não sabemos coletivamente o que fazer com o flerte que ronda esse perigo. Assim, nos confundimos, e buscamos soluções drásticas no dicionário de palavras visitadas, gastas. De uma profunda falta de vocabulário e de imaginação é que nascem as viagens ao que já é conhecido, quando buscamos soluções (que não funcionaram) simplesmente por não saber fazer diferente.

Entre os muitos apelidos dados por seu séquito de fãs, a alcunha de “mito” de Jair Bolsonaro é de longe o termo mais popular. Há nele uma atemporalidade arquetípica.
O futuro, afinal, nunca se pareceu tanto com o passado.

 

A versão completa do estudo foi publicada no link: leia aqui

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