Davi Kopenawa: “Hoje, indígenas não estão sozinhos. Bolsonaro não pode acabar com a gente”

Líder Yanomami, Davi Kopenawa, diz que presidente "não tem direito de acabar com a vida" dos indígenas e que governo desrespeita a própria lei ao não expulsar garimpeiros de seu território
Davi Kopenawa, líder Yanomami - Foto: Flickr

Há décadas, o xamã Yanomami Davi Kopenawa se mantém firme na luta pelos direitos indígenas e pela defesa da “Terra-Floresta”, que, para seu povo, não é apenas um território, mas uma entidade viva onde coexistem seres humanos e não-humanos, essencial para a manutenção da vida no planeta e para evitar a “queda do céu”, ou o fim do mundo. Sua liderança política, intelectual e espiritual, respeitada mundialmente, será mais uma vez reconhecida: a Universidade Federal de Roraima (UFRR), no estado onde vive, acaba de anunciar que concederá a ele o título de Doutor Honoris Causa, a máxima distinção da academia.

Por: Agência Pública

Mesmo com tudo isso, ele diz temer pela própria vida e de outros líderes como ele. “Não tenho medo de falar com o homem branco, de discutir e explicar. Mas tenho medo de pistoleiros que podem nos perseguir e acabar com a liderança que está lutando. Porque, para eles, estamos atrapalhando seu trabalho”, relata. Sua preocupação tem sentido: nos últimos anos, a Terra Indígena Yanomami vem sofrendo uma nova invasão garimpeira – a primeira ocorreu na década de 1980 – que tem provocado uma tragédia humanitária nas comunidades, segundo entidades indigenistas. Kopenawa, presidente da Hutukara, a principal associação Yanomami, está mais uma vez na linha de frente do enfrentamento às invasões.

Atento ao que ocorre em outras partes da Amazônia, ele conta ter acompanhado de sua aldeia as notícias sobre os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, no Vale do Javari (AM), por pescadores ilegais, em junho. “Os dois não estavam roubando, estavam do lado da nossa luta”, afirma. Embora não conheça a região e as lideranças da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), diz que “são irmãos que moram na floresta”. “Eles ficam longe da minha comunidade e eu fico longe da deles também, mas posso denunciar os problemas que eles estão enfrentando”, aponta.

Para o xamã Yanomami, as transformações no clima são consequência dos ataques do “povo da mercadoria” à Terra-Floresta e se manifestam sobretudo na forma de xawara, ou “epidemias”, relacionadas às fumaças produzidas, por exemplo, pelas máquinas do garimpo e queima do ouro e mercúrio. “As mudanças climáticas não se criam sozinhas: as pessoas estão desmatando, queimando, derrubando milhares de árvores grandes para negociar, fazer papel e mandar nossas madeiras para outro lugar”, explicou à Agência Pública. “E a mudança climática mais forte [está associada à] mineração, que não vai parar.”

A ofensiva do garimpo ilegal na TI Yanomami é marcada por assassinatos, casos de abuso sexual, doenças, ameaças a indígenas isolados, aumento da desnutrição infantil e destruição ambiental. A situação é tão grave que em julho a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que o governo brasileiro adote medidas para proteger “a vida, a integridade pessoal, a saúde e o acesso à alimentação e à água potável” aos Yanomami. Sobre a ineficiência do governo federal em expulsar os invasores, Kopenawa diz que “esse governo não quer saber, não quer respeitar a sua própria lei.” “Para mim, [o presidente Bolsonaro] é um homem mau.”

Embora pense que se Bolsonaro ficar por mais quatro anos “vai estragar toda a nossa área indígena”, o líder Yanomami também não acredita de imediato nas promessas de campanha feitas pelo ex-presidente Lula, o melhor colocado nas pesquisas eleitorais, para os povos indígenas. “Só vou acreditar se ele realmente criar um ministério indígena, melhorar a saúde, a educação e [respeitar] os direitos do povo [indígena], o direito à terra. Aí vou acreditar, agora não”, declara.

Kopenawa conversou com a Pública no fim de julho, durante uma breve visita a São Paulo para acompanhar o lançamento da exposição de Joseca Yanomami no Masp, a primeira individual do artista, que retrata o universo cosmológico de seu povo.

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