Por Rudá Ricci, cientista político
Davi Alcolumbre tem 47 anos e é natural de Macapá, onde nasceu em 19 de junho de 1977. Ele é filho de Samuel José Tobelem e Júlia Peres Alcolumbre, e é descendente de judeus marroquinos. Começou a trabalhar no comércio da família e logo se filiou ao PDT, partido pelo qual se elegeu vereador de Macapá em 2000. Também foi secretário de obras do município. Em 2002 foi eleito deputado federal, sendo reeleito por duas vezes. Em 2006, pulou para o Democratas.
Em 2014, conseguiu a proeza de se eleger senador pelo Amapá, até então, um quase-protetorado dos Sarney. Aí começa sua saga nacional. Em 2019 é eleito presidente do Senado, se reelegendo em 2022.
Se a vitória na eleição para senador contou com o apoio decisivo do então governador Camilo Capiberibe, do PSB – governador entre 2011 e 2015, que cresceu na política estadual denunciando problemas na área de saúde e educação e liderou pedido de impeachment do ex-governador Pedro Paulo Dias -, seu poder recente e vertiginoso no Amapá advém do manejo das emendas parlamentares, a ponto de ser comparado no seu Estado ao poder de José Sarney no passado.
Alcolumbre espalhou obras por todos os 16 municípios com o orçamento secreto e emendas impositivas. Seus aliados comandam 80% das prefeituras e o União Brasil, que ele preside localmente, é o maior partido do Amapá.
Um levantamento extenso de 174 páginas, elaborado pela CGU, mostra que os municípios do Amapá são os que mais recebem recursos per capita de emendas parlamentares do chamado “orçamento secreto” em todo o Brasil.
A PF investiga um suposto esquema de fraudes em licitações públicas com o uso de recursos de emendas parlamentares.
O relatório da CGU também detalha que os três municípios brasileiros que mais receberam emendas per capita entre 2020 e 2023 são do Amapá: Tartarugalzinho recebeu R$ 87,5 milhões. A população da cidade é de 12.945 habitantes, o que significa que a média por habitante ficou em R$ 6.765,42. O valor é o maior da lista de dez nomes.
Alcolumbre quadruplicou suas emendas em dois anos e enviou R$ 71 milhões aos seus municípios aliados politicamente no Amapá, mas ignorou a capital, Macapá, que é administrada por um adversário.
Dos 16 municípios do estado, nove passaram a ser comandados pelo União Brasil, com as eleições de 2024, sendo eles os que mais receberam emendas do orçamento secreto ao longo dos últimos anos.
Se o interior é só alegria para Alcolumbre, Macapá é a pedra no seu sapato. Depois de se eleger vereador e secretário municipal da capital do Amapá, tentou ser prefeito (em 2012) e não conseguiu. Também tentou ser governador (em 2018) e Macapá o segurou. Daí a pecha de ser ruim de voto.
Aliás, quando se tornou senador, venceu o clã Sarney em Macapá com pouca diferença.
Enfrenta, atualmente, a ascensão do prefeito de Macapá, Antônio Furlan, possível candidato a governador em 2026, que tem sua gestão aprovada em 96%, segundo pesquisa Quaest.
Emendas parlamentares que tinham sido alocadas no município pelo grupo de Alcolumbre com a expectativa de que o irmão do senador, Josiel, vencesse a eleição em 2020 não surtiram efeito. Uma fala desastrada do parlamentar, que disse em uma rádio que Josiel era “o maior prejudicado” pelo apagão que deixou a população do Amapá sem energia por 20 dias, acabou por mudar os planos. Furlan virou a eleição e assumiu a prefeitura com o caixa cheio.
Furlan é chamado nas ruas de “prefeitão”. Realiza shows o tempo todo, com estrelas do porte de Roberto Carlos e Alok. Davi Alcolumbre decidiu entrar nessa farra de shows por Macapá, já que sua força eleitoral está no interior do Estado.
Sua ascensão meteórica depende do Senado. É daí que são irrigadas suas bases no interior do Amapá. E é no Senado que seu perfil camaleônico de direita se expande e ganha viço.
Quando se elegeu presidente do Senado, era aliado do então ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM). Aliás, a esposa de Lorenzoni, Denise Verbeling, trabalha no gabinete do Alcolumbre.
O camaleônico Alcolumbre tem entre seus principais conselheiros o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), que ainda é seu aliado. Os dois apoiaram a candidatura de Clécio Luís (atual governador do Amapá pela Rede) em 2016, responsável pela aproximação entre os dois. Em 2018, Randolfe apoiou a candidatura de Alcolumbre ao governo do Amapá.
Desde 2015 no Senado, Alcolumbre participou de votações polêmicas na Casa. Em 2016, votou a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Votou a favor da reforma trabalhista em 2017. No mesmo ano, ajudou o Senado a derrubar a decisão do STF que afastou o então senador Aécio Neves. Também votou a favor do reajuste de 16% para ministros do STF.
Como presidente do Senado, Alcolumbre promoveu diversas manobras, passando por cima do regimento interno. Foi assim quando de sua reeleição, quando demitiu o secretário-geral da Mesa do Senado, o advogado Luiz Fernando Bandeira de Mello, indicado por Renan Calheiros. Em seguida, Alcolumbre fechou o plenário do Senado, antes de sua chegada, para evitar que outro senador presidisse a sessão. O movimento seguinte foi de o de colocar em votação um requerimento para que a votação fosse feita de forma aberta, sendo parte diretamente interessada neste ato, o que mereceu certa revolta no plenário.
A controvérsia só foi superada no dia seguinte, com a votação sendo anulada. Renan Calheiros chegou a chamar Alcolumbre de “meu amigo”, e “o jovem Davi”. No fim, a votação foi secreta, com a primeira votação também sendo anulada. Aliás, seu principal adversário no Senado é Renan Calheiros.
A gestão de Alcolumbre à frente do Senado não é bem avaliada pelos brasileiros. O Poder 360 divulgou pesquisa em 2020 em que revelava que 32% dos que conhecem Davi Alcolumbre rejeitavam seu trabalho; 45% achavam regular; apenas 14% avaliavam sua atuação como “boa” ou “ótima”.
Ainda no início de 2019, Alcolumbre afastou-se de alguns nomes que o ajudaram a chegar ao comando do Senado e tentou se aproximar de Renan Calheiros, o que estremeceu sua relação com Randolfe Rodrigues.
O senador bolsonarista Eduardo Girão foi um dos principais articuladores dos senadores que indicaram, no passado, o nome de Alcolumbre para enfrentar Renan, então desgastado entre o eleitorado por ser associado à “velha política”. Contudo, as movimentações recentes de Alcolumbre mudaram a opinião de Girão que passou a rejeitar o acordo para sua volta à presidência do Senado em 2025. Girão qualificou a união como um “retrocesso” e questionou o histórico de Alcolumbre à frente do Senado, que envolve momentos de “subserviência ao Supremo Tribunal Federal”.
Contudo, continua tendo Renan Calheiros como adversário empedernido. Para o alagoano, Davi demonstra ter interesses “individuais, pessoais e personalistas (…) coisa de dono do Senado. Essa coisa do Senado ter dono não rima com democracia”.
Alcolumbre deverá ser eleito novamente presidente do Senado no dia no dia 1º de fevereiro, um sábado, às 10h, com o respaldo de Pacheco e de oito partidos. Seu mandato será de dois anos. Alcolumbre conta com o apoio de União Brasil, PSD, MDB, PT, PL, PP, PDT e PSB, totalizando 69 senadores. Até agora, além de Alcolumbre, apenas o senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP) anunciou sua candidatura. Ele, no entanto, não tem apoio nem de seu partido.
O futuro presidente do Senado enfrenta investigações pesadas, como as viagens que fez utilizando jatinho de empresa Saúde Link, beneficiada por emendas. A empresa foi responsável pelo programa Mais Visão, suspenso após o MP ter apontado irregularidades e um surto de endoftalmite que afetou 104 pacientes.
A chefe de gabinete de Alcolumbre também se envolveu em investigações da PF. Ana Paula Magalhães de Albuquerque Lima foi ouvida para prestar esclarecimentos sobre uma troca de mensagens entre dois empresários presos na Operação Overclean, que apura um esquema de fraude em licitações públicas a partir de emendas parlamentares. O “Rei do lixo”, Marcos Moura, teria orientado contato com assessora de Alcolumbre, diz relatório da PF sobre esquema de corrupção.
O trabalho de Alcolumbre para fortalecer sua base política no Senado é intensa. “Davi janta três vezes por dia. Não sei até quando vai aguentar esta batida. Ele é muito informal e duvido que algum senador possa dizer que Davi não está conversando com ele”, disse Eduardo Braga (AM), líder do MDB e apontado como um dos conselheiros mais influentes do Senado.
Com efeito, as costuras que realiza para distribuição de poderes no Senado impressionam. Pelos acordos firmados, já há uma definição em relação aos principais cargos. Algumas siglas, como o PL e parte do PT, porém, ainda buscam construir um cenário mais vantajoso para suas bancadas.
A CCJ, deverá ficar com o PSD, surgindo o nome de Otto Alencar (BA) como nome indicado. Uma outra ala do Senado, no entanto, avalia que a comissão pode ser comandada pelo atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
A primeira vice, principal lugar da Mesa Diretora depois da presidência, está encaminhada para Eduardo Gomes (PL-TO). Mas senadores da ala mais bolsonarista do partido rejeitam esse posto e querem, em vez disso, indicar alguém para comandar justamente a CCJ.
Já o PT ainda não definiu as comissões que comandará, mas deverá ficar com a de Relações Exteriores, Meio Ambiente ou a de Desenvolvimento Regional. Na Mesa Diretora, os petistas ficarão com a segunda vice-presidência.
Alcolumbre é este camaleão da direita. O corpo se move para todos os lados, mas a cabeça só pensa em seu próprio futuro. Que passa pela distribuição de cargos e emendas parlamentares.