Córrego do Feijão vive caos após rompimento da barragem

Foto: Maxwell Vilela

Por Juliana Silveira, para o Jornalistas Livres

 

O cenário é surreal. As lembranças do mar de lama, que invadiu impiedosamente o Córrego do Feijão no dia 25 de janeiro, são palpáveis. O rompimento da barragem rompeu também com a rotina pacata do vilarejo. Se antes os moradores compartilhavam “causos”, hoje dividem a dor da perda. A agitação e o barulho constante contrastam com a inércia do comércio local, que caminha para a falência.

O bairro que nomeia a mina de exploração da Vale S.A, empresa que cometeu o crime, foi o primeiro a ser atingido pelo mar de rejeitos. Cerca de 500 pessoas moravam no local. Ainda não se sabe ao certo quantas vidas se perderam na lama, e os sobreviventes ainda não sabem como recomeçar. O cotidiano é marcado por desalento e preocupação. Há quem diga que as coisas nunca mais voltarão a ser como antes. E realmente não irão.

“Perdi meu pai, um primo, o direito de ir e vir, a dignidade, a paz”. O relato de Adilson Lopes Silva, 35, é cercado pela incerteza do futuro. O almoxarife integra a Comissão de Atingidos do Córrego do Feijão e acompanha de perto o andamento das negociações, que a seu ver não caminham como deveriam. “Espero que aconteça um milagre, já que da Vale não posso esperar nada”, desabafa.

Foto: Isis Medeiros

Em meio ao desespero, muitas mãos se estendem para ajudar. Entretanto, a grande quantidade de pessoas que circula pela comunidade preocupa os moradores. Adilson tem dois filhos pequenos e uma enteada adolescente, e teme pelas motivações que podem ter levado algumas pessoas ao local. “É preciso barrar a grande quantidade de curiosos. Podem ser pedófilos ou aproveitadores. As pessoas que moram no bairro são simples e se não houver orientação podem cair em golpes”, alerta.

Ilhada em toda essa confusão, a população segue do jeito que pode. Os rejeitos que atingiram o riacho de águas cristalinas, que era rodeado por vegetação da mata atlântica, atingiram também o emocional dos moradores. O lamaçal, com até 30 metros de profundidade, borrou de marrom, para sempre, a história de cada um.

 

Foto: Isis Medeiros

Com mais da metade do vilarejo sob o barro, a grande movimentação de pessoas no local e o fluxo intenso de helicópteros dificultam conversas, negociações, atrapalha o sono e destelha casas. As principais demandas, no momento, são de transporte, aluguel e apoio psicossocial.

Até a última quarta-feira, 13 de fevereiro, 166 mortes foram confirmadas em Brumadinho. Mais de 300 pessoas trabalham nas buscas, entre militares do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais e de outros estados, da Força Nacional e voluntários civis. Eles atuam com o apoio de 43 máquinas pesadas, nove aeronaves e 12 cães. Ainda há 155 desaparecidos.

 

Impactos emocionais

 

Um dos problemas mais graves de saúde que podem se desenvolver por causa do rompimento da barragem é o trauma psíquico, já que muitas pessoas tiveram suas vidas completamente transtornadas pelo crime. Em abril de 2018, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) divulgou o estudo “Pesquisa sobre a Saúde Mental das Famílias Atingidas pelo Rompimento da Barragem do Fundão em Mariana”.

 

Foto: Isis Medeiros

O levantamento avaliou 271 pessoas, das quais quase um terço foi diagnosticado com depressão. A pesquisa mostrou também que 12% dos participantes têm traços do quadro de transtornos de estresse pós-traumático, uma patologia mental ainda mais grave. A taxa é próxima à encontrada imediatamente após o acidente nuclear de Fukushima, no Japão, em 2011.

Impactos ambientais

Os três milhões de metros cúbicos de rejeitos que se espalharam por Brumadinho colocam o rompimento entre os 10 maiores do mundo nos últimos 30 anos. A lama é formada pelos restos deixados pela atividade de extração e beneficiamento do minério de ferro, principal metal explorado na mina Córrego do Feijão.

Economicamente, a parte importante é a hematita, mas para chegar até ela é preciso separar os minerais de menor valor. Para fazer essa seleção o minério é moído, por isso os resíduos são formados de partículas finas. É esse material, em contato com a água, que forma a lama.

Foto: Otávio Martins

A barragem que rompeu tinha 86 metros de altura. Os rejeitos atingiram o Rio Paraopeba e descem acompanhando o leito. Não há como precisar até aonde pode chegar. Análises preliminares da água encontraram concentração de metais pesados, como chumbo e mercúrio, 21 vezes acima do normal.

A subsistência de comunidades que vivem à margem do Paraopeba já foi afetada. O acúmulo de grandes massas altera o curso do rio e mata as espécies que nele habitam. A água também fica mais turva por ter 800 substâncias dissolvidas a mais do que o normal. Quando se chega nesse nível não é possível tratar a água, que se torna imprópria para consumo. A partir daí, o rio morre.

Tentativas frustradas de negociação

Foto: Isis Medeiros

Nesta quinta-feira, 14 de fevereiro, em audiência para definir medidas emergenciais a serem tomas, a Vale S.A pediu mais uma vez o adiamento da decisão. A segunda sessão para discutir o Termo de Ajuste Preliminar (TAP), proposto pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual, Defensorias Públicas da União e Estadual, e Advocacias-Gerais da União e do Estado, terminou sem acordo.

Uma nova tentativa de negociação será feita no dia 20 de fevereiro. O documento propõe medidas que interrompam os danos socioeconômicos e socioambientais decorrentes do rompimento da barragem.

O encontro aconteceu em uma sala pequena da 6ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Autarquias, no Fórum de Belo Horizonte, não comportando, portanto, todas as pessoas que queriam participar da negociação. Com a recusa de mudar a reunião para um lugar maior, representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), da ONG Abrace a Serra da Moeda, atingidos de Brumadinho e Imprensa tiveram que esperar pelo resultado desanimador do lado de fora.

 

Foto: Maxwell Vilela

Guilherme Carvalho, procurador da ONG Abrace a Serra da Moeda, reclama que “o Tribunal de Justiça devia ter disponibilizado um espaço maior, pois um processo que é público devia comportar todo mundo”. O advogado que atua na defesa do meio ambiente não discorda do TAP, mas propõe ajustes e questiona a participação dos atingidos, do município de Brumadinho e dos comitês. Já Thiago Alves, integrante da coordenação nacional do MAB e atuante na Bacia do Rio Doce, lamenta que “no processo de Brumadinho há repetições ruins do que aconteceu em Mariana”.

De acordo com a defensora pública de Minas Gerais Carolina Morishita, na audiência “nada foi concretizado e criou-se um cronograma de negociação”. Ela disse que houve um avanço nas negociações em relação ao pagamento mensal às famílias e à constituição da assessoria técnica.

A atingida Renata Rodrigues Barbosa, 27, uma das poucas que conseguiu entrar na audiência, reclama que “os atingidos não tiveram o poder da palavra”. Ela acredita que o avanço obtido não é suficiente, já que vive “à base da incerteza, sem saber o que comer amanhã”. A agricultora teve sua fonte de renda afogada pela lama e declara que “esse processo é um novo pesadelo”. Exausta das idas e vindas até a capital para acompanhar os trâmites legais, desabafa: “da Vale eu só quero a minha vida de volta”.

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