Golpes de Estado no Brasil: um ciclo permanente de contrarrevoluções preventivas

Os trechos abaixo foram extraídos da aula do professor José Claudinei Lombardi, no curso livre “O golpe de 2016 e a Educação no Brasil”, da Faculdade de Educação da Unicamp, bem como do prefácio de sua autoria ao livro “O Brasil republicano: uma história de golpes de Estado”.

“O que buscaremos fazer aqui é uma análise histórica, que segue os rigores acadêmicos, e que, nem por isso, deixa de ser plena de posicionamento político, ideológico e partidário, no sentido de que, eu entendo, a ciência é uma forma de posicionamento político frente ao mundo que vivemos. Mesmo quando a intelectualidade prega a neutralidade do fazer científico. A própria pregação da neutralidade, ela é expressão de um dos possíveis posicionamentos políticos que temos.”

“Por Golpe de Estado estamos nos atendo rigorosamente ao conceito: é a derrubada de um governo constitucionalmente legítimo, podendo ser violento ou não. É golpe porque promove uma ruptura institucional, contrariando a normalidade da lei e submetendo o controle do Estado a alguém que não foi legalmente designado para o cargo. É golpe mesmo quando o impedimento estiver previsto na lei maior de um país, mas as condições formais para tanto não forem respeitadas pelos poderes do Estado – executivo, legislativo ou judiciário – como ocorrido em vários países da América Latina, ontem e hoje.”

“Nós sequer passamos a limpo, ainda, a história do golpe militar de 1964. O golpe militar de 64 ainda é uma página, vou ser mais agudo, ainda é uma chaga aberta na formação social brasileira. Não fizemos acerto de contas, os assassinos não foram julgados e não responderam, jamais, pelos crimes de tortura cometidos na ditadura militar.”

“E me parece muito adequado o uso da categoria golpe de estado como Florestan Fernandes definiu:

como um ciclo permanente de contrarrevoluções preventivas,

aspecto fundante do processo conservador da modernização periférica brasileira.”

“Os golpes de estado no Brasil sempre estiveram associados a um quadro de crise econômica e que, consequentemente, se articulam a uma crise social e política. As elites econômicas brasileiras, associadas ao grande capital internacional, não toleram crises e a consequente redução da lucratividade para as frações da burguesia vinculadas à produção, sendo o capital financeiro nutrido pelas crises para ampliar sua acumulação. Mais grave ainda, quando a crise se consorcia com avanços democráticos, por mais tímidas que sejam as conquistas, ampliando–se os movimentos sociais, um golpe de Estado é arquitetado.”

“Os golpes no Brasil carregam uma dupla dimensão: são ao mesmo tempo um golpe de Estado e, também e principalmente, um golpe contra a classe trabalhadora. Por isso se caracterizam como contrarrevolução. Disto resulta o caráter do golpe brasileiro: antinacional, antipopular, antidemocrático e pró-imperialista; com uso de grande dose de repressão e violência institucionalizada. Foi assim em 1889, foi assim em 1930, foi assim em 1945, foi assim em 1954, foi assim em 1964, foi assim em 1985 e está sendo agora em 2016.”

“Toda a Primeira República foi marcada por crises econômicas, sociais e políticas. […] A síntese de Prado Júnior é lapidar: foi um tempo em que a abolição da escravidão com a transformação do regime de trabalho, o rompimento do conservadorismo da monarquia e a exploração dos negócios e da especulação, não passaram de passos para ajustar o Brasil ao papel de semi-colônia no círculo internacional do imperialismo financeiro (Prado Júnior, 1982, p. 224).”

“Horrível, tem sido esse golpe para a educação, trazendo um terrível impacto para toda a política social e particularmente para a educação, abrindo as porteiras para o pleno e exclusivo domínio do negócio educacional. Não que o negócio educacional não buscasse açambarcar a educação nos seus mais diferentes aspectos, mas ainda conseguíamos lutar por uma educação pública, isto é, estatal, gratuita, laica e competente para a população brasileira, isto é, para os trabalhadores, porque quem frequenta a escola pública no nosso país não são os filhos da burguesia, são os filhos da massa trabalhadora e marginalizada.”

“O objetivo do golpe estava traçado. Era aprofundar a transformação da educação, de direito, em serviço.”

“Para atingir os objetivos e premiar o mercado, o governo golpista e ilegítimo adotou medidas políticas e orçamentárias. Politicamente reorganizou a pasta da educação, seus órgãos de aconselhamento, intervindo inclusive em organismos da sociedade civil. Introduziu mudanças na legislação educacional e na planificação de curto e médio prazos. Financeiramente reduziu drasticamente os recursos para a área social, estrangulando a educação e o desenvolvimento científico e tecnológico.”

Notas

1 Ementa: O curso inspira-se em disciplina oferecida na Universidade de Brasília pelos docentes Luís Felipe Miguel e Karina Damous Duailibe, reconhecendo a importância desta iniciativa. Contrários às iniciativas em andamento de liquidar com a autonomia universitária e a liberdade de pesquisa e ensino crítico na universidade, o curso tem por objetivo analisar o contexto histórico do golpe de Estado no Brasil, entendido como mecanismo de manutenção e controle do Estado pela elite dominante, focando particularmente no Golpe de 2016 e seus desdobramentos no processo de sucateamento da educação estatal (pública) brasileira.
Para obter mais informações sobre o curso livre “O golpe de 2016 e a Educação no Brasil”, da Faculdade de Educação da Unicamp, veja: https://www.fe.unicamp.br/agenda-de-eventos/3934

2 Para assistir à segunda aula, “Golpes de Estado e Educação no Brasil”, com o professor José Claudinei Lombardi, Prof. Titular de História da Educação na Faculdade de Educação da Unicamp: https://www.youtube.com/watch?v=e_8AnlN8pWk

3 Para baixar a apresentação da segunda aula “Golpes de Estado e Educação no Brasil”, com o professor José Claudinei Lombardi, Prof. Titular de História da Educação na Faculdade de Educação da Unicamp: https://drive.google.com/file/d/1wukFk68a6we1bA-gj6TBjMzsWuvOg00R/view

4 Aula de Abertura foi ministrada em 15/03, “A crise política no Brasil, o golpe e o papel da educação na resistência e na transformação”, pelo professor Dermeval Saviani. Para assistir à primeira aula: https://www.youtube.com/watch?v=uda-psSPoWM

5 Para baixar o livro “A crise da democracia brasileira”: https://www.editoranavegando.com/copia-politicas-educacionais-1

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