Conflitos no campo em 2022 tiveram aumento de 30,5%

Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou o livro-relatório Conflitos no Campo Brasil 2022

Por frei Gilvander Moreira[1]

Dia 17 de abril último, dia internacional de luta camponesa, dia que marca os 27 anos do massacre de 21 sem-terra em Eldorado dos Carajás, no Pará, crime hediondo que continua impune. Neste dia, no auditório Esperança Garcia, na Universidade de Brasília (UnB), em Brasília, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou o livro-relatório Conflitos no Campo Brasil 2022. Esta é a 38ª edição anual, desde 1985, de pesquisa da CPT, que faz diagnóstico dos conflitos e violência no campo. Os dados recolhidos por centenas de agentes de pastoral da CPT, tabulados e analisados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (CEDOC, da CPT), com uma equipe com competência técnica e compromisso ético com a causa do campesinato nas áreas dos conflitos agrários e socioambientais.

Foram apresentados os dados referentes à violência contra as pessoas no campo. O documento ressalta que no ano de 2022 foram registradas 2.018 ocorrências de conflitos no campo no Brasil, envolvendo 909.450 pessoas e 80.165.751 hectares em disputa. Na Amazônia Legal a CPT registrou, em 2022, 1.107 ocorrências de conflitos no campo, representando 54,86% de todos os conflitos registrados no país.

Em 2022, aconteceram 47 assassinatos (206 ameaças de morte e 123 tentativas de assassinato), por Conflitos no Campo, um crescimento de 30,55% em relação a 2021 (36) e 123% em comparação com os dados registrados em 2020 (21). Dos 47 assassinatos, seis eram mulheres, uma criança (Jonatan), de 9 anos, e seis indígenas em luta contra o agronegócio e contra os órgãos policiais e judiciários. Foram assassinados também Dom Phillips e Bruno Pereira que trabalhavam na defesa dos Povos indígenas da Terra Indígena do Vale do Javari, na Amazônia.

Entre 2013 e 2022, houve 1.935 invasões de territórios. Porém, somente entre 2019 e 2022 – os quatro anos de Governo Bolsonaro – foram registradas 1.185 invasões. No período de dez anos, 61,25% das ocorrências de invasões ocorreram nos últimos quatro anos! E mais de 37% dessas ocorrências de invasão durante este governo se deram em Terras Indígenas. A grilagem teve crescimento relevante entre 2013 e 2022. Das 1.310 ocorrências de grilagem nesta década, 659 ocorreram entre 2019 e 2022, 50,30% de todas as ocorrências do período. A pistolagem também aumentou nos últimos quatro anos. Das 1.379 ocorrências de pistolagem registradas entre 2013 e 2022, 505 ocorrências se deram no governo Bolsonaro, 36,62% das ocorrências dos últimos 10 anos.

Houve também um aumento exponencial da contaminação por agrotóxicos nos números de ocorrência de violência contra a pessoa. Em 2020, foram duas pessoas contaminadas. Em 2021, foram 71. Em 2022, o número subiu para 193 casos. Em 2022, 6.831 famílias foram contaminadas pelos agrotóxicos, um número 86% maior que o registrado em 2021 e o maior já registrado pela CPT. Esses números demonstram que o agronegócio com o uso abusivo de agrotóxico está causando uma brutal epidemia de câncer, Alzheimer e doenças respiratórias.

Em 2022, foram registrados 207 casos de trabalho análogo à escravidão no meio rural, com 2.218 pessoas resgatadas, o maior número dos últimos dez anos. Somados, o número de ocorrências de conflitos trabalhistas no campo em 2021 e 2022 representam mais de 32% do total registrado na última década. Aumento brutal. Entre 2021 e 2022, apesar de 50% dos cargos de Auditor Fiscal do Trabalho estarem vagos, houve uma explosão nos números de autuação constatando trabalho escravo. Eis um exemplo: Marinaldo Soares Santos trabalhava em uma fazenda no Maranhão quando foi resgatado pela primeira vez. Ele conta que estar perto da família tornava a situação menos penosa. Quatro anos depois, foi levado para trabalhar como “escravo” em uma fazenda no Pará, onde pensou que iria perder a sua vida. “A minha cidade não oferecia emprego para eu sustentar minha família. Encontrei um “gato”, capitão do mato da atualidade. Na fala dele a situação lá era bonita, mas na verdade não era. A pessoa não quer ver sua família passando fome, então ela vai”, relata Marinaldo, que, após o segundo resgate, começou atuar como defensor de direitos humanos.

Entre 2016 e 2022, período que vai do golpe que deu início ao desgoverno do golpista Michel Temer ao final do desgoverno do fascista de extrema direita, 27,36% dos territórios onde ocorreram os assassinatos também sofreram pelo menos uma ação de pistolagem, 15% sofreu pelo menos uma ameaça de expulsão, 9% sofreu pelo menos uma ação de invasão e 13% uma ação de grilagem. No mesmo período, em 59% dos territórios onde ocorreram assassinatos, houve também pelo menos uma tentativa de assassinato e, em 52%, houve registro de ameaça de morte. De 2019 a 2022 foram os anos mais violentos dos últimos dez anos, seguindo uma tendência iniciada já a partir de 2016, mas intensificando-a. Dos grupos sociais que sofreram as violências 55,86% têm formação sócio-histórica-cultural com raízes no campesinato.

No ano de 2022 foram registrados pela CPT um total de 225 conflitos pela água, principalmente na Amazônia e tendo os indígenas e ribeirinhos como vítimas.

Importante lembrar que para os agentes pastorais da CPT contar a cada dia os números dos conflitos e da violência no campo não é fazer um registro frio. É o serviço de alguém que está ao lado dos/as camponeses/as, sofrendo com eles/elas, mas conspirando lutas de resistência e de enfrentamento ao sistema do capital na convicção de que a mãe terra, a irmã água, a biodiversidade e toda a cultura popular jamais podem ser privatizadas como insistem o sistema do capital e seus vassalos.

Enfim, enquanto perdurar a iníqua estrutura fundiária, pautada no latifúndio e no agronegócio com monoculturas, a injustiça agrária e socioambiental se reproduzirá e se ampliará e não será possível superar as gravíssimas injustiças sociais que se abatem sobre a maioria do povo brasileiro. Conscientes disso, centenas de agentes da CPT seguem acompanhando pastoralmente o campesinato, em sua imensa pluralidade, e conspirando a democratização e a socialização da terra. Com o profeta Isaías, da Bíblia, seguimos denunciando: “Ai dos que ajuntam casa a casa, dos que acrescentam campo a campo, até que não haja mais lugar, de modo que habitem sozinhos no meio da terra!” (Isaías 5,8). Segundo o Evangelho de Marcos, uma pessoa que estava diante de Jesus crucificado, viu-o expirar e exclamou: “De fato, esse homem é Filho de Deus” (Marcos 15,39). Dói ver e constatar tanta violência acontecendo no Campo Brasileiro, mas somente quem tem a sensibilidade e a coragem de contemplar olho no olho os/as crucificados/as da história pode construir dias de ressurreição, de vida e liberdade para todos os seres humanos e para todos os seres vivos. Que a indignação continue nos transformando em militantes aguerridos/as para que da mãe terra brote ressurreição!

25/4/2023

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Lançamento Conflitos no Campo Brasil 2022

2 – LANÇAMENTO do Livro “Conflitos no Campo Brasil 2020” a partir de Minas Gerais

3 – Conflitos no Campo 2019: clamores enormes – Por frei Gilvander – “Na luta por direitos” – 06/5/2020

4 – CPT: Lançamento de Conflitos no Campo Brasil 2019: Paulo, Canuto e Maria Cristina. Live – 17/4/2020

5 – Palavra Ética na TVC/BH: Conflitos no Campo Brasil 2018, da CPT, e MLB, luta por moradia. 01/6/2019


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: [email protected]  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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