Comunicadores: não sejam agentes da morte a serviço de fascistas

Na noite de 26 de março o Brasil descobriu mais uma aberração violenta promovida pelos fascistas neoliberais que ocupam a presidência e o ministério do país: a campanha publicitária “O Brasil Não Pode Parar“, que teria custado quase R$ 5 milhões e cuja agência de propaganda teria sido escolhida sem licitação por um dos filhos do presidente, aquele que é vereador no Rio de Janeiro mas “despacha” do Planalto. Essas informações, contudo, não estão muito claras (veja nota no final desse artigo), seguindo a usual falta de transparência do poder executivo atual. Mas além do óbvio esperado quando temos um desgoverno de destruição nacional, no entanto, acho indispensável nesse momento também questionar eticamente os donos das empresas e os publicitários e jornalistas que estão produzindo profissionalmente materiais de divulgação oficial em relação à pandemia de coronavírus.

Jornalistas têm sido acusados, muitas vezes com razão, de serem abutres cobrindo desgraças pra vender jornal há séculos. Filmes como a Montanha dos Sete Abutres, não me deixam mentir. A morte de Eloá, com Sonia Abrão conversando ao vivo com o sequestrador e assassino na TV e o recente episódio de uma mãe que desmaia ao vivo durante o programa Cidade Alerta enquanto o apresentador Luiz Bacci lhe informa sobre o assassinato de sua filha, são dois exemplos brasileiros que vergonhosamente não estão no campo da ficção.

Mas e os publicitários? Nem vou discutir cases históricos como as décadas de propaganda de produtos comprovadamente nocivos à saúde, como cigarros. Temos o exemplo claríssimo da prefeitura de Milão que fez uma campanha publicitária muito semelhante há um mês e cujo prefeito foi ontem à TV pedir perdão porque o resultado é percentualmente o maior índice de mortos até agora.

Se podemos ter certeza de um resultado diferente no caso brasileiro, é que o sujeito que ocupa a presidência jamais terá sequer a dignidade de pedir perdão. Ele obviamente não possui a empatia necessária para isso. Mas se o isolamento for de fato quebrado (e nesse momento há carreatas em várias partes do Brasil pedindo exatamente isso, com adesões dos governos de Mato Grosso, Rondônia e Santa Catarina) o resultado será o mesmo de Milão: mais mortes.

No Jornalismo, temos o que é chamado de “cláusula de consciência“. Teoricamente o jornalista pode legalmente se recusar a fazer determinada matéria ou enquadramento do fato se isso for contra seus princípios. No mundo real, na maior parte das vezes, se não faz o que o patrão manda é demitido (aconteceu semana passada com um jornalista PJ da IstoÉ que exigiu trabalho remoto porque estava em quarentena e não queria arriscar contaminar os colegas). Bons jornalistas, claro, se demitem ou aceitam a demissão em troca da dignidade pessoal e paz de espírito.

Mesmo no exército, em guerras, o soldado não é obrigado a seguir ordens de executar crimes de guerra. O famoso julgamento do nazista Adolf Eichmann, em Jerusalém em 1961, o qual Hannah Arendt descreveu brilhantemente como “A Banalidade do Mal”, demonstra bem isso. Eichmann só seguiu ordens de seus superiores. Ele jamais disparou um tiro ou girou uma válvula de uma câmara de gás. O resultado de seus atos burocráticos, no entanto, permitiram uma eficiência muito maior ao genocídio de Hitler na Segunda Guerra.

É “só” isso que os publicitários que aceitaram (ou vierem a aceitar) o job governamental farão: tentarão profissionalmente, com o melhor de suas capacidades, dar mais eficiência a uma estratégia que já se provou ser mortal.

Apelo à consciência dos colegas jornalistas e publicitários: não se permitam ser usados por homens sem alma que preferem contar cifrões a salvar vidas.

O mundo estará mudado depois dessa pandemia. E todos e todas que sobrevivermos teremos que prestar contas uns aos outros e a nós mesmos por nossos atos.

 

PS: A agência de publicidade iComunicação, apontada em diversas matérias como a escolhida pra peça, informou ao Meio & Mensagem que não é a responsável pela criação do vídeo e que foi contratada na quinta para fazer mil posts nas redes sociais da presidência a partir de abril. A agência informou, ainda, que “a contratação direta terá duração de seis meses e se deu por disputa por oferta de menor preço da qual também participaram as agências CDN, Chá Com Nozes, Fields, Huge Digital, In Press Oficina, Lew´Lara\TBWA, Lov, Monumenta, Moringa Digital, Partners Comunicação e WMcCann.”

De acordo com o Meio & Mensagem, “A contratação, com objetivo de prestação de serviços de comunicação digital ao governo federal, foi necessária, segundo a iComunicação, porque a Isobar optou por encerrar as atividades da agência em Brasília e seu contrato com a Secom termina no dia 31 de março. Isobar e TV1 venceram a última licitação ocorrida em 2015. Na publicidade off-line, a Secom tem contratos sendo finalizados com Artplan, Calia e NBS. Após consulta pública já realizada, um novo edital é aguardado pelo mercado, e pode unificar as contas on e off da Secom.”

 

PS2: Foi preciso a Justiça Federal proibir a veiculação da campanha.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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