Por Homero Gottardello, advogado e jornalista
A fuga de Jair Bolsonaro, que vai deixar a Presidência da República e o Palácio da Alvorada como um evadido, um zarpado, um saído, lançará uma parcela representativa da população brasileira numa espécie de limbo psiquiátrico. Sequestrada mentalmente pelo “mito”, essa gente terá muita dificuldade para se reinserir no ambiente de trabalho e na família, já que o bolsonarismo descortinou a insânia que este povo reprimia, calava, ocultava de colegas e parentes.
O problema que eles enfrentarão, de agora para frente, é que as pessoas normais agora sabem com quem estão tratando, tomaram ciência da falta absoluta de caráter, da desonestidade intelectual e da canalhice dessa chusma. De forma que a única coisa que resta para quem comprou arma(s), se postou na frente de quartéis clamando por uma intervenção militar ou fechou rodovias, enquanto batia continência para pneu de trator, é o descrédito. Infelizmente, teremos que conviver com essa hoste, com essa escumalha.
Parece certo que uma porção desta escória, designadamente os mais perigosos, terá que se afastar da militância para resolver os problemas que terá com a Justiça, mas não há vagas nem nos presídios e nem nos hospícios que abriguem tamanha ralé. Há quem acredite que, pouco a pouco, esses celerados retornarão ao silêncio obtuso em que permaneciam nos encontros de fim de ano, nos aniversários dos sobrinhos, se resguardando da galhofa em um canto do salão. Repito: não há camisas de força em número tão grande, neste mundo, para “vesti-los” e, como em um filme de zumbis, teremos que aceitar esta borra nas margens do nosso quadro social.
Mas há um problema que vem sendo negligenciado, até este momento, que é o fato de muitos desses fanáticos ocuparem postos de chefia em órgãos públicos, serem gestores em empresas privadas e até professores, em faculdades de Direito – eu, pessoalmente, tive um professor de matéria criminal cuja estrela no currículo era ter sido tenente da ROTA, em São Paulo; um fascista na sua mais perfeita asserção, além de um sujeito que falava os maiores absurdos que já ouvi, quando comentava o cotidiano. De modo que promover uma faxina civilizatória é imprescindível, até para não corrermos o risco de passarmos por tudo isso de novo, daqui a quatro anos.
O bolsonarismo patrocinou o que há de mais cafajeste no neopentecostalismo, reduziu o patriotismo ao maniqueísmo, promoveu a vilania e a baixeza como valores cristãos, fez de uma parcela dos brasileiros seu gado, que segue ruminando o capim do facciosismo mesmo depois de ser largado, abandonado, enjeitado pelo próprio asmodeu. Faz-se urgente, portanto, tratarmos os abduzidos, curarmos os que foram raptados mentalmente, libertarmos aqueles que queiram do sequestro espiritual, do arresto intelectivo, devolvendo suas consciências ao plano racional. A questão é que muitos desta claque, por não terem o mínimo valor humano, só encontram abrigo nessa realidade paralela e se veem espelhados no “mito”, que reflete do alto da República o carcoma individual de cada um desses desgraçados.
Da mesma forma que a Alemanha varreu o nazismo, depois da Segunda Guerra Mundial, para se tornar uma nação próspera e sã, é preciso apagar o bolsonarismo e isso não se dará, apenas e tão somente, pelo seu desalojamento da presidência. Da mesma forma que se impõe a reclusão, o encerramento social a quem comete crimes hediondos (o sequestro, o latrocínio e o estupro, por exemplo), é imprescindível isolar, ilhar, apartar os terroristas que atentaram contra a ordem constitucional e o estado democrático, que foram hostis, que tentaram, com emprego de grave ameaça ou violência, impedir ou dificultar o exercício do poder legitimamente constituído, que se associaram para a insurreição, que intimidaram politicamente desde o presidente eleito até você, que me lê.
Todas as condutas enumeradas no parágrafo anterior estão previstas como crimes no Código Penal, nos capítulos dos “Crimes Contra o Estado Democrático de Direito”, com penas que variam de dois a 30 anos de reclusão – ou seja, trancafiado em um presídio. Mas é impreterível darmos a esses bandoleiros a reprovação social, familiar e pessoal que só podemos exercer individualmente. É imperioso, urgente, urgentíssimo rejeitarmos, improbarmos, rechaçarmos esses boçais, a fim de estigmatizarmos a imbecilidade, de infamarmos os ferozes, timbrarmos os mais brutos. Nos livrarmos dessa âncora é condição sine qua non para retomarmos o processo civilizatório, caminho que foi interrompido e que estes animais – é bom lembrar – queriam dinamitar, evitando para sempre o seu resgate.
O que proponho, na forma de um manifesto, é que nossa relação com os bolsonaristas se limite à caridade, às questões humanitárias e ao socorro obrigatório dos casos previstos em lei (omissão de socorro, art. 135 do Código Penal). Não pode haver amizade com o facínora, tolerância com o banditismo, estima para com os criminosos, simpatia pela perversão ou apreço à sicária. Passar a mão na cabeça da rataria ou passar pano para o bolsonarismo não é mais do que compadrio com o golpismo, camaradagem com o retrocesso, conivência com a canalhice. O mal que essas pessoas nos fizeram, voluntária e dolosamente, não pode ser esquecido, muito menos perdoado!
É nossa obrigação humana e cidadã apontar o dedo para o nazifascismo e lembrar, diariamente, daqueles que coonestaram os quatro anos mais degradantes de nossa história republicana. E se você não encontrar motivos para fazê-lo, num exame de foro pessoal, o faça pelas quase 700 mil pessoas que morreram em virtude da pandemia, enquanto o demônio imitava, aos risos, o desespero da falta de ar das vítimas.
Uma resposta
Bolsonarista bom é bolsonarista morto