Reforma trabalhista levará o Brasil de volta ao século 19

Por Manu Mantovani, especial para os Jornalistas Livres*

O sistema de produção fordista tem em 1914 a sua data símbolo, um marco no sistema capitalista de produção. De certa forma, as inovações de Henry Ford representavam tendências já estabelecidas pelo Taylorismo, com sua detalhada divisão do trabalho, com o trabalhador em uma posição fixa na linha de produção, a decomposição do processo de produção em tarefas fragmentadas segundo padrões rigorosos de tempo e estudo do movimento.

A grande inovação do Fordismo diz respeito à implantação da jornada de 8 horas e 5 dólares por dia, com o propósito de dar aos trabalhadores renda e tempo suficientes para consumir os bens que produziam. Também foi sob a hegemonia do fordismo que houve a emergência do movimento sindical, da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos e as mobilizações das mulheres operárias. O sistema se expandiu mundialmente, porém, seus benefícios não alcançaram a todos.

Abalado pela aguda crise econômica de 1973, sem a capacidade de superar as contradições inerentes ao capitalismo, o sistema entrou em um período de transição à acumulação flexível. Em que pese sua incapacidade de lidar com as contradições do sistema capitalista, o fordismo representou, de certa forma, a superação do regime de produção implantado com a revolução industrial, marcado por jornadas de até 16 horas diárias, trabalhadores desmobilizados, sem capacidade de reivindicar melhores condições de trabalho e salários, além de um grande contingente de desempregados, que enfraquecia mais ainda o poder de barganha dos trabalhadores.

Em 2017, 103 anos após a data símbolo do fordismo, o governo do Brasil tenta implantar reformas ultraliberais que enfraquecem os sindicatos, que tiram o poder de mobilização dos trabalhadores, que ampliam as jornadas de trabalho, flexibilizam o valor do salário e retiram direitos adquiridos. A flexibilização das leis trabalhistas no Brasil não é uma novidade. Na década de 1990, marcada por governos de orientação neoliberal, já houve uma reforma trabalhista (chamada de flexibilização) com retiradas de direitos, que resultou em desemprego e precarização das relações de trabalho.

O ideário neoliberal implantado no Brasil na década de 1990 foi expresso no documento conhecido como Consenso de Washington, uma espécie de “receituário” das políticas neoliberais para os países periféricos. O documento foi elaborado em 1989 quando funcionários do governo dos Estados Unidos, do FMI, do Banco Mundial e do BIRD reuniram-se em Washington para avaliar a situação econômica dos países latino-americanos.

O Consenso de Washington consistia em um conjunto de princípios de política econômica, que passariam a ser propostos como condição para a facilitar a renegociação das dívidas dos países latino-americanos com os organismos internacionais. Entre as principais orientações propostas estavam ajuste fiscal, redefinição do tamanho e do papel do Estado, privatizações, abertura comercial fim das restrições ao capital externo, abertura financeira, desregulamentação e reestruturação do sistema previdenciário. Os principais objetivos das mudanças eram aumentar a produtividade do capital e do trabalho, aprofundar a produção de mais-valia, mundializar a produção e redefinir as funções do Estado.

As reformas nas relações trabalhistas tinham como objetivo reduzir o custo de produção através da retirada de direitos. As mudanças, que já estavam em andamento desde 1994 foram implementadas aos poucos, a maioria por Medida Provisória e ampliadas em 1998 por conta de novo acordo assinado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso com o FMI. As teorias em defesa das reformas trabalhistas imputavam à regulação estatal o engessamento do mercado de trabalho e à institucionalidade o elevado custo de produção. Vale lembrar que é de 1998 o texto da reforma trabalhista que tramita sob a fachada da “modernização das relações de trabalho”.

 

Diferente do que é dito pelos setores governistas comprometidos com a agenda ultraliberal do presidente Michel Temer, flexibilizar as leis trabalhistas não gera emprego. O que gera emprego é crescimento econômico

 

A estagnação econômica da década de 1990, a desestruturação de setores como o têxtil, o automobilístico e o metal-mecânico, combinados com as políticas que flexibilizaram as relações trabalhistas repercutiram em um o processo de agravamento no desemprego e ampliação do mercado de trabalho informal. Na primeira década dos anos 2000 a política do governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva atuou no sentido de estancar algumas das reformas implantadas pelo governo FHC, ampliando a regulação pública do trabalho e retirando da pauta de votações o projeto que previa a prevalência do negociado sobre o legislado. Outras medidas como a valorização do salário mínimo, a regulamentação da lei do estágio e a inclusão do autônomo na seguridade social, combinadas com políticas públicas de distribuição de renda, em um contexto econômico favorável, com aumento nas exportações, valorização da moeda e retorno do investimento externo, possibilitaram retomar o crescimento do emprego e a reestruturação do mercado de trabalho sem que fosse necessário suprimir direitos e desregulamentar as relações de trabalhistas.

 

Isso mostra que, diferente do que é dito pelos setores governistas comprometidos com a agenda ultraliberal do presidente Michel Temer, flexibilizar as leis trabalhistas não gera emprego. O que gera emprego é crescimento econômico. Nos 13 anos do governo de esquerda no Brasil foram criados quase 20 milhões de empregos formais e houve redução significativa no número de trabalhadores ocupados sem carteira ou no setor informal, sem que fosse necessário retirar direitos dos trabalhadores. Ao contrário, este foi um período em que se conseguiu estancar a flexibilização iniciada pelos governos liberais de Fernando Collor de Melo e Itamar Franco e aprofundada por Fernando Henrique Cardoso.

 

Caso a reforma seja aprovada, nos leva ao cenário pregresso, pré-fordista de longas jornadas, baixo salário e nenhum poder de mobilização. A retórica da modernização das relações trabalhistas esconde os objetivos reais e perversos da reforma

A proposta aprovada no Senado, não é moderna e não é nova. Este é um projeto que os governos neoliberais tentam implantar no Brasil há quase 20 anos. O projeto que altera mais de 100 artigos da CLT deixa o trabalhador em total insegurança. Através do trabalho intermitente, parcial ou temporário, o trabalhador vai poder ganhar menos que o salário mínimo constitucional. O trabalhador Pjotizado ou autônomo perde direitos como férias, 13º salário, FGTS, licença maternidade e a possibilidade de acessar a justiça do trabalho em caso de perda de direitos. Com a prevalência do negociado sobre o legislado, os sindicatos se tornam enfraquecidos e o trabalhador perde o poder de negociação de mobilização. Com o aprofundamento do desemprego, o trabalhador será obrigado optar entre estar desempregado ou aceitar condições precárias de trabalho ou de salário.

O cenário à frente, caso a reforma seja aprovada, nos leva ao cenário pregresso, pré-fordista (antes de 1914) de longas jornadas, baixo salário e nenhum poder de mobilização. A retórica da modernização das relações trabalhistas esconde os objetivos reais e perversos da reforma. O primeiro deles é a redução no custo de produção através do barateamento da mão de obra e ampliação da mais-valia. Em um contexto de aprofundamento da abertura comercial, este processo também torna mais competitivas as empresas no mercado externo transnacional.

Além disso, há o interesse em desmobilizar e enfraquecer a classe trabalhadora e os sindicatos, o que deixa livre o caminho para a acumulação do capital. Por fim, a orientação da política econômica da agenda ultraliberal de Michel Temer se dá com o compromisso de garantir a estabilidade econômica através do controle da inflação. Meta que o governo pretende atingir através do desaquecimento da demanda. Para isso, são funcionais o desemprego, o rebaixamento da renda do trabalhador e do padrão de uso da força de trabalho. Política que deve jogar milhões de trabalhadores no desemprego, na precarização e na miséria para garantir a competitividade e o aumento do lucro das empresas.

Primeiro a gente tira a Dilma. Depois a gente joga o Brasil na miséria.

*Jornalista, mestranda do Programa de Pós-Graduação – Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Regional na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc).

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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