Como o bolsonarismo pretende conseguir a anistia?

Por RODRIGO PEREZ OLIVEIRA, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

Parlamentares bolsonaristas estão investindo toda sua energia política na aprovação do Projeto de Lei 5064/2023, o PL da anistia. O objetivo é livrar das garras da Justiça empresários, políticos e militantes envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro.

Mas o que é “anistia”?

Antes de ser um instituto jurídico, a anistia é um fato político tão antigo quanto a própria política. Existe desde a Grécia antiga. Tendo sua raiz semântica na ideia de “amnésia”, a “amnistia” costuma ser acionada depois da “stasis”, da experiência de guerra civil, capaz de provocar profundos traumas na sociedade.

Assim, terminado o conflito, com todas as partes envolvidas desgastadas e desejando a pacificação, recorre -se à anistia, que é mais do que o simples perdão. É a ficção do esquecimento.

A sociedade, então, pactua o esquecimento dos conflitos, para superar os traumas e zerar o jogo político para que seja possível seguir em frente. A anistia somente é capaz de promover a repactuação quando todos os envolvidos têm algo a ganhar com o “reset” que a ficção do esquecimento sugere.

A anistia de 1979 no Brasil é um bom exemplo. Os agentes da ditadura sabiam que seria impossível sustentar o regime no longo prazo. Tendo a transição democrática em vista, começaram a se preparar para o day after e, para isso, era importante garantir que não haveria retaliação e que poderiam seguir suas vidas tranquilos na ordem democrática que se aproximava, inclusive mantendo seus empregos/aposentarias na burocracia civil e militar.

A oposição desejava negociar porque sabia que isso ajudaria na transição. Sabia, também, que não era capaz de derrubar a ditadura na força. Exilados e presos políticos pretendiam retomar suas atividades políticas na legalidade e disputar espaços de poder no novo alinhamento democrático.

Os dois lados do conflito tinham algo a ganhar com a anistia. Foi a transição possível naquelas circunstâncias.

Algo semelhante está sendo proposto na Venezuela. Sempre que pode, Maria Corina Machado sinaliza a possibilidade de anistia para Nicolás Maduro e outros líderes bolivarianos. A líder oposicionista sabe que sem a possibilidade de um day after seguro para seus adversários e sem a força necessária para derrotá-los nas armas, a anistia é a única forma de viabilizar a transição.

Corta para o Brasil dos nossos dias…

A estratégia do campo político bolsonarista é dobrar a aposta e continuar investindo no caos, mantendo-se em constante mobilização para tentar convencer as instituições da República de que ainda são uma ameaça para a estabilidade do país, forçando a negociação. O curioso é que o objeto da desestabilização não é o governo Lula. Aos poucos, o presidente vai conseguindo consolidar sua governabilidade e os bons resultados na economia, somados ao seu capital político pessoal, o deixam relativamente imunes à instabilidade.

O objeto dos ataques é o Supremo Tribunal Federal, personalizado na figura de Alexandre de Moraes. O próprio Jair Bolsonaro admitiu isso no último 7/9, na Avenida Paulista, quando disse que “Alexandre de Moraes é mais perigoso que Luiz Inácio Lula da Silva”. O ato não foi irrelevante, mas esteve longe do impacto que causou nos anos anteriores.

Enquanto isso, a base bolsonarista no Congresso Nacional tenta emplacar uma legislação que enfraquece o STF e pretende impichar Alexandre de Moraes.

A anistia somente será viável se essa movimentação for forte o suficiente para provocar algum temor no Judiciário e no próprio governo. Somente assim, as instituições da República teriam algum interesse na pactuação, na ficção do esquecimento.

A estratégia funcionará?

Há alguns meses, eu diria que não. Mas depois das reportagens da Folha de São Paulo contra Alexandre de Moraes fica claro que o bolsonarismo não está sozinho nessa jornada, que tem seus aliados na mídia corporativa e no mercado.

Se os bolsonaristas conseguirem, essa anistia será ainda pior que a de 1979. Lá, o acordo foi necessário para remover os ditadores do Estado, tinha uma função a cumprir. Hoje, seria a demonstração da força dos golpistas em coagir as instituições estabelecidas. Não teria nada de repactuação, nenhum esquecimento. Na prática, seria o início de mais uma etapa da stasis, o prelúdio para outra tentativa de golpe.

Derrotar esse projeto de anistia é tão importante quanto foi vencer as eleições de 2022 e impedir o golpe de 8 janeiro de 2023.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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