Circo de horrores na USP: brutalidade, feridas, sangue e lágrimas na gestão Zago

por Psicanalistas pela Democracia

As tensões e conflitos entre estudantes, docentes e funcionários da USP se tornaram corriqueiras, diárias e crescentes ao longo da gestão do reitor Marco Antonio Zago. Tais tensões eclodem muitas vezes em conflitos violentíssimos com a participação da polícia militar, que tem sido acionada pelas instâncias superiores e age, com a autorização da reitoria, com toda a brutalidade ao seu alcance para intimidar os membros da comunidade acadêmica no livre exercício de seu direito de se manifestar.

São muitos os episódios que demonstram que o campus da USP se tornou um palco de horrores e, paradoxalmente, uma usina de práticas discricionárias, intimidatórias e verticalizadas. Custa acreditar que o diálogo em questões cruciais para a universidade, do lado de dentro dos portões, se converte em golpes de cassetete, chutes na cabeça, bombas de gás lacrimogênio, gás de pimenta e detenções de manifestantes, trabalhadores e estudantes dessa mesma universidade.

A produção de conhecimento, a palavra e o diálogo,

vitais em sala de aula,

têm dado lugar, fora dela, à desmedida violência

e, então,

a força bruta se instala e não há lugar para mais nada.

Reproduzimos abaixo relatos de pessoas e manifestações de entidades sobre os últimos acontecimentos envolvendo a tentativa de sucateamento e fechamento da creche da USP e a repressão da tropa de choque com a anuência do reitor, aos manifestantes na última reunião do Conselho Universitário.

Difícil saber o que adquiriu mais relevância para muitos de nós: preparar-se para os confrontos diante da necessidade de debater e, eventualmente, se proteger da agressão policial em situações em que se define o futuro da universidade, ou trabalhar para o desenvolvimento do ensino, da pesquisa e extensão. A violência se instalou em continuidade a gestões anteriores e, ao que tudo indica, veio para ficar atingindo a todos direta ou indiretamente.

Ao jovem pleiteante à USP, seria preciso pensar ao menos duas vezes antes de eleger a USP como sua universidade, porque ela não será também sua, mas terá de ser disputada com reitores discricionários e policiais truculentos que, diante daqueles que divergem, trabalham juntos esparramando medo, feridas e ódio pelo campus.

Há dias e momentos em que é mais fácil ser ferido no campus da USP durante uma manifestação pacífica do que em qualquer local perigoso, na perigosa cidade de São Paulo. Lamentavelmente uma guerra está deflagrada e ocorre às escondidas entre os muros da universidade, mas é urgente que a sociedade paulistana e brasileira saiba a pancadaria recorrente que ocorre entre as árvores e o gramado verde do belo campus da USP. Ali, entre o farfalhar das folhas e a brisa de verão, sangue vermelho também escorre.

Reproduzimos abaixo depoimentos e manifestações que detalham os últimos acontecimentos envolvendo a ocupação da creche da USP e a última reunião do Conselho Universitário ocorrida no dia 07/03/2017.

por Daniel Garcia / ADUSP

1 A pedido do reitor, tropa de choque da PM agride manifestantes com selvageria

por Associação dos Docentes da USP (ADUSP)

O ato pacífico promovido por Adusp, Sintusp, DCE e Fórum das Seis contra a votação, pelo Conselho Universitário (Co), do documento “Parâmetros de Sustentabilidade Econômico-Financeira”, nesta terça-feira 7/3, foi reprimido com brutalidade por um pelotão da tropa de choque da PM, que empregou spray de pimenta, bombas de efeito moral e cassetetes contra centenas de manifestantes. Estudantes e funcionários feridos precisaram ser atendidos no Hospital Universitário (HU). Vários manifestantes foram presos, inclusive pessoas que apenas acompanhavam os feridos no HU.

A manifestação teve início tranquilo por volta de meio-dia, no entorno da Reitoria. Uma parte dos manifestantes se concentrou em frente à entrada principal do prédio, enquanto outra parte se reuniu na rua lateral, na entrada da Prainha da ECA. Neste local um portão, hoje permanentemente trancado com cadeado, dá acesso à entrada dos fundos da Reitoria.

O carro de som do Sintusp, situado dentro da Prainha, aproximou-se da grade erguida pela Reitoria o suficiente para que o microfone pudesse chegar aos oradores que estavam do outro lado, entre eles os deputados João Paulo Rillo (PT) e Carlos Giannazi (PSOL), dirigentes estudantis e sindicalistas do Fórum das Seis, do Andes-Sindicato Nacional e da CUT.

A própria Reitoria orientou os membros do Co que iam chegando a se concentrarem na rua lateral, em local a poucos metros de onde transcorria o ato. Assim, os dois grupos — manifestantes e conselheiros — misturaram-se de modo cordial. Alguns manifestantes distribuiram a “Carta Aberta ao Co” e procuraram conversar com os conselheiros sobre a proposta dos “Parâmetros”.

Pouco depois das 14 horas, Waldyr Jorge, diretor da Faculdade de Odontologia e superintendente da SAS, convidou os conselheiros a deixarem este local e atravessarem a rua. Parte dos manifestantes, então, os acompanhou e os dois grupos continuaram misturados.

Logo depois das 14h30,

os manifestantes entoaram um entusiasmado

“Fora Zago!”

e, depois,

“Quem não pode com a formiga, não atiça o formigueiro”.

Em seguida chegou à coordenação do Fórum das Seis a informação de que a PM informou aos conselheiros que iria “limpar” a entrada principal da Reitoria e que, portanto, eles poderiam entrar por lá. Efetivamente, às 15h30 a tropa de choque ingressou na Rua da Reitoria, em formação. E em poucos minutos, sem aviso prévio, os soldados da PM começaram a lançar bombas sobre as pessoas que se encontravam no local.

Muitas pessoas se machucaram. Para fugir às bombas, manifestantes correram em direção às duas extremidades da Rua da Reitoria. Em pouquíssimo tempo o pelotão “limpou” a entrada principal do prédio, mas os bate-bocas e escaramuças entre soldados e manifestantes estavam apenas começando. Estudantes e funcionários foram agredidos e espancados por PMs. Diana Assunção, diretora do Sintusp, levou um violentíssimo golpe de cassetete na nuca e, sangrando, precisou ser levada para o HU.

A operação policial foi comandada pelo capitão PM Nogueira, que disse a uma diretora da Adusp que qualquer reclamação teria de ser apresentada ao 23º Batalhão. Ele também não informou o número de pessoas detidas, nem os seus nomes. Os soldados sob seu comando reabasteceram diversas vezes as sacolas de bombas e em dado momento, não satisfeitos com o lançamento manual, buscaram escopetas para atirar os artefatos.

Quatro pessoas foram conduzidas à 93ª Delegacia de Polícia: Luiz Fellipe Mattos, funcionário do IB; e os alunos David Paraguai (FFLCH), Mariana Brum (ECA) e Fernando Magarian (ECA). Este foi detido no HU quando acompanhava o colega Franciel de Souza, ferido na cabeça por uma bomba. Mariana foi golpeada com violência antes da detenção. As advogadas da Adusp, Lara Lorena e Christiane Alves, fizeram parte da equipe de defensores que atuou no caso.

O vereador Eduardo Suplicy (PT) compareceu à 93ª DP para dar apoio aos manifestantes detidos, que foram liberados à noite. Manifestantes também informaram a detenção de Nani Figueiredo, funcionária da Creche Central, mas ela não foi apresentada nessa delegacia.

Reunião do Co

A situação de barbárie patrocinada pela Reitoria ao convocar a tropa de choque da PM repercutiu na reunião do Co. Diversos conselheiros protestaram contra a atitude da gestão M.A. Zago-V. Agopyan.

“A manifestação era absolutamente pacífica. Como resultado da ação da Polícia, tivemos estudantes e funcionários feridos. Hoje é um dia triste para a universidade”, disse Cristiano Buoniconti Camargo (FD), representante discente da Pós-Graduação. Ele leu promessa eleitoral do então candidato a reitor de que “jamais” iria recorrer à força física contra opositores.

A professora Ana Maria Loffredo (IP) denunciou o autoritarismo do reitor. O professor Marcos Magalhães (IME) disse considerar absurda a atitude de chamar a PM. “O que ocorreu lá fora foi algo muito grave, eu respirei gás lacrimogêneo, outros aqui também respiraram. Isso não é meramente uma questão administrativa”, declarou o professor Eugenio Bucci (ECA), sem citar o reitor. O professor André Singer (FFLCH) falou em “brutal repressão”.

Outro que se manifestou de forma veemente foi o professor José Sérgio Fonseca de Carvalho, representante da congregação da FE. Por entender que o Co teria de suspender a reunião frente à gravidade do ocorrido, Carvalho deixou a reunião por volta das 18 horas. Numa coletiva a jornalistas de TV e jornal, logo depois que saiu da Reitoria, o professor registrou seu protesto. “Cheguei aqui pouco antes das 14 horas, ninguém me impediu que entrasse. Recebi ordem para esperar. Presenciei alunos da universidade sendo chutados por PMs”, relatou.

“É um teatro do absurdo discutir as finanças da universidade com o que está acontecendo aqui.

Quem tem que dar exemplo somos nós, não é facultado chamar a Polícia,

que promove a violência, e não saber o que vai acontecer.

Assisti um policial chutando um aluno na cabeça.

Um Conselho Universitário não pode ignorar isso”.

Antes de colocar a proposta da Reitoria em votação, o reitor tentou responder às críticas. Negou que seja intolerante com divergências de opinião. A seu ver, o que ocorreu foi um “embate péssimo, horroroso para a imagem desta universidade, que eu jamais desejaria”. Ele lamentou que três estudantes e “cinco policiais” [sic] tenham ficado feridos, e, quanto à segunda afirmação, disse que ela revela que havia “manifestantes armados”. Acrescentou: “Vi manifestantes mascarados atirando projéteis nos policiais”.

O Informativo Adusp, que acompanhou o episódio do início ao fim, não constatou que policiais tenham ficado feridos. Seguramente nenhum PM sofreu ferimento da mesma gravidade que os infligidos por eles aos manifestantes. E ao contrário do que fizeram com vários manifestantes, nenhum PM foi chutado no rosto ou espancado.

M.A. Zago tentou se distanciar das agressões praticadas pelos soldados da PM, afirmando que eles “não foram convocados por nós”. O reitor também acusou os manifestantes de coação contra os conselheiros: “Professores, membros deste Conselho, foram assediados e agredidos fisicamente” (antes da reunião).

A diretoria da Adusp, presente na manifestação, contesta que tenha havido assédio aos conselheiros, quanto mais agressão física. “Não foi isso que vimos, e sim diálogo quanto à pertinência da proposta em causa”, rebate a professora Elisabetta Santoro, segunda vice-presidente da Adusp. Sobre a tentativa do reitor de esquivar-se das responsabilidades pelo violento ataque aos manifestantes, ela indaga: “Quem, então, teria dado à PM a ordem de atacar?”

No final da reunião, a proposta da Reitoria foi aprovada por 52 votos a favor, 32 contrários, com duas abstenções. Quatro destaques serão votados na próxima reunião do Co.

por Daniel Garcia / ADUSP

2 Que fique claro: o primeiro ataque foi da polícia

Por Priscila Figueiredo (Professora do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da USP) ePaula Marcelino (Professora do Departamento de Sociologia da USP)

Caros colegas:

Que fique claro: o primeiro ataque foi da polícia. O que os estudantes, funcionários técnico-administrativos e professores enfrentaram hoje na frente de uma reitoria completamente cercada por grades e polícia – foi brutal.

Cremos que não era claro para ninguém o que exatamente ia acontecer ali. Mas o fato de a reitoria ter sido toda cercada por grades e ter apenas duas entradas transformou o ingresso nela em algo simplesmente impossível. Palavras de ordem foram ditas, de maneira mais ou menos espontânea, desordenada, para o reitor e para a polícia: *Fora Zago! Fora PM! *Essa foi a “provocação”…

A polícia fez diversas demonstrações de terrorismo. Somos testemunhas de que a tropa de choque começou a atirar bombas sem que houvesse nenhuma das condições extremas que havia pouco alguns policiais — um dos quais viemos a saber depois que era um dos comandantes — tinham apresentado como situações nas quais eles poderiam agir com alguma violência. Eles conversavam com conselheiros do CO, André Singer, Eugenio Bucci, Paulo Martins e Alexandre Magrão, e com Tercio Redondo, os quais tinham ido até eles para que não agissem de forma violenta. Estando perto, perguntei o que era uma situação extrema. *Jogar pedras*. Depois de uns segundos, a segunda condição aparecia: *ora, desacato*. O que o senhor considera desacato? Se um grupo de manifestantes furar o bloqueio e tentar impedir a reunião — essa seria uma condição extrema? *Invasão, você quer dizer? Invasão é crime..*

Bem, não houve pedras nem plumas nem invasão.

Para sermos rigorosas, não houve nada

— eles começaram o ato sozinhos,

se posicionando de uma maneira que nos pareceu um pouco estranha,

no meio da rua —

era fácil de ver, pois estávamos ao lado deles, a uns 8 metros de distância, um tanto quanto ingênuas, pensando que se tratava apenas uma demonstração de força. A nós parece claro que agiram conforme uma agenda que já tinha sido previamente estabelecida, provavelmente conforme ordem superior. Então começaram a “cena” como os únicos personagens dela: jogando bombas, sem nada que os provocasse, sem nenhuma “interação dramática”, e levando à única interação possível da parte dos manifestantes — fugir.

As bombas foram sendo despejadas em ciclos — alguns manifestantes tentavam retornar, havia pausas e então recomeços de explosões — e num raio cada vez mais amplo. Em certa altura, nossa única alternativa foi entrar pelo gramado com árvores que vai dar na Praça do Relógio. Estávamos andando rápido, mas logo ouvimos, Paula e eu, um “saiam, saiam”. Eram policiais, um deles com cassetete, atrás de alguns estudantes, mas pouco depois eles voltaram. Ficamos próximas de uma árvore, esperando calmamente que se aproximassem, não estávamos armadas, não representávamos nenhum tipo de ameaça. Dissemos, num rompante de atrevimento e indignação, que eles deveriam parar de perseguir gente desarmada. Nos acusaram de sermos parciais, de estarmos de “mimimi” , de dizerem que tinham reagido a pedradas (apenas imaginárias, evidentemente) e por fim um deles nos agrediu verbalmente, usando uma palavra de tão baixo calão e tão machista que temos dificuldade em expressá-la. E tínhamos dito a eles que éramos professoras…

Mais tarde, quando a área em frente à reitoria já estava bastante esvaziada, assistimos ainda ao que eram duas demonstrações inequívocas do poder repressivo: quatro camburões cantando pneus passavam pela rua da reitoria em direção à avenida, dois dos quais com estudantes no banco de trás. Como ainda comentou uma funcionárias:* Saíram com tanta violência! Parecem que fazem questão de machucar os estudantes até dessa forma, chacoalhando assim o carro*. Em seguida, policiais em motos, várias, perseguiam um estudante na rua transversal, que dá acesso à ECA. As motos ziguezaguevam em alta velocidade, alternando-se entre a rua e a calçada — deviam ser quatro ou cinco e perseguiam uma única pessoa, a pé. Não sabemos se “apenas” o assustaram ou chegaram a prendê-lo. Pouco antes, tínhamos sentido o quanto o gás lacrimogêneo pode ser agressivo, especialmente quando uma de nós se aproximou dos policiais porque submetiam um moça, de bruços no chão e com os braços sendo puxados para cima. Alguns estudantes gritavam próximos do local e eu e Priscila nos aproximamos. Mas vinham bombas de todos os lados e saímos já sofrendo alguns efeitos do gás, que rapidamente passaram. Para nós duas foi a primeira experiência com gás lacrimogêneo. E foi na USP…

Nenhuma de nós é neófita em manifestações.

Mas não esperávamos tanta violência dentro da Universidade e

não a tínhamos visto tão de perto mesmo fora dela.

Nada justifica o que aconteceu.

Nada, a não ser um autoritarismo sem limites de alguém (alguens?)

que a estrutura de poder da USP permite e sustenta.

Essa relação indecente entre a reitoria da USP e a PM de Alckmin não pode ser entendida como normal. Nunca o diretor de uma instituição pública como a Universidade de São Paulo deveria poder agir de tal forma sem que houvesse nenhum tipo de mecanismo para sua deposição ou punição. Não somos nós apenas as que dormiremos com esse barulho hoje. A comunidade vai demorar para se recuperar de tal ruptura.

Que dia amargo.

por Daniel Garcia / ADUSP

3 Show de Horrores no CO

Por José Renato de Campos Araújo – Representação Professores Doutores CO-USP

Caros colegas,

A tarde do dia 7 de março tornou-se, sem dúvida alguma, um dos dias mais lamentáveis da história de nossa universidade, pois, como todos já devem saber, a votação dos Parâmetros de Sustentabilidade da Universidade de São Paulo aconteceu no início da noite de terça-feira antecedida por uma verdadeira batalha campal transcorrida nas cercanias do prédio da reitoria na Cidade Universitária.

Pessoalmente presenciei cenas lamentáveis naquela triste tarde, afinal fui um dos conselheiros que encontrou dificuldades para entrar no prédio da reitoria, uma vez como era anunciado e era completamente esperado por toda comunidade USP, entidades de representação das três categorias (professores, servidores técnicos administrativos e alunos) legitimamente organizavam manifestações pacíficas nas cercanias do prédio desde a hora do almoço, como fora amplamente anunciado pelas entidades. Importante ressaltar que presenciei, apesar do impasse em torno da entrada dos conselheiros no prédio da reitoria, que os protestos eram pacíficos e

até o início do confronto com a PM

nenhum conselheiro foi realmente ameaçado pelos manifestantes.

O máximo que acontecia era o impasse em relação à entrada no prédio para o início da sessão do CO, uma vez suas entradas estarem sendo guardadas pelas forças de segurança da Guarda Universitária e da PM, o que impedia o acesso de qualquer pessoa ao prédio.

Como já amplamente relatado pelas três entidades, publicado na imprensa e largamente narrado nas redes sociais, por volta das 15 horas e 30 minutos começou o confronto da PM com os manifestantes, após a polícia militar tentar dispersar os manifestantes de forma mais que truculenta, com bombas de efeito moral, gás pimenta e lacrimogêneo e outros armamentos “normalmente” utilizados em confrontos deste tipo. As cenas que se seguiram por mais de uma hora em torno do prédio da reitoria foram inacreditavelmente lamentáveis, ainda mais se lembrarmos que estamos falando de um campus universitário.

Não me estenderei no relato das cenas tristes e lamentáveis, mas somente gostaria de registrar aqui em nosso blog a minha entrada no prédio da reitoria.

Depois de conversar com vários conselheiros e manifestantes sobre a importância da entrada dos conselheiros no prédio, uma vez sabermos, por notícias chegadas daqueles que estavam dentro do prédio, que a intenção da reitoria não era pela suspensão da reunião e que era somente aguardado o quórum regimental para o início da sessão, eu e mais um pequeno grupo de conselheiros resolvemos entrar pela porta da frente da reitoria. Nosso objetivo inicial era entrar para dialogar com nosso reitor, apelando ao bom senso e pela suspensão da sessão do CO.

Para tanto um pequeno grupo de conselheiros teve que caminhar por uns cinquenta metros gritando para a PM nos identificar como conselheiros. Ao perceberem que éramos daqueles que desejavam “proteger” (afinal, a guarda universitária já havia nos informado que a PM iria “garantir” a nossa entrada) agiram de forma a possibilitar nossa chegada até a portaria da reitoria. Isto significou que um grupo de mais ou menos 10 policiais caminhou em formação de ataque, protegidos por escudos e armas voltadas à dispersão, em nossa direção atirando bombas contra os manifestantes que ficaram a nossas costas lançando pedras contra a PM. Obviamente que durante este curto trajeto nosso grupo esteve exposto a possibilidade de sermos atingidos pelas pedras dos manifestantes ou pelas munições utilizadas pela PM contra os manifestantes……e realmente um dos integrantes de nosso grupo foi atingido durante a “travessia”, felizmente meu colega conselheiro “somente” foi atingido no braço por algo que não produziu nenhum ferimento mais grave……

Qual votação dentro de uma universidade

é tão importante

que vale a pena expor qualquer pessoa a uma situação como essa?

Bem, não me estenderei em relatos sobre feridos ou ações inacreditavelmente truculentas que presenciei, hoje já temos uma profusão enorme de relatos e vídeos circulando nas redes sociais e veiculadas pela grande imprensa. Mas por outro lado, faço questão de deixar aqui meu registro indignado com a situação que vivi na última terça-feira, sinceramente, julgo ser profundamente lamentável que nossa universidade conviva com cenas como aquelas que presenciei naquela triste tarde.

O resultado final da sessão do CO provavelmente todos já sabem, até porque a sessão iniciou-se por volta das 17hs e foi normalmente transmitida pela IPTV (http://iptv.usp.br/portal/video.action?idItem=36078).

Os Parâmetros de Sustentabilidade da USP foram aprovados por 52 a 32 votos, depois de uma longuíssima sessão. Apesar de ainda haver importante destaques que serão votados na próxima sessão do CO, os quais destaco que no caso de aprovação poderão mudar substancialmente o teor da proposta aprovada pelo CO no dia 7 de março.

Termino dizendo que ao entrar na sala do CO mantive um diálogo acalorado com o nosso reitor, ao dizer com todas as letras ao Prof. Marco Antonio Zago que entendia como surreal sua intenção de manter a reunião, pois eram muito graves os acontecimentos que se desenrolavam nos arredores do prédio, clamando pelo bom senso de suspender a sessão como forma de cessar os episódios de violência que estavam acontecendo naquele momento. Recebendo como resposta que aquilo não era responsabilidade dele, pois os responsáveis seriam “vocês”, fala que rebati fortemente pois nunca compactuei, e este blog é prova disto, com qualquer ação violenta de qualquer grupo ou pessoa. Terminamos nosso diálogo de maneira dura quando solicitei ao reitor que não levantasse a voz para mim, pois não aceitaria sem reagir, uma vez sempre o ter tratado com o respeito e consideração, mesmo na maior parte das vezes discordando frontalmente de suas posições. Depois desta fala, o Prof. Zago serenou seus ânimos e tanto ele como eu terminamos nossa conversa de forma amena.

Fico a disposição de todos como sempre.

4 A professora do meu filho foi arrastada, algemada, recebeu cacetadas e chutes na cabeça

Por Mariana Giannotti

Ontem, véspera do dia das mulheres, recebi a notícia que uma funcionária da creche da USP que é professora de meu filho, foi arrastada para dentro da reitoria, jogada no chão, recebeu cacetadas e chutes na cabeça, além de ter seu braço torcido pelos policiais que a abordaram porque ela filmava a atuação da tropa de choque. Ela foi levada ao HU e algemada, e quando recebida na delegacia, após os devidos esclarecimentos, pode prestar depoimento como vítima dessa barbárie pois não tinha cometido nenhum ato ilegal que justificasse sua apreensão. Essa professora é uma das pessoas mais especiais que já tive a oportunidade de conviver.

Ela tem a delicadeza, sensibilidade e inteligência

para atuar neste universo particular que é o da educação infantil,

educando crianças pequenas.

Muito além disso, ela consegue dialogar com pais das mais diversas formações, origens e valores, sem carregar em sua atitude preconceitos, sempre buscando uma compreensão sobre a diversidade que existe para que possa, dessa forma, construir uma relação de confiança e assim ajudar seus alunos com uma enorme competência.

Ela é uma mulher singular, pois assim como muitas outras, ela também tem filhos, também enfrenta a pressão de gerenciar as múltiplas responsabilidades, mas nada disso a impede de tratar cada palavra de cada criança com todo o respeito, atenção e cuidado, e ainda tem forças para lutar por aquilo que acredita.

Sua presença nessa manifestação tem uma história, a creche em que ela trabalhou por tantos anos foi fechada no período de férias e pais, crianças e funcionários não tiverem nem tempo de tirar seus pertences e se despedir do lugar. Fomos todos tratados como números e o pior é que esses números representam menos de 0,04% do orçamento da USP, ignorando 30 anos de trabalho para a formação de conhecimento e metodologias na educação infantil. Fruto de uma luta das mulheres da USP, a Creche Oeste da USP reunia diversos setores da universidade como a Pedagogia, Odontologia, Fonoaudiologia e Psicologia, que tinham naquele espaço uma oportunidade singular de fazer pesquisa de qualidade e gerar conhecimento para esse nosso país tão carente no atendimento à educação infantil.

As creches não são apenas um direito dessas crianças, são também um direito das mulheres dessa universidade que, como o próprio dia de hoje simboliza, lutam em seu cotidiano para poderem exercer uma profissão sem abdicar da maternidade.

Espero que essas palavras provoquem uma reflexão mais profunda e que de alguma forma motivem as pessoas a lutarem, como puderem, para que encontremos um caminho diferente para sairmos dessa crise. Um caminho que passe por aproveitar uma das coisas mais preciosas que essa Universidade tem, que são as pessoas, com suas ideias, inteligência e experiência. Não estamos apenas em uma crise financeira, trata-se de uma crise de representatividade, a forma como a Universidade está estruturada hoje não permite que a opinião da maioria da comunidade seja ouvida e considerada.

Mariana Giannotti, Mulher, Mãe, Esposa e Professora da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.

por Eduardo Hegenberg

5 Responsabilidade é do Reitor Zago e da PM paulista

Nota pública do Fórum das seis – entidades de representação de funcionários e professores da USP, UNESP e UNICAMP

Um ato público absolutamente pacífico na tarde desta terça-feira, 7/3/2017, em defesa da USP, solicitando o estabelecimento de um diálogo democrático com a comunidade acerca de questões cruciais para a sobrevivência da Universidade, que seriam discutidas e eventualmente deliberadas em reunião do Conselho Universitário, transformou-se em cenário de brutalidade policial no campus Butantã.

O ato foi promovido pelo Fórum das Seis Entidades – constituído pelas entidades sindicais e estudantis da USP, Unesp, Unicamp e Centro Paula Souza – e reuniu centenas de estudantes, professores e funcionários.

O uso de bombas de gás e balas de borracha,

assim como o espancamento de pessoas desarmadas,

foi o desfecho de um dia marcado por ações intimidatórias e provocativas

perpetradas pela PM desde as primeiras horas da manhã.

A gestão M.A. Zago-V. Agopyan é a principal responsável pela repressão sofrida pela comunidade uspiana, uma vez que é prerrogativa sua permitir, ou não, a presença e as ações da tropa de choque da PM contra servidores e estudantes da USP, bem como contra parlamentares e representantes de entidades sindicais e de movimentos sociais presentes nesta manifestação.

O Fórum das Seis manifesta o seu mais veemente repúdio contra as ações da PM que, sob o patrocínio da Administração Central da USP, aviltaram o direito de livre manifestação e violentaram a autonomia de uma das universidades mais importantes do país.

São Paulo, 7 de março de 2017.
Fórum das Seis Entidades.

por Daniel Garcia / ADUSP

6 Um corpo de delito simbólico

Por José Sérgio F. de Carvalho
Representante da Congregação da FE USP

Carta aberta ao Conselho Universitário da USP

Apenas ao chegar em casa, já no início da noite, me dei conta de que as marcas da violência permaneciam gravadas. Nas costas, tomavam a forma de vergões oblíquos que desciam do ombro direito em direção às vértebras inferiores. Na alma tinham provocado fissuras que exalavam um odor amargo de indignação e desesperança. Como as fissuras da alma costumam passar despercebidas à ótica dos especialistas da medicina legal, optei pela configuração de um corpo de delito simbólico, no qual as evidências brotam do testemunho de uma experiência. Despojado de teor jurídico, o testemunho evoca o afeto da palavra que restaura a política ao rejeitar a judicialização. E cria, como principal efeito, a possibilidade de conciliação com o passado: “todas as mágoas são suportáveis se delas fazemos uma história ou sobre elas contamos uma história” (I. Dinesen).

***

Faltava pouco para as 14 horas quando cheguei ao portão lateral da Reitoria para participar da reunião do Conselho Universitário. Ao meu redor algumas centenas de manifestantes portavam cartazes, proferiam palavras de ordem, manifestavam suas várias insatisfações. Em seus rostos reconhecia companheiros de ofício, professores de minha filha, servidores que nos atendem nas exigências cotidianas, alunos que frequentam nossas salas de aula. Com alguns concordava, com outros não. Mas nenhum deles me impedia de entrar na sala do Conselho. E se lá não podia chegar, era porque os portões haviam sido fechados à espera da chegada da polícia, segundo fui informado.

A quem ela era chamada a proteger?

Quem sentia a necessidade da presença de armas, bombas e cassetetes dentro da universidade?

Quem havia abdicado da palavra em favor da violência?

Ao meu redor ouvia discussões, palavras de ordem, algumas vozes exaltadas que pediam que o reitor se retirasse. Mas eram palavras, era o embate simbólico, era a alma da democracia: as vozes que se proclamam iguais nas lutas que travam numa linguagem comum. Não eram as vozes contidas, autorizadas, cronometradas, hierarquizadas que ocupam as cadeiras numeradas de uma sala climatizada. Mas eram também vozes, as primeiras tão legítimas e humanas como as segundas.

Até que as forças policiais chegaram. Formaram fileiras disciplinadas como se fossem soldados hoplitas: protegidos por seus escudos, anônimos em seus elmos. Um deles, situado na segunda fileira, abre sua mochila negra de onde retira cilindros de metal que se espalham em todas as direções deixando um rastro de fumaça que penetra em nossos olhos, que arde em nossas narinas. Elas explodem e criam um campo de batalha, não mais de palavras, mas de corpos. Mesmo atordoado descubro a razão pela qual são chamadas de bombas de efeito moral. Elas invadem nosso corpo, retiram nosso ânimo e nos atiram no chão. E ficamos perplexos vendo uma jovem professora arrastada pelos cabelos, armas apontadas para uma face emoldurada por cabelos brancos, braços musculosos travando frágeis pulsos finos. Não seria uma bomba de efeito imoral?

Tentei me recompor e achar um caminho para a palavra em meio aos ruídos das bombas, aos gemidos de corpos em dor. A entrada havia sido “liberada”. Mas, àquela altura, entrar não seria compactuar com a eliminação das vozes dissonantes? Mas, por outro lado, ficar de fora não seria conceder o monopólio da fala aos que calaram as vozes por coerção? Como em qualquer tragédia, era escolher entre o horror e a desgraça. Caminhava em meio ao que restou, decidido a entrar, mas recusando a escolta policial porque nela não via qualquer sentido.

À entrada da reitoria notei um jovem que, caído ao chão e rodeado de policiais,

se reduzia a um corpo que era chutado sem poder oferecer qualquer resistência.

Quando chutaram sua cabeça corri e gritei que era nosso aluno.

Imediatamente um policial veio em minha direção.

Era quase tão jovem quanto o menino que jazia ao chão. Tão espantado e brutalizado pela violência como as vítimas de sua arma e de sua força, que agora se voltavam contra mim. Em um gesto de quem sabe que os direitos humanos neste país têm como pré-requisito uma posição social, bradei que era professor e membro do Conselho. Era o salvo-conduto para adentrar a sala climatizada na qual, em seguida, meus colegas discursariam serenamente acerca da responsabilidade fiscal, apontariam com elegância a inexistência de um necessário inciso ou sugeririam sensatamente uma pequena modificação na redação final. A barbárie autorizada cumprira seu papel: as vozes de fora foram reduzidas a ruídos e gemidos e já não se faziam ouvir no templo da “democracia” que arrogara para si o monopólio de falar com propriedade acerca do “interesse público” e da “responsabilidade social”.

O caráter cínico dos debates acerca da saúde financeira da universidade parecia obliterar a ferida que ali se abria em seu significado espiritual. Como até então ninguém parecia se dar conta dessa obviedade – ou não quisesse torná-la patente –, pedi a palavra para lembrar que estávamos em uma universidade – e não no conselho deliberativo de um banco – e que éramos, na imensa maioria, professores. Que a razão de ser dessa instituição e de nosso ofício é a promoção dos ideais de liberdade de pensamento, de expressão, de produção de conhecimento e de fomento à reflexão. E que não garantimos a liberdade algemando jovens; que não fomentamos a reflexão alienando-nos da responsabilidade de pensar sobre as consequências de nossos atos e decisões, que não promovemos a convivência democrática autorizando a polícia a atirar bombas. E que não poderíamos prosseguir naquele teatro do absurdo, como se fôssemos personagens de um romance de Kafka. Quem, em sã consciência, pode alegar que não imaginaria que aquele seria o desfecho de uma ação conduzida pela Força Tática ou o Batalhão de Choque da Polícia Militar de São Paulo?

Falei, recolhi meus pertences e saí. Depois soube que na reunião houve quem apoiasse a entrada das “forças públicas de segurança” alegando a necessidade de proteção ao “Estado democrático de direito”. Ao tomar ciência desse argumento, imediatamente me perguntei:

Havia proporção entre o ato denunciado

– a cola no cadeado de um portão –

e a desmedida violência perpetrada contra alunos, funcionários e professores?

A responsabilidade por um eventual ato isolado deve se estender a todos os manifestantes? Não soube de qualquer tentativa de mediação entre os grupos em conflito. A ninguém ocorreu que as reiteradas manifestações de insatisfação em relação ao Conselho denotam uma crise de representatividade e mesmo de legitimidade desse órgão? Não havia ameaça à democracia pelo simples fato de que ela – em seu real vigor – ficara do lado de lá da cerca, nas vozes que se proclamam iguais em direito, embora lhes seja negado o estatuto humano da fala e da razão. Tampouco ao maior patrimônio público da USP, que não são as vidraças da reitoria, nem sua mais recente aquisição, vejam só, uma cerca! Não foi a manifestação que ameaçou a democracia e o patrimônio público na terça-feira, mas a violência autorizada e consentida. A mesma que fere a liberdade de pensar, escrever e debater e instaurar o novo com a palavra, essa que a nós, mais do que a ninguém, caberia defender. O legado imaterial pelo qual deveríamos zelar é o da memória de pessoas como Florestan Fernandes, Ana Rosa Kucinski e Alexandre Vanuchi Leme (aliás, de que lado eles estariam?) e não o simulacro de democracia reduzido às cadeiras disciplinadas de um Conselho Universitário que tem se limitado à alternância entre o “sim” e o “sim, senhor”.

Publicado originalmente em http://psicanalisedemocracia.com.br, em 10 de março de 2017

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