Cidinha da Silva: Ainda, Melodia. Para sempre, Melodia!

fotoIlustração Joana Brasileiro

Fui à Concha acústica para ouvir a voz de Deus plantada como Semente da Terra em Minas. O Yuaretê, Milton Nascimento. Só a música e a poesia para acalentar a alma diante das artimanhas de Iku. Milton rateou em duas letras, atordoado pela perda do amigo Pérola Negra.

Tanta gente ruim, boa de morrer. Gente desonesta, desleal. Tanta temeridade à solta pela aí e Iku nos leva o Negro Gato. É por isso que a gente sente raiva e desentende as regras de funcionamento do mundo. Parece mesmo que “o tudo que se tem não representa nada. O tudo que se tem não representa tudo.”

E pode torcer o nariz quem quiser, mas as pessoas vão, sim, disputar pelo troféu de melhor título de texto para falar sobre Luiz Melodia. O mote é bom. O homem cantava como uma deidade, levava a voz para onde queria, fazia duo com Elza Soares, coisa reservada aos imensos, apenas. E se chamava Melodia, nome de batismo artístico herdado do pai, maior influência. Nome próprio e apropriado.

Todo mundo quer fazer jus à genialidade dele, quer mostrar que a fagulha da criação germinou depois de décadas a fio acalentada pela música inventiva e autoral de Melodia. Música popular que quiseram tornar maldita para afastá-lo das massas.

Vai ter fotinha do Poeta do Estácio substituindo o perfil de muita gente nas redes sociais. São múltiplas as formas de agradecer: “você me fez, Melodia, sua obra me atravessa”; “sou quem sou, porque ouvi você”; “sua música me salvou naquele dia de melancolia que perdi um amor e foi como se perdesse a vida, você me manteve viva”; “você amava como eu e entendia minha dor, e você ainda cantava, enquanto eu só chorava”.

Antes do passamento não havia como dizer isso a Melodia, que depois dos shows queria estar no quintal dos amigos e reinventar o São Carlos querido. A gente diz agora, mostra o quanto sua obra foi fundamental para nossa existência e acreditamos que de alguma forma, essa energia deve se conectar ao coração do Magrelinho mais elegante da MPB.

Que bom quando um artista se vai e as pessoas reverenciam sua obra, lembram-se dele, sabem quem foi. Agostinho dos Santos, Jhony Alf, Antonio Pompeo, Itamar Assumpção não experimentaram essa reverência. Quem é que sabe que Luiz Carlos da Vila compôs o samba campeão da Vila de 1988, que todo mundo canta: “valeu Zumbi / o grito forte dos Palmares / que correu terra, céus e mares / influenciando a abolição / valeu, Zumbi! E os que ainda estão entre nossos, esquecidos: Lady Zu, Cláudio Zóli, Cassiano, Hildon, só para ficar no universo da Black Music.

E, se alguém perguntar por ti, Melodia, fique tranqüilo. Responderemos que você foi por aí levando um violão debaixo do braço, mas como bom camarada, deixou canções para alimentar a saudade e a memória.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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