Ciclo de diálogos na PUC-SP procura encontrar o lugar do Povo Soberano no Brasil de 2017

foto: Lino Ferreira/Highorizone

O primeiro encontro do Ciclo de Diálogos: O Lugar do Povo Soberano, realizado na última segunda (09) no TUCA, reuniu Fábio Konder Comparato, Daniel Munduruku e Crislei Custódio para falar de Ética. 

Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (Art. 1º, parágrafo único, Constituição Federal de 1988).

O Povo Soberano é, ou deveria ser, a principal instância de Poder de um Estado-Nação. Será que hoje, no Brasil de 2017, esse poder está sendo exercido? E de que maneira? Mais: será que algum dia, desde 22 de abril de 1500, quando os povos originários desta porção da América do Sul encontraram pela primeira vez os colonizadores portugueses, o Povo Soberano do Brasil conseguiu exercer seu poder natural?

Essas perguntas são algumas das premissas do Ciclo de Diálogos: O Lugar do Povo Soberano https://www.facebook.com/events/352896398488991/, evento realizado pela Escola de Governo de São Paulo, entidade da sociedade civil criada em 1991 por Fábio Konder Comparato e outros juristas, intelectuais e gestores públicos com o objetivo de formar os cidadãos brasileiros para exercerem seu poder e sua participação na democracia. Serão cinco encontros, realizados na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que co-organiza o Ciclo, patrocinado pelo IREE (Instituto para Reforma da Relação entre Estado e Empresa).

O primeiro encontro aconteceu na noite desta segunda-feira, 09 de outubro, no TUCA – Teatro da PUC-SP, no bairro paulistano de Perdizes. Os debatedores, ou “dialogadores”, convidados para falar sobre a Ética — um dos pilares da Escola de Governo, junto a República, Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento, outros temas do Ciclo de Debates — foram o fundador da Escola de Governo, Fábio Konder Comparato, referência da luta pelos Direitos Humanos no Brasil e professor emérito da Faculdade de Direito da USP; o antropólogo, educador e escritor Daniel Munduruku, um dos mais destacados intelectuais indígenas do Brasil, e a educadora e professora da Faculdade de Educação da USP Crislei de Oliveira Custódio, especialista na obra da filósofa alemã Hannah Arendt. A mediação ficou a cargo do desembargador do TJ-SP e pró-reitor de Cultura e Relações Comunitárias da PUC-SP Antônio Carlos Malheiros.

Ética: Substantivo Feminino

Uma boa novidade que o Ciclo de Diálogos trouxe para o às vezes enfadonho modelo de mesa de debates para discutir os “problemas do Brasil” é a figura dos provocadores, que introduzem a discussão trazendo elementos de sua realidade e a linguagem artística sobre o tema da noite. Para falar de ética, as atrizes do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos Luaa Gabanini e Nilcéia Vicente fizeram um interessante jogo de palavras lembrando que ética é substantivo feminino e tem relação estreita com sua “prima”, a estética.

Antes, os diretores da Escola de Governo, Maurício Piragino, o Xixo, e Pedro Aguerre, deram as boas-vindas aos presentes e coube a reitora da PUC-SP, Maria Amália Andery, abrir o evento. A reitora destacou que o Ciclo de Diálogos era uma “Oportunidade única de trazer pra dentro da universidade uma discussão que é vital: o que é o povo brasileiro?” Maria Amália finalizou dizendo esperar que aquele fosse o primeiro de muitos frutos de uma parceria efetiva da PUC-SP com a Escola de Governo.

O mediador Antônio Carlos Malheiros, pró-reitor da PUC, outra figura importante nessa aproximação entre a universidade e uma entidade da sociedade civil como a Escola de Governo, chamou então ao palco as provocadoras Luaa Gabanini e Nilcéia Vicente. Ambas fazem parte do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, que há 16 anos centra todo seu trabalho na formulação “teatro hip-hop”, nome dado à linguagem por desenvolvida e pesquisada por eles desde o ano 2000, com ponto de partida no diálogo entre o teatro épico – mais precisamente o difundido pelo dramaturgo alemão Bertolt Brecht – e a cultura hip-hop. Vale a pena ver a intervenção das duas no vídeo que traz a íntegra do evento, ao final do texto.

Comparato: “Ética é a procura da felicidade”

Um dia após completar 81 anos, o professor Fábio Konder Comparato exibiu um corpo um pouco mais frágil, mas muita vitalidade nas ideia e disposição para lutar por um Brasil mais justo para seus habitantes. O jurista começou lembrando algumas noções de antigos filósofos sobre a Ética, descrevendo-a como “a procura da felicidade”, mas não só a felicidade individual, e sim a coletiva, compartilhada por todos os seres humanos.

“Todos os seres humanos nascem iguais em direitos, e eu acrescento, deveres. O ilustre Presidente da República é igual em dignidade e direitos a um meliante qualquer. Não que ele seja um meliante, é claro”, brincou, arrancando risos da plateia. Em sua exposição, Comparato reafirmou que o Brasil foi fundado em preceitos desprovidos de ética, como a escravidão. “”Nós fomos o último país a abolir a escravidão legal. Ela continua, ilegal, para os trabalhadores do sertão. Isso é a negação da ética”, afirmou.

Ele explicou que há um ordenamento jurídico “oficial” perfeitamente adequado aos princípios éticos de um Estado Democrático de Direito no Brasil, mas há outro, “ditado pela oligarquia, que não é o oficial, mas é o que vale”.

Daniel Munduruku: “Não existe cultura parada no tempo”

Em seguida, Daniel Munduruku trouxe a perspectiva ameríndia, em especial de seu povo, os mundurucu do sudoeste do Pará, sobre a ética. Ele afirmou que, em sua visão, a identidade brasileira ainda está se construindo. “O brasileiro é um adolescente que está em crise de identidade, ainda não sabe o que é”.

Daniel afirmou que deve-se entender a identidade indígena hoje como algo em constante fluxo, afinal identidades cristalizadas só são encontradas em museus, mostrando culturas mortas. “Não existe cultura parada no tempo, isso é coisa de museu. A cultura precisa ser dinâmica para que sobreviva. Meu povo teve que adaptar muito da sua própria cultura para poder sobreviver num estado que queria os destruir. Na nossa visão estereotipada queremos crer que o índio de verdade é o índio puro, que tá lá na floresta”, lembrou.

O escritor e educador falou um pouco de sua experiência de divulgação da cultura mundurucu e enumerou os diversos ataques que os povos indígenas tem sofrido com o avanço das pautas da bancada ruralista no governo Temer. “Esse golpe que aconteceu vai minar todas as conquistas que as populações indígenas tiveram após a Constituição de 1988”, afirmou, concluindo que se queremos construir um Brasil ético, só será possível levando em conta a “diversidade de humanidade” representada por mais de 300 povos indígenas reconhecidos.

Crislei Custódio: “A crise é a perda de um sentido comum”

Crislei Custódio, educadora da Faculdade de Educação da USP, ativista pelos direitos da população negra e especialista na obra da filósofa Hannah Arendt, grande pensadora das causas do totalitarismo no século 20 e ainda tremendamente atual, começou lembrando que aquele espaço não era o da Verdade absoluta, mas da opinião, e expôs suas opiniões sobre os escritos de Arendt que tratam da ética.

“A crise em Arendt nada mais é que a perda de um sentido comum, como um conjunto de sentidos compartilhados”, começou. Ela explicou como a filósofa alemã via a ascensão dos regimes totalitários como um “duplo desmoronamento dos sentidos éticos”.

Crislei lembrou ainda que, pensando em educação, “todos nós somos seres singulares e o lugar que cada um ocupa no mundo também”, e que embora seja impossível ver o mundo no lugar do outro, “A educação pode ser um lugar de suspensão da lógica produtiva para a escuta de outras vozes, dos vivos e dos mortos”. Em sua fala foi impossível ela não lembrar os ataques sofridos pela educação nestes tempos de avanço conservador, como o projeto Escola sem Partido. “Num mundo em que nos faltam sentidos compartilhados, a relação entre ética e educação não pode se limitar ao fomento de determinadas condutas”, concluiu.

Outros aspectos da atual crise de ética que proporciona o crescimento das posições mais reacionárias foram lembrados na abertura para as perguntas do público, tanto presente no TUCA quanto quem assistia pela internet. Ao responder uma pergunta dirigida a ele sobre o papel do Poder Judiciário na atual crise, o desembargador Antônio Carlos Malheiros respondeu. “Temos um Poder Judiciário conservador, pra não dizer reacionário, e assustado constato que o mundo está caminhando pra direita”.

Já ao falar sobre a recente polêmica criada pela performance com um artista nu no Museu de Arte Moderna de São Paulo, Malheiros afirmou que absolutamente não haveria incentivo à pedofilia ou nenhuma conotação sexual na performance duramente atacada por movimentos de direita, mas que, em sua opinião, talvez a mostra não fosse adequada para crianças, no que afirmou que colegas juristas discordam deste ponto. Mais uma mostra de que, embora haja uma ética particular de cada pessoa, com sua bagagem de mundo, é importante a sociedade dialogar e conversar para chegar num consenso mínimo de ética pública, e infelizmente este diálogo está muito difícil atualmente.

Algo que o Ciclo de Diálogos: o lugar do povo soberano pretende ajudar a mudar neste e em mais quatro encontros, sempre às segundas feiras, nos dias 16/10, 23/10, 30/10 e 06/11, na PUC-SP. Confira quem estará presente em cada encontro.

República
Dia: 16/10/2017
Local: Auditório 239 PUC-SP
Mediador: Luís Nassif
Provocador: Sônia Barbosa (Guarani)
Debatedores: Cláudia Costin, Aldo Fornazieri e Pedro Serrano

Direitos Humanos
Dia: 23/10/2017
Local: Auditório 239 PUC-SP
Mediador: Walfrido Jorge Warde
Provocador: Luiza Coppieters
Debatedores: Luciana Zafallon, Cristiano Maronna e Edna Rolland

Democracia
Dia: 30/10/2017
Local: TUCA
Provocador: Douglas Belchior
Debatedores: Esther Solano e Silvio de Almeida

Desenvolvimento

Dia: 6/11/2017
Local: Auditório 333 PUC-SP
Mediador: Ladislau Dowbor
Debatedores: Ermínia Maricato, João Pedro Stédile e Antonio Corrêa de Lacerda

 

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