Chico Felitti, “a Coach”, e mais uma glamourização do crime branco

Coisa que não te contaram (e nem vão) sobre o podcast A COACH

A CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA

Semana passada eu escrevi um artigo sobre a problemática de Lula aceitar fazer uma reunião com uma quase totalidade de jornalistas brancos. O evento também não contava com a presença das mídias negras. Os comentários da branquitude progressista foram de “o Lula não escolhe os jornalistas” até “O que Silvio de Almeida e Anielle Franco estão fazendo”. Essa é a pior face da branquitude “desconstruída” que, além de não se responsabilizarem pela estrutura que perpetuam ainda querem que pessoas negras resolvam um processo secular de opressão que foram e são vítimas. 

As pessoas não ligam o fato das narrativas serem construídas pelo quarto poder. A imprensa brasileira foi historicamente responsável por vários processos anti democráticos. O próprio acordo sobre desumanidade do corpo negro pela banalização do extermínio vide a ideia de “bala perdida” é uma destas ferramentas. Não existe “bala perdida” no Leblon e nunca vai existir. O uso de termos como “zumbis” nomeando as pessoas da “cracolândia” é também outro recurso que valida o extermínio de pessoas negras. Os golpes democráticos, o enfraquecimento de pautas importantes como a Pec das domésticas dentre outros são narrativas construídas que sempre atenderam ao poder. Esse poder que historicamente é masculino, hétero, cis e branco assim como a platéia de jornalistas presentes a ultima reunião de lula. Vejam o artigo clicando aqui.

O (S) PODCAST(S) de FELITTI

Então chegamos a mais um podcast de Chico. E este eu tenho propriedade de falar porque fui uma das vítimas e Kat Torres. Escuto todo o podcast (A Coach) com atenção porque tive uma conversa prévia com Chico. Fico Incrédulo que em todos os nove episódios não existiu uma palavra que pontuasse a branquitude de Katy e os privilégios de acesso que um corpo como o dela detém. Nada que sequer sugerisse que as quebras de regras ao passo que Katy se mobilizava socialmente seriam devidos ao fato de Katy ser branquíssima em um dos países mais racistas do mundo.

Já não é a primeira vez que isso acontece mas, como existiu uma papo anterior eu acreditaria que seria diferente, mas mais uma vez, não foi. O Caso da Katy é exatamente sobre privilégio branco. Eu implorei para que esse caso fosse tratado com a máxima ética. Chico sela seu pacto narciso da branquitude da forma mais charmosa possível, fortalecendo o imaginário meritocrático de um personagem que tinha certeza da impunidade. Impunidade, que é adquirida pela mesma razão.

* parte da mensagem esta coberta por ser informação confidencial.

Katy não burlou as regras do concurso de Miss porque era uma mulher bonita, Katy teve essa mobilidade social astronômica por ser uma mulher extremamente branca. A coach nunca foi trata como oportunista e charlatona nem no podcast, porque é uma mulher branca, magra e tem todo pacote do ideal de beleza. Eu acredito que Chico sabe que na trajetória de Katy nada teria acontecido se ela fosse uma mulher preta de cabelo crespo, mas preferiu fingir que não. Ela não transitaria entre herdeiros de Hollywood muito menos flertaria com Leonardo di Caprio em uma balada de Los Angeles. Saber disso e negligenciar é muito perverso. E isso o coloca em um lugar muito específico da história 

Com a chance de ter uma plataforma desse alcance e poder Chico poderia remontar a narrativa da “maravilhosa” trajetória reduzindo ao privilegio de ser branquíssima em um mundo extremamente racista que vivemos. Mas a escolha foi outra. Talvez o podcast perderia a magia? Nao sei. Katy não é essa pessoa incrível. Ela é mediana como a maioria das pessoas brancas brasileiros que estão no poder. Porque uma mulher negra de cabelos crespos não teria essa mobilidade social? Aqui, vc pode ver o post que fiz em 2021 sobre a Coach com evidências.

O ARQUETIPO DA BRANQUISSIMA DE SUCESSO

A construção da imagem de credibilidade no Brasil passa pela racialidade. Esta é a razão da quase totalidade de coachs e gurus serem brancos. Ela, a Katy, é o arquétipo das pessoas que sempre tiveram poder e com sucesso. E esse corpo politico dela também faz com que as reações das pessoas que foram lesadas sejam amenizadas.

O Brasil tem vendas fenomenais de tintas loiras para cabelos por uma razão muito perversa. Somos líderes mundiais no processo de alisamento. O que a Katy vende é que ela é uma mulher muito branca em um país bastante negro com histórico de violência. Fiquei muito surpreso ao saber que mulheres periféricas eram as suas maiores consumidoras. O desejo destas pessoas não eram estar no mesmo lugar que ela: ele almejavam ser ela.

Katy já tinha histórico de charlatanismo e nunca mesmo havia perdido a sua conta no Instagram. Nem mesmo a verificação da conta. Ela fazia atendimento “médicos” e deliberava tratamentos. Foi preciso que pessoas desaparecem para que outras pessoas tomassem providências legais. A estrutura de punição e justiça não teve ferramentas para responsabiliza-la. O próprio instagram é uma mídia de imagem que já teve seu algoritmos racistas e suas entregas questionados. A própria plataforma em um artigo do Wall Street (lei aqui) percebeu que contas de pessoas negras tem 50% changes de serem banidas. Katy não havia graduação em anda e legitimava seu poder pela falta de estudos “nunca precisei de nenhuma universidade”

O PACTO DA BRANQUITUDE

A sensação que dá no fim do podcast é que Katy é uma mulher “incrível”. Com toda humanidade criada nem parece estar sendo investigada por tráfico humano. Será que existe a possibilidade de Katy ser enganada pela polícia? Existe depoimento no próprio podcast dizendo que na real “ela somente queria ajudar as vítimas”. Vitimas que se prostituíam ao seu benefício. Fefito, que faz uma das falas finais, também não pontua que o futuro dela é a fama só por ser branquíssima. Katy provavelmente não vai (e nem deveria) apanhar na rua como acontece com muitas pessoas negras. Ao contraste temos Janet Jackson, uma das principais artista do R&B mundial, que teve sua carreira sendo exterminada pelo racismo. A Janet Jackson. Katy tem uma carreira a esperando fora da cadeia. Só porque as pessoas se “interessam” por ela.

Chico ja palestrou até aqui nos Estados Unidos sobre as questões relacionadas ao trabalho doméstico. Mas eu, filho de empregada doméstica, negro e que estuda sobre esta pauta faz tempo – sendo inclusive aliado a Federação Nacional de Empregadas domesticas, a Fenatrad – sou constantemente acusado de apropriação e tenho regularmente a minha identidade questionada. 

No mesmo evento que Chico esteve discursando sobre a problemática do trabalho doméstico brasileiro, Triscila Oliveira, uma das maiores vozes que temos no Brasil sobre o assunto teve seu visto negado e foi impedida de estar presencialmente na Conferência. Triscilla esta sem trabalho desde 2021 e se encontra desempregada desde 2014. Triscila é uma intelectual e cyberativista preta.

Aqui vai um alerta: Cuidado! Muitos progressistas tratam os “aliados” melhor que muita gente trata os ativistas. Essa série de áudio pode parecer uma ferramenta de justiça mas, é mais um instrumento que produz capital a branquitude. Katy burlou com louvor tudo que esteve em seu caminho. Katy realmente deve ser “maravilhosa” porque conquistou até o veículos que narram a sua trajetória de criminalidade. Como ele mesmo disse Kate teve eras como Lady Gaga. Ela já disse que a história dela vale grana.

Feliz Novembro Mês da paciência negra.

(*) Antonio Isuperio é arquiteto brasileiro, negro, periférico, lgbt+ que mora em New York. Ativista de direitos humanos por quase 15 anos, é filho de empregada doméstica e graduado em Arquitetura pela Universidade Estadual de Goiás, com MBA em varejo pela FGV-SP. É especialista em Design de Varejo e pesquisa e tendências de futuro e membro do Núcleo Negro do Jornalistas Livres

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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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