Crônicas & Agudas: Deus e o Diabo em Curitiba

 

Por Luís Antônio Albiero

DEUS E O DIABO EM CURITIBA

Em abril de 2017, publiquei a seguinte crônica:


“VAZOU

Desacorçoado com todas as injustiças que Moro vem praticando contra Lula, Deus resolveu que devia interceder.

Com seu jeitão humilde e educado, o criador do céu e da terra tomou uma decisão inédita. Levou em conta que Lula socorreu quase quarenta milhões de seus amados filhos que viviam abaixo da linha da pobreza, antes condenados a morrer de fome ou à exclusão do meio social, e resolveu ir pessoalmente à vara de Curitiba. E o fez como mandam os protocolos humanos.

Chegou ao saguão, apresentou-se ao oficial de justiça que atendia à porta do juiz, conversou com a assessora pessoal do magistrado, pediu gentilmente uma audiência com o responsável pelos casos da Operação Lava Jato.

Maravilhada com presença tão ilustre, a loura simpática disse a Deus, com muito jeito, “espere um instantinho, por gentileza, senhor. Vou estar vendo com o meritíssimo, volto já”. E Deus, serenamente, sentou-se, perdoou-a em pensamento pelo gerundismo e aguardou.

Lá dentro, a assessora informou a Moro:

  • Doutor, Deus está aí na antessala e aguarda sua autorização para uma audiência.

Moro, sem se assombrar, sem alterar o semblante, lançou para a moça um olhar frio e disse, com ar de absoluta indiferença, sem sequer alterar o tom de sua conhecida voz irritante:

  • Quem esse sujeito pensa que é?

E não o atendeu.”


Quando pudera eu adivinhar que esse fato um dia migrasse da ficção, fruto da minha imaginação, para a realidade? Pois eis que, na semana passada, não o próprio Deus, exagero da minha parte, mas seu representante na Terra, o “hermano” argentino alcunhado Francisco, mandou um seu assessor a Curitiba. Não para ter com Moro – não tenho a pretensão de achar que o Papa tenha lido minha cronicazinha, porém, nunca se sabe… -, mas para visitar Lula no cárcere.

Sua Santidade enviou, para essa missão, um compatriota de nome Juan Grabois. Mandou-lhe que trouxesse ao líder operário brasileiro um rosário abençoado, palavras para refletir e sua proximidade. E eis que Grabois foi barrado! Sim, o emissário do Papa, que representa o Altíssimo na Terra, foi barrado pelas normas ditadas pelo juiz de Curitiba!

Interessante constatar que, uns dias antes, Lula havia recebido, sem qualquer restrição das autoridades latajatistas, outra ilustre visita. Do Capeta, este em pessoa.

“E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:”

  • Dar-te-ei a liberdade. Se tu desistires de ser candidato a presidente da República, tu serás livre!

E lançou o Anjo das Trevas um tonitruante berro que ecoou pelo vale e se fez ouvir por todo o país:

  • Lula livre!!!

O ex-presidente, desconfiado, fitou-o com olhar matreiro, sorrisinho de lado, enquanto cofiava a barba branca, e perguntou ao Capiroto, na lata:

  • Foi Gilmar Mendes que o mandou vir aqui, não foi?

O Coisa Ruim ferveu em ódio, avermelhou-se em brasa, mas não abriu o bico, cônscio de que a missão que cumpria era supremo segredo de justiça que não se vaza.

Lula, que anda ocupando seu tempo na masmorra com leituras, recorreu a Vinícius de Morais. Lembrou-se dos versos de “Operário em Construção” e respondeu:

  • Não!

O Tinhoso, que também é versado em literatices, com gestos e trejeitos e eloquência de um ator sobre o palco recitou de memória:

“- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.

Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.”

Voltou-se para o presidente operário e aguardou-lhe a resposta a tão sedutora proposta.

Lula olhou com redobrada atenção para tudo que do alto do monte podia ver e, em cada coisa que via, misteriosamente havia a marca de sua mão.

O ex-presidente forjado na luta sindical aquietou-se e, no longo silêncio, ouviu a voz de todos os seus irmãos, dos seus irmãos que morreram por outros que viverão. Uma esperança sincera cresceu no seu coração e, dentro da tarde mansa, agigantou-se a razão de um homem pobre e esquecido. Razão, porém, que fizera em operário construído o operário em construção.

“E o operário disse: Não!!!

E o operário fez-se forte
Na sua resolução.”

(LUÍS ANTÔNIO ALBIERO, advogado em Americana-SP, ex-vereador do PT em Capivari-SP)

“Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
– Garrafa, prato, facão –
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão”.

O operário em construção – Vinicius de Morais

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