Carlos Eduardo Martins: “A desindustrialização brasileira no mundo não tem comparação”

Sobre o artigo de Haddad questionando a existência de uma burguesia industrial e nacional brasileira:

1) Apesar de criticar as opções econômicas e políticas da burguesia industrial brasileira, o autor ainda apega-se melacolicamente à busca do elo perdido da burguesia nacional, ao afirmar que esta ainda não se comporta como classe;

2) Esta melancolia esteriliza sua crítica referenciada intelectualmente, pasmem, em Fernando Henrique Cardoso, que organizou o enterro da indústria brasileira ao atualizar a dependência do tripé do capitalismo associado para o Consenso de Washington e a finaceirização;

3) É absolutamente assustador que Haddad evite o termo desindustrialização para se referir à perda da participação da indústria no PIB brasileiro, recorrendo a generalizações como a da superação global da indústria pelo setor de serviços de alta tecnologia. A desindustrialização brasileira no mundo não tem comparação. Não desenvolvemos um setor de serviços de alta tecnologia e nosso PIB industrial per capita é 25% menor que o de 1980, enquanto o dos Estados Unidos é 75% maior;

4) A chave da desindustrialização brasileira está na opção política da grande burguesia interna, enquanto fração dominante do capitalismo no Brasil, de impor a superexploração dos trabalhadores. Isso exige a ruptura com o desenvolvimento para estabelecer altos níveis de desemprego e precarização do trabalho, propiciando a desorganização dos movimentos sociais e a lumpenização cultural para permitir a conciliação da superexploração com níveis muito superiores de qualificação da força de trabalho. O apoio das principais frações da burguesia brasileira ao Golpe de Estado de 2016, a EC 95 e a Paulo Guedes apenas reafirmam que a pretensão de Fernando Henrique Cardoso de articular dependência e desenvolvimento mostrou-se um despropósito histórico, ancorada na ilusão ideológica do desenvolvimento dos 70. A balança da história pende muito mais para os caminhos abertos por Ruy Mauro Marini, Theotonio dos Santos e Vânia Bambirra, onde eu e outros temos inserido nossos trabalhos de forma crítica para desenvolver este filão interpretativo;

5) Parte da crítica ao artigo de Haddad provém das viúvas do nacional desenvolvimentismo que, à esquerda e à direita, menos céticas que Haddad, esperam o ressurgimento de uma burguesia redentora que de fato nunca existiu;

6) Tudo isso sugere que uma eventual candidatura de Haddad parece ainda ancorar-se em referências interpretativas e, possivelmente, em alianças que estão muito abaixo das necessidades do nosso povo diante da radicalização que a luta de classes apresenta no Brasil e na America Latina.


Carlos Eduardo Martins é doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor adjunto e chefe do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenador do Laboratório de Estudos sobre Hegemonia e Contra-Hegemonia (LEHC/UFRJ), coordenador do Grupo de Integração e União Sul-Americana do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e pesquisador da Cátedra e Rede Unesco/UNU de Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (Reggen). É colunista do Blog da Boitempo, com o qual colabora mensalmente, às segundas.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

2 respostas

  1. O unico fator a ser abandonado é o Modelo de Gestão Pública, cuja manutenção e alimentação vem do Modelo Político-partidário-eleitoral. Portanto, tudo vem destes modelos que são arcaicos, estáticos e não atendem a Constituição. Para não enfrentar a Gestão Pública como manda a Constituição, o Congresso e o Executivo alteram e a remendam para tornar os absurdos, retiradss de direitos, etc, constitucionais. Nossas instruções acompanham o modelo e resguardam privilégios e ineficiências que sufocam e penalizam os brasileiros, exclusão e sofrimentos continuados se assemelham a tortura.
    Estou no debate e as ordens para contribuir.
    A imprensa e omissa e subserviente a este modelo, assim como outras classes que estão mudas e só reproduzem o que está de acordo com este modelo.
    Imprensa pode e deve agir para fazer evoluir para um Modelo de Gestão Pública que contemple os interesses do povo brasileiro, um novo modelo Democrático, que cumpra a Constituição, que faça cumprir o Estado Democrático de Direito e devolva a dignidade a todos nós brasileiros.

  2. A burguesia brasileira é míope e hipócrita prega estado mínimo para o povo mas adora se escorar no estado quando lhe convém. Dificilmente seremos um país de primeiro mundo . Porque um país dividido e injusto impede esse sonho, o que se aperta muito escapa entre os dedos. Sem bem estar social,o conflito sempre estará presente. Afinal todos querem qualidade de vida.

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