Caminhada Tupinambá: Em Memória de seus Mártires!

Crédito da foto: Naiá Tupinambá.

Quando Ynaê Lopes questiona que Brasil vai receber de volta o Manto Tupinambá, ela está, essencialmente, lançando um desafio à nação: pensar se o Brasil contemporâneo reconhece e acolhe os Tupinambá de hoje como parte integral de sua sociedade ou se perpetua o etnocídio, genocídio e o que pode ser denominado como “memoricídio” (a eliminação da memória) a que esse povo foi e ainda está sujeito

Nesse contexto, a XXIII Caminhada do Povo Tupinambá de Olivença, que ocorreu no dia 24 de setembro de 2023, em Memória dos Mártires do Massacre do Rio Cururupe, adquire um significado ainda mais profundo, destacando-se como um evento de profunda relevância histórica e etnocultural no Sul da Bahia, realizada em memória de um dos maiores massacres indígenas das Américas. Em 1559, na Batalha dos Nadadores, liderada por Mém de Sá, milhares de indígenas foram encurralados na praia e afogados pelas ondas, resultando em mais de seis léguas de corpos estendidos na areia, tingindo o mar de vermelho com sangue. 

Na carta de Mem de Sá ao Rei de Portugal, ele relata os acontecimentos que culminaram com a Batalha dos Nadadores da seguinte maneira:

“Neste tempo, veio um recado ao governador informando que o gentio Tupiniquim da Capitania de Ilhéus estava se revoltando, havia matado muitos cristãos e destruído e queimado todos os engenhos da região. Os moradores estavam cercados e passavam fome, comendo apenas laranjas. 

Reuni então um conselho, e embora muitos argumentassem que não tínhamos poder para resistir a eles, nem o apoio do Imperador, parti com um pequeno grupo de seguidores.

Na noite em que chegamos a Ilhéus, caminhamos sete léguas até alcançar uma aldeia situada em uma colina cercada de lagoas. Cruzamos essas lagoas com grande esforço e, antes do amanhecer, atacamos a aldeia, destruindo-a e matando todos que ofereceram resistência. Enquanto seguia adiante, queimava e destruía todas as aldeias que encontrava pelo caminho.

O gentio se reuniu e nos seguiu ao longo da praia. Preparei algumas emboscadas e os cercamos, forçando-os a nadar no mar da costa íngreme. Enviei outros índios e pessoas livres para persegui-los por quase duas léguas, onde travaram uma batalha no mar. Nenhum Tupiniquim sobreviveu, e todos os corpos foram colocados ao longo da praia em fila por quase meia légua…”

Ano após ano, milhares de Tupinambás se reúnem para percorrer 10 km até o local do massacre, relembrando os trágicos eventos e homenageando seus mártires.

Presenciei como a caminhada também é uma reverência à memória dos anciões que desempenharam um papel fundamental na trajetória dos Tupinambá de Olivença, ao longo da história de contato. Figuras notáveis como Nivalda Amaral de Jesus personificam o esforço contínuo do povo na afirmação de sua identidade indígena, na busca pela retomada de seu território ancestral e na reivindicação de um dos onze Mantos Tupinambá remanescentes, que está no Museu da Dinamarca e está prestes a retornar, como anunciado pela Revista Piauí e Agência Brasil.

Além disso, a caminhada destaca a persistente luta pela demarcação do território, reconhecido e delimitado pela Funai em 2009, durante o governo de Lula. No entanto, é motivo de preocupação o fato de que, 14 anos após esse reconhecimento, o território ainda aguarde sua efetiva demarcação.

Esse evento etnocultural é um apelo à consciência coletiva, instando a participação de toda a sociedade no reconhecimento e apoio às reivindicações dos Tupinambá de hoje. Mesmo com a Bahia abrigando a segunda maior população indígena do país, como apontado pelo Censo Demográfico de 2022, a identidade indígena no sul do estado, permanece sujeita à negligência, negociações e apagamentos institucionais contínuos.

De maneira inegavelmente notável, o povo Tupinambá de Olivença têm tentado reconstruir sua história, reivindicando sua memória e enfrentando as profundas feridas e marcas infligidas pelo colonialismo.

(*) Naiá Tupinambá é uma indígena Tupinambá de Olivença, copywriter e fundadora da BND Digital, a primeira agência de marketing social fundada por duas mulheres indígenas.

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