Brasil vive recuperação mais lenta de sua história

reprodução de www.ihu.unisinos.br

Selecionamos algumas passagens da entrevista.

1 A economia estacionou no fundo do poço

O PIB caiu muito nos últimos dois anos, houve um forte aumento do desemprego, fatos que as pessoas conhecem e, mais do que conhecem, estão vivendo. Em 2017 a economia teve uma estabilização e um crescimento de 1%, ou seja, a economia ficou praticamente parada, estacionou no fundo do poço (…) A recuperação da economia a partir de 2017 é, de fato, a recuperação mais lenta da história econômica do Brasil. Isso significa que há a necessidade de uma política emergencial porque a economia não vai andar por suas próprias pernas.

2 Uma situação sem horizontes

Isso se dá por várias razões, entre elas, porque é muito difícil crescer com um governo sem legitimidade, que foi fruto de rupturas institucionais e que não conseguiu se firmar.

Por outro lado, as muitas denúncias de corrupção afetaram e afetam o clima econômico. O fato de haver uma eleição tão indefinida pela frente também dificulta o processo.

Outro aspecto importante é que a recessão não significou só uma perda de produto, de emprego etc., mas traduz o fato de que as famílias e as empresas se endividaram bastante, ou seja, os agentes privados estão muito endividados.

Portanto, diante do quadro político, dos agentes econômicos endividados e do governo fazendo uma política equivocada, fazendo muita ideologia, dizendo que precisa ter menos Estado na economia, estamos indo para uma situação sem horizontes.

3 Obstáculos ao crescimento mais significativo

A minha visão não é otimista. Há algum crescimento, mas um crescimento um pouco maior dependerá, sobretudo, do crescimento de consumo das famílias. Mas este é um ano difícil, e os bancos estão reticentes em emprestar. Assim, a “bala de prata” do crescimento este ano é o consumo das famílias, que depende, sobretudo, da recuperação do emprego, que recupera mas recupera mal, porque a qualidade do emprego, por conta da reforma trabalhista, está muito pior. Eu vejo vários obstáculos para que haja um crescimento econômico mais significativo e mesmo o setor externo contribuirá muito menos este ano.

4 Investimento Público

Continuo achando que o Estado tem um papel crucial no desenvolvimento do Brasil. Numa economia que é periférica, que tem uma moeda fraca, que sofre de insuficiente desenvolvimento tecnológico, que tem problemas sérios de desigualdade, o Estado tem um papel essencial (…) Na metade dos anos 70, o público controlava quase metade da taxa de investimento do país. Depois de 12 anos de governo do PT, não se chegou a 20% da taxa de investimento.

5 Distribuição de Renda e o Salário Mínimo

Existem dois instrumentos importantes para melhorar a distribuição de renda no país: um deles é o salário-mínimo e o outro é a tributação. Existe uma relação entre o salário-mínimo e o salário médio. Os países que têm melhor distribuição de renda, sobretudo os países da Europa, têm uma relação entre salário-mínimo e salário médio mais alta.

Agora, isso só não é suficiente e já foi feito em grande parte nos governos Lula e Dilma. Quando começou o governo Lula, a relação entre salário-mínimo e salário médio era 25%. Ao final do governo Dilma, em 2014, essa relação foi para quase 40%, ou seja, o leque salarial encurtou por causa do crescimento do salário-mínimo. Mas não se faz distribuição de renda só por esse mecanismo.

6 Tributação e Gasto Público

É preciso melhorar a tributação e melhorar o gasto. Então, a proposta vai nesta direção: precisa tributar mais a renda e o capital e menos a produção e o consumo. Precisa mudar o gasto também, eliminar gastos que são regressivos [que privilegiam quem tem mais] e não distribuem renda. Então, não se trata de deixar de apostar no salário-mínimo, mas é necessário apostar mais na tributação e no gasto progressivos.

7 Funcionalismo e Previdência Pública

(…) existe uma expansão do gasto com o funcionalismo público que precisa ser corrigida. A previdência pública também tem uma série de privilégios em relação à previdência privada, e é preciso introduzir correções nesses processos, porque isso concentra renda.

8 Previdência Social

Uma questão central no gasto social é a da Previdência. A questão da Previdência é importante, mas não é emergencial. De todo modo, ela precisa ser feita por uma razão básica: a população brasileira está envelhecendo e vamos gastar cada vez mais com aposentadorias. Se não fizermos a reforma, as pessoas continuarão a se aposentar com a mesma idade que se aposentam hoje e a razão pessoas ativas/aposentadas vai crescer excessivamente, tornando muito alta a conta da Previdência. Logo, é preciso resolver esse problema, que é um problema importante, mas é preciso dizer que não há uma única forma de fazê-lo, mas várias. Portanto, a questão requer muito debate e a construção de consensos.

9 Corrupção e Lava Jato

Se você me perguntar se eu acho que existe corrupção, vou dizer que sim, mas acredito que as pessoas usam isso como instrumento de luta político-partidária. A corrupção é, sobretudo, algo que responde ao sistema político que aí está: a forma como o sistema é estruturado, as campanhas eleitorais, que são caras, os partidos de aluguel, isto é, existe um conjunto de aspectos no sistema político brasileiro que induz a fazer caixa dois e essas coisas todas. Estou dizendo que o sujeito que pratica a corrupção deve ser penalizado e quando for o caso, preso, mas quando se prende um, vai aparecer outro para fazer a mesma coisa, porque o sistema induz a isso.

A Lava Jato poderia ter sido algo educativo, mas ela criou um viés grande, foi seletiva do ponto de vista político e perdeu apoio numa parte expressiva da população. No fundo ela produziu resultados ruins.

Notas

1 Para ver a entrevista completa: http://www.ihu.unisinos.br/577886-os-desafios-da-economia-brasileira-entrevista-especial-com-ricardo-carneiro

2 Ricardo Carneiro é mestre e doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Ele esteve presente no Instituto Humanitas Unisinos – IHU na última segunda-feira, 9-4-2018, onde ministrou a palestra Novos desenvolvimentismos no Brasil. Tendências e desafios para a economia brasileira. A íntegra da conferência pode ser vista aqui: https://youtu.be/lA8ZDitBLCY

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