Brasil, uma democracia em decadência

Publicado originalmente neste sábado, 27 de janeiro, pelo jornal francês Le Monde e traduzido pelo professor Daniel Pereira Andrade, da FGV, colaborando para os Jornalistas Livres. 

Fotos: Jornalistas Livres

 

 

Os escândalos, misturando malas de dinheiro sujo e negociações na calada da noite, se sucederam no comando do poder a ponto de atordoar os brasileiros

Depois das bravatas, das lágrimas e dos ultrajes, Luiz Inácio Lula da Silva, conhecido como “Lula”, presidente do Brasil de 2003 a 2011, cedeu. Na sexta-feira, 26 de janeiro, seus advogados entregaram o passaporte do ex-chefe de Estado às autoridades policiais de São Paulo. Essa medida foi exigida por um juiz de Brasília no dia seguinte de sua condenação a doze anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Mais uma humilhação para o ex sindicalista, personagem da luta dos trabalhadores na ditadura militar (1964-1985), que foi um dos maiores líderes políticos do país e figura de destaque internacional no auge de seu esplendor. O destino de Lula, “pai dos pobres”, cuja política social tirou milhões de brasileiros da pobreza, desperta paixões.

Seus aliados reivindicam sua inocência e o defendem como um santo enquanto seus inimigos o consideram um bandido. Apesar da comprovada estranheza do processo judicial, não é absurdo imaginar que o ex-metalúrgico e seu Partido dos Trabalhadores, como seus predecessores, tenham sucumbido à tradição clientelista do sistema político brasileiro. Já em 2005, o escândalo do “mensalão” (compra de votos de parlamentares) quase lhe custou a reeleição. E, além dessa primeira condenação, Lula também é objeto de outros oito processos.

Imunidade deturpada

No entanto, o mal-estar cresceu desde 2016 com o controverso “impeachment” da presidenta Dilma Rousseff, herdeira e sucessora de Lula. Longe de servir à causa da ética, tal como prometido pela operação anticorrupção “Lava Jato”, o infortúnio de Lula oferece o espetáculo angustiante de um velho mundo político em decadência.

No momento em que os juízes pronunciavam a sentença contra o ex-metalúrgico, o atual presidente, Michel Temer, participava da cúpula de Davos, tentando relegar ao esquecimento as graves acusações que pesam contra ele: corrupção passiva, participação em organização criminosa e obstrução da justiça.

Até o momento, o chefe de Estado conseguiu suspender os processos ao preço de acordos vergonhosos com os parlamentares, eles próprios em situação delicada com a justiça. No Congresso Brasileiro, nada menos que 45 dos 81 senadores respondem a acusações criminais, como aponta o site Congresso em Foco, que examina a atividade parlamentar. Nada de novo. A “Lava Jato” apenas lança luz sobre práticas muito anteriores à chegada de Lula ao poder.

Após as gigantescas manifestações de 2015 e 2016 pedindo, em nome da “moral”, a saída de Dilma Rousseff, os escândalos, dignos de um filme de segunda categoria, misturando maletas de dinheiro sujo e negociações na calada da noite, seguiram-se a ponto de atordoar os brasileiros. Mas o status de foro privilegiado protege os políticos no cargo; a imunidade da qual eles desfrutam, legítima em princípio, é deturpada e manipulada com o maior cinismo.

A elite de Brasília está imersa em um clima de impunidade que enoja o povo. Poucos meses antes da eleição presidencial, o Brasil, um dos países mais desiguais do mundo, reflete a imagem de uma sociedade de castas onde os governantes não obedecem às mesmas leis que os miseráveis. É indigno e perigoso para a maior democracia da América Latina.

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