Um vídeo de Jair Bolsonaro falando que praticaria canibalismo voltou a viralizar nas redes nesta última semana. Em uma entrevista realizada em 2016 pelo jornal The New York Times, o presidente Jair Bolsonaro (PL), então deputado federal, relata um possível ritual canibal em uma vista a uma comunidade indígena Yanomami em Surucucu, Roraima, afirmando que “comeria um índio sem problema nenhum”. O depoimento recuperado gerou uma onda de desinformação acerca dos rituais pós-morte do povo Yanomami.
“Como um presidente que é candidato fala isso? Ele é uma pessoa que não conhece o Brasil. Meu povo não é canibal, não come humanos. Isso não existe nem nunca existiu, nem entre ancestrais”, afirma Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’Kuana (Condisi-YY). Na gravação, Bolsonaro relata que quase comeu “um índio em Surucucu uma vez”. “É a cultura deles. Bota o corpo. É para comer. Cozinha por dois, três dias, e come com banana. E daí eu queria ver o índio sendo cozinhado. Daí o cara: ‘Se for, tem de comer.’ ‘Eu como.’ Aí da comitiva ninguém quis ir.”, adiciona o presidente.
De acordo com indígenas, antropólogos e estudiosos, associar tradições indígenas com práticas canibalistas é um grande erro. Segundo Rodrigo Pateo, doutor em antropologia pela Universidade de São Paulo (USP), as falas de Bolsonaro mostram uma grande desinformação e preconceito com a cultura dos povos originários. “A afirmação de Bolsonaro é absurda. Após a morte, o defunto é colocado em uma espécie de cesta e pendurado em uma árvore em um local pouco frequentado da floresta. O corpo fica lá até a decomposição da carne, restando apenas o esqueleto”, coloca o pesquisador.
O ritual fúnebre do povo Yanomami, que chama Reahu, é complexo e dura vários dias. Primeiro, existe uma reunião de dois dias entre os indígenas para então selecionar algumas pessoas para levarem o corpo para dentro da floresta, onde ele irá se decompor. Depois acontece a cremação dos ossos e as cinzas são armazenadas e distribuídas para entes queridos. “Ele tem na cabeça aquela imagem que assustou a Europa 500 anos atrás. É preconceito e racismo. Atualmente, não há resquício dessa imagem de canibalismo entre indígenas brasileiros” reafirma Pateo.